12 anos de Proteção às Mulheres Vítimas de Violência
Leia, abaixo, artigo elaborado pela advogada Maria da Gloria Faria*:
O Juiz William Brenann, da Corte Suprema dos Estados Unidos da América do Norte, há muito já disse que os três principais produtos de exportação dos EUA são os jeans, o rock e as leis.
Os menos familiarizados com o mundo jurídico poderão se surpreender e até mesmo duvidar, mas, creiam, também exportamos leis. Aliás, se a paz social não se fortalece entre nós, tal não ocorre por falta de leis, mas, na maior parte das situações, pela impunidade, pela não aplicação assertiva das leis. Claro que aqui não se despreza o fator da enorme desigualdade social que permeia a nossa realidade.
Ainda que não exatamente no mesmo sentido, as leis brasileiras têm, também, ultrapassado nossas fronteiras e vêm sendo reconhecidas, tendo seus princípios e, muitas vezes, sua forma, sido copiadas e acrescentadas à legislação de outros países.
A verdade é que, nossas leis têm sido inspiradoras para a adoção de legislação semelhante em outros países, como é o caso da Lei nº 9.580/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, cujo texto foi, praticamente, transcrito para o ordenamento jurídico da Turquia.
Até mesmo na legislação inglesa de proteção ao consumidor, é possível perceber-se vários pontos comuns, cuja fonte foi a nossa legislação.
Entretanto, a conquista que ora se deseja destacar, e que se faz marcante, é, não só a promulgação, mas, a consistente aplicação da Lei nº 11.304/2006, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem à biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, duas vezes vítima de tentativa de assassinato pelo marido e que ganhou notoriedade ao apresentar o seu caso à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). A Lei Maria da Penha é considerada um avanço, pois, reconhece como crime a violência intrafamiliar e doméstica; tipifica as situações de violência, determinando a aplicação de pena de prisão ao agressor, e garante o encaminhamento da vítima e seus dependentes a serviços de proteção e assistência social.
Para tanto a referida lei dispõe:
Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher[…]
E o faz de forma ampla estendendo seu braço protetor a todas as mulheres independentemente de classe raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura nível educacional, idade e religião […] (Art. 2º) comprometendo-se ainda com todos os aspectos da sua segurança.
Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo do direito à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
O legislador preocupou-se em detalhar a forma pela qual deve ser exercida a proteção por meio do binômio – prevenção e coibição – da violência doméstica e familiar. Conceituou a violência doméstica e familiar contra a mulher como: qualquer ação ou omissão baseado no gênero que lhe causa morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
A lei elenca as várias hipóteses e circunstâncias de ocorrência da violência doméstica e familiar contra a mulher (Art. 7º), bem como explicita as medidas integradas de prevenção a partir da criação de uma política publica nesse sentido, por meio de um conjunto articulado de ações da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e, ainda, ações não governamentais. Sua efetivação se faz por meio de integração operacional do Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública com todas as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação. (Art. 8º caput e inciso I)
Complementa com o detalhamento da assistência a ser prestada à mulher em situação de violência doméstica, do atendimento pela autoridade policial, dos procedimentos judiciais e jurisdicionais e das medidas protetivas de urgência a serem continuadas nos procedimentos previstos para as primeiras 48 horas posteriores ao recebimento do expediente com o pedido da ofendida. (Art. 18).
A abrangência da norma alcança as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, contidas no art. 22, e as que protegem a ofendida, indo estas desde a proteção física até a proteção patrimonial, tornando possível, liminarmente, a determinação da restituição de bens subtraídos pelo agressor à ofendida, a proibição temporária de celebração de contratos e outros atos, a suspensão de procurações conferidas pela ofendida ao agressor, e a prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes de prática de violência contra a ofendida. (Art. 23)
Por fim, dispõe como deve se dar a atuação do Ministério Público, a Assistência Judiciária e o atendimento por Equipe de Atendimento Multidisciplinar nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, os últimos à época da promulgação da Lei nº 11.340/2006 ainda a serem criados.
O art. 33 trata das disposições transitórias e as disposições finais se estendem do art. 34 até o art. 46, que fecha o diploma legal tratando da sua vigência a iniciar-se 45 dias após a publicação.
Completando neste ano de 2016 uma década de sua promulgação e inicio de vigência, tem sido aplicada a inúmeras situações concretas, tendo, em 2012, sido considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica, perdendo apenas para Espanha e Chile.
Ainda que a estatística aponte na direção da manutenção de números altos de casos de feminicídio em todo o território nacional, as ações viabilizadas na Lei 10.340/2006 para a preservação da vida e da incolumidade física da mulher afastou milhares delas da ameaça letal de maridos e companheiros violentos.
Infelizmente, mudanças culturais não se efetivam por meio de leis, não é possível alterar a realidade por decreto. Em todo o mundo, o comportamento violento contra a mulher permanece uma realidade, mais, ou menos trágica, dependendo do país analisado.
Mulheres que se submetem, passivamente, à violência de seus parceiros, contribuem para que seus filhos e filhas, sobretudo estas, venham a repetir esse padrão em sua vida adulta. A construção de uma autoestima sólida começa em casa e deveria ser reforçada nos bancos escolares.
Enquanto o ganho da mudança cultural do comportamento de gênero não se consolida entre nós, resta a Lei Maria da Penha, e se isso parece pouco em um primeiro momento, saibam que está no topo das formas desejáveis de legislação contra a violência no mundo inteiro. E continua servindo de modelo para outras legislações que se preocupam com o tema.
Maria da Gloria Faria é advogada, formada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, com mestrado latu sensu em Direito Empresarial pela Universidade Cândido Mendes com Certificação em Didática de Ensino Superior, IAG Master em Seguro da PUC-RJ, especialização em Previdência pela UERJ, Membro fundador do Instituto Ibero Americano de Direito Marítimo, Conselheira titular do Conselho de Recursos do Sistema Nacional de Seguros Privados CRSNSP – de 2009/2013 e Conselheira Suplente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF de 2010/2014. Presidente do Conselho da Associação Internacional de Direito de Seguros AIDA Seção Brasil, período 2016/2018, Presidente do GNT de Novas Tecnologias da AIDA Seção Brasil (2016/2018) – Membro da CEDSS – Comissão Especial de Direito Sanitário e Saúde da OAB-RJ, Consultora Jurídica CNseg
Fonte: Clube das Luluzinhas