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Seguro pode crescer mais de 3 vezes no país

O Brasil é o mercado com maior potencial de crescimento para a indústria de seguros na América Latina e um dos dez mais no mundo, afirma o CEO global da Mapfre, Antonio Huertas Mejías, em entrevista ao Valor Econômico. Segundo o executivo, a conclusão faz parte do estudo anual realizado pela divisão Mapfre Economics que calcula o índice de potencial de desenvolvimento de seguros em 96 mercados.

A holding Mapfre está presente em 49 países e, em 2019, registrou receitas de € 28,5 bilhões. Os ativos do grupo somavam € 72,5 bilhões no fim do ano passado. Além das possibilidades de expansão, o Brasil ocupa uma posição estratégica nos planos da seguradora por ser o segundo maior mercado do grupo depois da Espanha, onde a holding se originou.

No ano passado, a operação local representou 20,7% dos prêmios emitidos pelo grupo. A participação do país no lucro líquido foi de 15,7% no período, conforme o balanço anual. Sobre os principais riscos globais no momento, Huertas afirma que uma recuperação mais lenta e desigual que a esperada aparece no radar como uma das ameaças a serem monitoradas dentro de um cenário de segunda onda de covid-19. “Muitos setores podem não suportar uma crise mais extensa”, avalia o executivo.

No caso do Brasil, a Mapfre trabalha com cenário de rápida recuperação econômica em um período de “quatro a seis meses”. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Valor: Em um cenário pós-pandemia, qual a importância do Brasil nos planos do grupo?

Antonio Huertas Mejías: Uma vez que a crise acabe, as oportunidades para nossa indústria são amplas porque os seguros vão poder oferecer novas soluções. Em nossas conversas com nosso parceiro no país, o Banco do Brasil, fica nítida a chance de crescer na penetração dos seguros no país. O Brasil, com sua capacidade econômica, tamanho da população e baixa penetração dos produtos, oferece um potencial de crescimento de mais de três vezes o mercado atual, segundo os estudos da nossa divisão Mapfre Economics. Acabamos de publicar o índice de potencial crescimento dos mercados [Global Insurance Potential Index] e o Brasil lidera na América Latina. A pesquisa analisa um total de 96 mercados de seguros. O Brasil ocupa a oitava posição geral no mundo em termos de potencial para crescimento do mercado de seguros. A Mapfre nasceu na Espanha mas é um grupo global, 30% do nosso negócio está na Espanha, mas os 70% restantes são internacionais. O Brasil é o segundo mercado da Mapfre no mundo.

Valor: Quais seriam essas novas soluções?

Huertas: A aceleração da digitalização foi impressionante em todo o mundo. É uma oportunidade. Temos novos riscos e novas ameaças no mundo. Nós no seguro temos de mudar e fazer produtos diferentes, como seguros modulares, adaptados à tecnologia, seguros liga e desliga, os quais as pessoas podem ativar e desativar por meio de seus celulares, usar dados para tornar mais efetiva a proteção de cada pessoa, com soluções específicas.

Valor: Quanto a Mapfre estima que pode crescer no país?

Huertas: Nosso desempenho vai depender de como a segunda onda e, eventualmente, uma terceira onda vão afetar as economias. Mas nós estamos tranquilos porque avaliamos que o cenário provável é de recuperação rápida no mundo. A situação global ainda é de muita incerteza. E isso afeta a todos. O seguro é uma atividade que tem uma vantagem. Nós trabalhamos para proteger nossos clientes e, para isso, temos de nos proteger também. Temos uma visão de longo prazo maior que em outras atividades e sempre estamos preparados para enfrentar cenário complexos. Sendo assim, a resiliência das atividades de seguro é muito forte. No Brasil a nossa situação geral é muito boa. Antes da pandemia fizemos um processo de transição, com mudanças na parceira com o BB. Agora estamos preparados para aproveitar o crescimento da economia brasileira. Mas, você pode estar se perguntando, como eu posso falar de crescimento se ainda estamos na pandemia? É que temos confiança que a economia brasileira vai melhorar, com o controle da pandemia, a chegada das vacinas e os novos procedimentos médicos. O Brasil pode crescer acima de 3% e até 4% nos próximos anos. Será preciso pouco tempo para voltar à normalidade, diferentemente da crise financeira que foi lenta e dolorosa.

Valor: A piora da visão internacional sobre o Brasil nas questões ambientais pode afetar o fluxo de investimentos ao país?

Huertas: Acho que na Europa temos muito desconhecimento da realidade do Brasil em relação à proteção do meio ambiente. O seu país apresenta situações positivas [de preservação]. Mas é certo que tem de fazer muitas mudanças para garantir uma proteção maior no futuro. A Mapfre Brasil é uma das unidades do grupo global mais preocupadas com sustentabilidade e inclusão e acho que isso é reflexo da realidade do país em termos de preocupação da sociedade com esses temas. Quando falamos de Europa falamos de muitos países e interesses diferentes. A França [um dos mais críticos ao Brasil no tema ambiental] tem sua posição e todos conhecemos. Em geral as preocupações são mais políticas do que técnicas, não têm uma base forte, por isso, eu acho que temos de ter mais informação real do que acontece e quais as ações do governo para poder opinar com mais autoridade. Todos os países cometeram muitos erros no passado na preservação do meio ambiente. Ainda que agora isso não seja um problema na Europa, temos de fazer nossa lição de casa lá antes de falar sobre outros países.

Valor: Qual o cenário base da Mapfre sobre o Brasil?

Huertas: Esperamos a continuidade da agenda de reformas. Tem de continuar. Se o país não fez antes da pandemia, tem de fazer agora, quando começar a sair da crise. Não se pode deixar de lado os ajustes para garantir o crescimento econômico. É uma questão de segurança da sociedade, para garantir acesso a emprego, educação e aumentar a competitividade. Por isso as reformas são importantes e acho que o governo tem a vontade de continuar nessa linha. Além de manter os programas de reformas, o país precisa ajudar as empresas a ser competitivas. Porque não é suficiente ser uma boa companhia só no Brasil, precisa ser competitiva no mundo para garantir sua continuidade e futuro.

Valor: O sr. citou uma terceira onda. É um risco a ser monitorado, caso ocorra, por exemplo, uma mutação do coronavírus?

Huertas: Na verdade, vemos uma baixa possibilidade disso. A questão sanitária ainda existe, mas já há muitas iniciativas em andamento. Não acho que uma terceira onda seja um cenário crível agora. Para a Mapfre, a recuperação vai chegar em quatro a seis meses e vamos ter uma rápida retomada no mundo em geral. O principal risco da recuperação é a falta de equilíbrio. Podemos ver setores com volta rápida, mas outros não. Na Espanha, o turismo, por exemplo, é muito importante. Na hipótese de as pessoas não confiarem na vacina, não vamos ter turistas em um ano ou um ano e meio. No Brasil, as questões são as mesmas. Pode haver setores com comportamento diferentes. Por isso os governos têm de assegurar que as atividades tenham uma recuperação e ajudar a proteger os empregos. Não tenho dúvida da recuperação econômica.

Valor: O descolamento entre mercados e economia real pode ser um risco no pós-pandemia?

Huertas: Acho que o principal risco financeiro global se relaciona menos aos mercados e mais ao desempenho dos bancos. Mas não por conta deles. E sim pela possibilidade, ainda que pequena, de um cenário no qual a recuperação econômica não seja forte. Dentro desse quadro, pode haver queda dos pagamentos, com aumento da inadimplência, e uma retração do crédito. Isso poderia afetar a solvência de alguns bancos. Na crise anterior, na década passada, o problema dos bancos foi de solvência. Agora a situação é favorável ainda. Mas na eventual hipótese de os clientes pararem de pagar os financiamentos, muitos bancos podem ter problemas. Porém, acho que, com as condições atuais e a ajuda dos governos, as famílias vão conseguir manter as cadeias de pagamento e garantir as necessidades básicas. Não vejo a possibilidade de esse risco se materializar. Poderia ocorrer, se a crise se estendesse por um prazo mais longo. Diferentemente da crise financeira que durou dez anos, a atual é curta. Em poucos meses vamos ter as soluções de saúde para garantir a volta à normalidade. Em alguns países, existe ainda a situação de dificuldade de financiamento das contas públicas. Isso não é um risco propriamente, porque é uma situação presente em várias economias, ou seja, o desafio de manter os custos dos sistemas públicos com crescimento menor do que o da economia. Mas não vemos isso no Brasil. Achamos que o país tem margem para crescer em dívida e poder financiar as medidas [de auxílio]. Porém é certo que o Brasil precisa manter o caminho de reformas estruturais para garantir a sustentabilidade fiscal e como consequência a viabilidade dos sistemas públicos de saúde, educação e previdência.

Valor: Em relação a riscos emergentes, quais novas ameaças são trazidas com a pandemia?

Huertas: A gente acha que as condições prévias à pandemia não mudaram, na verdade. Temos ainda muitas situações que não foram resolvidas, como ciberisk. A Mapfre mesmo teve um ataque ciber em agosto na Espanha. Mas conseguimos, em pouco tempo, voltar à normalidade. Isso é uma lição importante daqui para a frente. As empresas têm de proteger seus sistemas e ter, não somente uma boa tecnologia, mas também a garantia financeira para fazer frente aos custos relacionados aos problemas cibernéticos. No mundo inteiro as empresas ainda estão despreparadas para o risco ciber. As organizações não consideram que os custos de proteção devem ser fixos e até acham que não precisam de proteção. Além do ciber, as catástrofes naturais também continuarão a ser um problema. Ainda teremos de lidar com tempestades, enchentes e outros desastres. É claro que, depois da pandemia, teremos novos desafios. É o caso da proteção à saúde. Será preciso, por exemplo, incluir mais coberturas para garantir acesso ao serviço médico em várias situações, como quando as pessoas viajam, além de ter possibilidade de usar a tecnologia para resolver situações cotidianas. Outra questão está relacionada às proteções para as empresas mais vulneráveis. No mundo inteiro, há ainda uma discussão sobre como os seguros podem ajudar a garantir a continuidade dos pequenos negócios depois de uma crise como esta. E temos soluções, mas não é fácil convencer os governos e os próprios donos de estabelecimentos, que, quando não temos problemas é quando temos de comprar seguros. Na Europa, tem havido uma discussão sobre como os governos podem criar um cenário de colaboração público e privada. Os governos sozinhos não conseguem proteger os negócios e pessoas, mas junto conosco, os jogadores privados, é possível. O bloco europeu, por exemplo, instituiu o “Next Geration Program”, um mecanismo financeiro de cerca de € 750 bilhões para ajudar os países afetados pela pandemia. O primeiro requisito é que os fundos têm de ser usados em uma colaboração público e privada.

Fonte: NULL

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