Por que tão poucas mulheres na ciência?
Quando entrou na faculdade, nos anos 50, a nova-iorquina Mildred Dresselhaus pensava em dar aulas em um colégio. No 2º ano, durante as aulas de Física Moderna com Rosalyn Yalow (futuro prêmio Nobel de Física), Mildred descobriu que adorava física. Melhor ainda, entendeu que uma mulher podia sonhar ser uma cientista importante. Mildred é um dos principais nomes da nanociência, uma das novas fronteiras da tecnologia. Seu trabalho na criação dos nanotubos de carbono (estruturas ínfimas, flexíveis e resistentes) fez com que ela fosse escolhida uma das vencedoras do prêmio For Women in Science de 2007, um programa da Unesco e do grupo LOréal de incentivo às mulheres cientistas.
Mildred rompeu um tabu que, passados mais de 50 anos, se mantém para a maioria das mulheres: o sucesso na carreira científica. O número de moças que escolhem as ciências, principalmente as exatas e tecnológicas, é muito mais baixo que o de rapazes. Em 2000, apenas 20% dos estudantes de graduação de física no Brasil eram mulheres. É a mesma taxa do Reino Unido e dos Estados Unidos. No Japão e na Suécia, o índice não chega a 15%.
Isso é no começo da jornada. Conforme se avança na carreira científica, encontram-se ainda menos mulheres. Uma medida dessa evasão encontra-se na classificação conferida pela bolsa de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Nos estágios iniciais da carreira acadêmica, as mulheres representavam no ano passado pouco mais de um terço dos pesquisadores, em todas as áreas. No topo, os bolsistas considerados 1A, a taxa de mulheres cai para 23%. Nas ciências exatas, a disparidade é ainda maior. Entre os físicos, as mulheres respondiam por apenas 3% das bolsas 1A em 2005.
Esse não é um fenômeno só brasileiro. Na Europa, poucas mulheres entram para a carreira de física. Em 2000, na Dinamarca, nem 3% dos físicos profissionais eram mulheres e, na Alemanha, pouco mais de 5%. Em outros países é pior que no Brasil, diz Ida Vanessa Doederlein Schwartz, professora do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal do Paraná. Em congressos e cursos nos Estados Unidos, várias vezes notei que davam mais atenção aos homens. E as mulheres ganham menos. Com um trabalho sobre uma doença genética rara, Ida foi uma das sete vencedoras da versão brasileira do prêmio que Mildred ganhou, promovida também pela Academia Brasileira de Ciências. Recebeu R$ 20 mil para suas pesquisas.
Por que há tão poucas mulheres na ciência? A primeira razão é histórica. No passado, as mulheres faziam experiências em suas cozinhas porque não eram aceitas em laboratórios, diz Márcia Barbosa, professora do Departamento de Física da UFRGS e coordenadora do grupo de mulheres da International Union of Pure Applied Physics. Marie Curie, prêmio Nobel de Física e de Química, só conseguiu seu primeiro emprego depois que o marido morreu.
Outro motivo é que muitas mulheres interrompem a carreira para ter filhos. Muitas colegas sentem que precisam optar entre a maternidade e a ciência, diz Tatiana Gabriela Rappoport, professora adjunta do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A bolsa de produtividade do CNPq, por exemplo, é reavaliada de três em três anos. O pesquisador pode ser promovido, se manter como está ou perder a bolsa. Ninguém quer saber se a produção de uma pesquisadora diminuiu porque ela ficou cinco meses cuidando de um bebê. Especialista em spintrônica, ciência que promete aumentar a capacidade e a velocidade de processamento dos computadores, é outra ganhadora da bolsa do prêmio Para Mulheres Brasileiras na Ciência. Diz que pretende ter filhos. Sei que é difícil, mas acho que conseguirei conciliar.
Há quem ache natural haver tão menos mulheres que homens na ciência. Em 2005, o então presidente da Universidade Harvard, nos EUA, o economista Lawrence Summers, revoltou a comunidade científica levantando a possibilidade de a genética ser responsável pelo maior sucesso dos homens nas ciências exatas. Summers foi substituído por uma mulher: a historiadora Drew Faust. Não existe nenhuma prova nem evidência científica de que haja uma diferença entre o cérebro da mulher e o do homem capaz de influenciar no desempenho como pesquisador ou no interesse pela ciência, diz Ralph Cicerone, presidente da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Então, temos de assumir que somos todos iguais.
Não haver diferença genética não significa não haver diferença. Homens e mulheres têm características diversas, afirma a geneticista Mayana Zatz, pró-reitora de pesquisas da Universidade de São Paulo. Isso é evidente. O homem é mais focado, a mulher mais observadora. s O que é genético e o que é cultural, ainda não se tem certeza. A diversidade, no entanto, não significa que os homens ou as mulheres sejam mais talhados para a ciência. Mas elas procuram mais as áreas humanas e sociais e menos as ciências exatas e engenharias. Pode haver uma diferença de interesses, diz Márcia Barbosa. Não queremos que os números de homens e mulheres nas diferentes ciências sejam iguais. Mas o que faz tantas moças que entram na universidade em cursos como Física e Matemática desistir da carreira?
Segundo a própria Márcia, a resposta é o número maior de barreiras que as mulheres enfrentam. No mundo todo, a maioria dos membros das academias de ciências e dos órgãos e institutos responsáveis por conceder bolsas e verbas de pesquisas são homens, diz. A mulher tem mais dificuldade para ter um trabalho aprovado. Ela cita como exemplo um estudo feito pelo Conselho de Pesquisa Médica da Suécia em 1997. O estudo mostrava que, para conseguir verba para projetos e laboratórios de pesquisa, as cientistas tinham de ter uma produção 2,2 vezes maior que a dos colegas.
Outro exemplo é o relatório do comitê estabelecido para analisar a situação das mulheres no Massachusetts Institute of Technology (MIT), em 1995. As jovens pesquisadoras não se sentiam discriminadas, mas as mulheres em posições mais importantes reclamavam de uma série de injustiças em relação a salários, verbas e até ao tamanho de seus laboratórios. Pegaram uma fita métrica e mediram os laboratórios chefiados por homens e por mulheres, diz Mildred. Os dos homens eram maiores.
O fato de o problema ser apontado por pessoas mais velhas poderia revelar que ele estava diminuindo. Mas a mesma pesquisa do MIT revela que por mais de 20 anos o número de mulheres do corpo docente da escola de ciência não cresceu ficou sempre em torno dos 8%. Enquanto as conquistas femininas são evidentes em várias áreas do mercado de trabalho, no mundo inteiro, na ciência a estagnação é quase unânime. Uma pesquisa do Eurostat Labor Force mostra que entre 1998 e 2004 a taxa de crescimento da participação da mulher no mercado de trabalho de forma geral era 1,5%. Já a taxa de crescimento nas carreiras científicas ficava em apenas 0,3%.
Para mudar esse quadro, poderiam ser usadas ações compensatórias, de prêmios de incentivos a sistemas de cotas. Na volta da licença-maternidade, por exemplo, a mulher poderia ficar liberada de dar aulas até colocar sua pesquisa em dia, diz Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências.
Além disso, é preciso que a própria mulher se convença. Muitas vezes, há uma auto-exclusão, diz Ameenah Gurib-Fakim, professora de Química Orgânica da Universidade de Maurício, na Ilha Maurício. Com um trabalho sobre plantas medicinais nativas de seu país, Ameenah é outra das vencedoras internacionais do For Women in Science. A mulher precisa acreditar em si mesma. E ser mais determinada que o homem.
Os obstáculos para as mulheres não são um problema só para elas. No mundo moderno, em que a inovação adquiriu uma importância fundamental, não faz sentido aproveitar tão mal metade da fonte de idéias potencialmente revolucionárias. Talento não se substitui, diz Mildred. Ele nasce onde ele nasce. Não escolhe sexo.”
Fonte: universitario.com.br