“Tempestade perfeita” trava fusões no setor de saúde
Após movimentar aproximadamente R$ 60 bilhões em fusões e aquisições em 2021, o setor de saúde viu esse montante cair para R$ 12,8 bilhões em 2022 e deve assistir a uma queda ainda maior neste ano. No primeiro semestre, as transações somaram apenas R$ 1,1 bilhão, segundo levantamento da consultoria EY-Parthenon.
Mesmo quando comparado a 2019, período anterior à pandemia, as cifras são menores. Esse cenário pessimista é devido ao que se chama de tempestade perfeita.
De um lado, o setor de saúde enfrenta uma sinistralidade recorde devido ao maior uso plano de saúde e alta nos custos médicos após a pandemia, gerando pressão em toda a cadeia.
Por outro lado, os grupos consolidadores, que lideraram as aquisições entre 2020 e 2021, hoje estão alavancados com o aumento da taxa de juros que saltou de 2% para 13,75% nos últimos três anos. Custo de capital elevado, incertezas geopolíticas e inflação, naturalmente, afetam as transações. Aliado a esses fatores, as teses de investimento em saúde perdem ainda mais força com o aumento do custo médico acima da inflação e aumento da sinistralidade provocada, principalmente, pela demanda reprimida da pandemia e comorbidades geradas pela covid, disse Fábio Schmitt, sócio da EY-Parthenon.
Nesse cenário, os múltiplos das empresas de saúde com capital aberto em bolsa estão bastante descontados diminuindo sua capacidade de olhar fusões e aquisições, disse Maurício Nozawa, sócio da BR Finance, assessoria de fusões e aquisições.
Entre janeiro de 2022 e ontem, as ações desse grupo de empresas de saúde caíram na B3: Kora (-78,23%), Qualicorp (-71,94%), Dasa (-63,66%), Hapvida (-58,57%), Rede DOr (-27,20%), Mater Dei (-21,48%), Oncoclínicas (-8,62%) e Fleury (-2,97%).
Nos últimos cinco anos, foram realizadas cerca de 500 transações no setor de saúde que juntas movimentaram quase R$ 90 bilhões (US$ 18 bilhões).
Desse volume, cerca de 90% foram fechadas por dez grupos consolidadores – Rede DOr, Intermédica, Dasa, DaVita, Hapvida, Fleury, Oncoclínicas, Sabin, Viveo e Hermes Pardini.
Apesar desse volume relevante de transações, o mercado de saúde ainda mantém características parecidas, com concentração de clientes de planos de saúde num grupo pequeno de operadoras e um mercado hospitalar ainda pulverizado.
Levantamento do Credit Suisse mostra que 75% dos usuários de convênio médicos saúde são do sistema Unimed, Hapvida, Bradesco, Amil e SulAmérica.
Mas, em algumas praças pequenas ainda há operadoras de menor porte com relevância local que podem ser alvo de consolidação, segundo Maurício Cepeda, analista do Credit Suisse.
Já o mercado hospitalar continua fragmentado mesmo em praças menores. Segundo a BR Finance, cerca de 130 hospitais (com mais de 50 leitos), situados em cidades com mais de 200 mil habitantes, já foram adquiridos pelos grandes grupos, mas há outros 280 com essas mesmas características ainda sob controle de seus fundadores.
Apesar do cenário de redução em aquisições, esses ativos continuam no radar dos consolidadores. Há outros 120 hospitais particulares localizados em municípios menores e outros 1 mil estabelecimentos sem fins lucrativos. Essa configuração pode servir de defesa para outras operadoras após a fusão entre Rede DOr e SulAmérica. Além disso, avanços inorgânicos de grupos maiores ainda são possíveis, embora a alta atual do ambiente de capital impediria esses movimentos no curto e médio prazos, informa Cepeda.
Há novos movimentos no setor de saúde que ajudam a explicar a redução do número de negócios envolvendo fusões e aquisições. Operadoras de planos de saúde estão fazendo parcerias com hospitais, ao invés de comprá-los.
E clínicas de especialidades médicas e startups de saúde, que antes enfrentavam resistência do setor, atraem interesse, em especial de gestoras de fundos de investimentos. As transações envolvendo operadoras e prestadores de serviços de saúde comprando ativos para ganhar escala ainda representam a maior fatia em volume e valor. Mas há uma desaceleração desde 2020. Em contrapartida, cresce o número de parcerias estratégicas entre operadoras e hospitais, laboratórios. Em 2018, houve apenas uma parceria desse tipo. Em 2022, saltou para dez, disse Luiza Mattos, sócia da Bain & Company.
Há diferentes modelos de acordos comerciais, sendo que os mais usuais têm sido a criação de convênios médicos com rede formada por determinados prestadores de serviços; e operadoras garantindo receita para hospitais e laboratórios novos.
Em paralelo, há uma consolidação em andamento no mercado de especialidades médicas como oftalmologia, ortopedia, nefrologia e reprodução.
Esse movimento começou por volta de 2015, mas acelerou durante a pandemia. Somente no segmento de oftalmologia, foram fechadas 30 transações desde 2021, o equivalente a um negócio por mês, segundo levantamento da consultoria carioca B2R.
A consolidação é liderada pelas gestoras de private equity Pátria, que já comprou pelo menos 20 ativos na área, seguida pela XP, com cerca de 15 negócios fechados. Há mais de 5 mil clínicas e hospitais oftalmológicos no país, ainda há muito espaço para crescer. No Brasil, realiza-se três cirurgias a cada 1 mil habitantes. Nos Estados Unidos, essa média é de 10, disse Ricardo Bahiana, sócio da B2R Capital, assessoria de fusões e aquisições.
A estimativa do mercado é que o setor de oftalmologia fature R$ 10 bilhões por ano e que os compradores estejam pagando, em média, uma vez a receita por uma empresa dessa especialidade médica. O número de aquisições de startups de saúde também cresceu de forma exponencial com a deflagração da pandemia. Até então, o setor de saúde era mais restritivo às heatlhtechs, mas várias delas se destacaram trazendo soluções para os problemas provocados pela covid.
O número de startups adquiridas entre 2018 e 2022 saltou de cinco para 27. O valor movimentado subiu de US$ 1 milhão para US$ 114 milhões, segundo a Bain.
Fonte: NULL