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Magazine Luiz almeja ser “plataforma digital”

Sobrinho-neto dos fundadores do Magazine Luiza, Fred tem 41 anos e é formado em administração pela FGV-SP. Desde 2000, trabalha na empresa da família. Em janeiro de 2016, assumiu o cargo de presidente. Tem três filhos: uma menina de 10 anos, outra de 2 e um menino de 9. Quando se casou, fez uma lista online de presentes no site do Magazine Luiza e descobriu, espantado, que ganhara sete grills da marca George Foreman: Troquei todos por uma TV de tela plana. Inspira-se no fundador da Amazon, Jeff Bezos, para ele “o melhor CEO da atualidade”.

Ao se tornar CEO do Magazine Luiza, em 2016, Frederico Trajano apresentou ao mercado um plano para transformar uma varejista tradicional em uma plataforma digital, com pontos físicos e calor humano. Fred, como é conhecido, dobrou os investimentos no e-commerce, criou um laboratório de inovações e contratou consultorias para rever custos e processos (a companhia fechou no vermelho em 2015, demitiu pessoas e a inadimplência de clientes aumentou). Sobrinho-neto dos fundadores, Luiza e Pelegrino Donato, e filho de Luiza Helena Trajano, Fred faz parte da terceira geração da família à frente do negócio.

Nas mãos de sua mãe, entre 1991 e 2009, a pequena loja de presentes inaugurada há 60 anos em Franca, interior de São Paulo, se tornou a terceira maior varejista de eletroeletrônicos e móveis do Brasil, com 800 unidades e 20 mil funcionários. Com personalidade expansiva e carismática, Luiza Helena era a alma do Magazine Luiza. Fred, por outro lado, tem uma conduta mais discreta e pragmática. Seu primeiro ano no comando trouxe resultados: o faturamento cresceu 6% e foi a R$ 11,4 bilhões, com quase 30% vindos da loja online ? e as contas voltaram ao azul. Se, de fato, ele irá conseguir concluir a transição para o mundo digital e, ao mesmo tempo, preservar o calor humano, só o tempo dirá. A seguir, Fred conta os aprendizados de sua trajetória e diz como enxerga os erros e acertos do varejo e o futuro das lojas online.

Sua relação com o varejo vem desde criança? Como foi crescer sendo o filho da Luiza Helena, uma empresária com uma personalidade tão cativante e que exerce fascínio sobre as pessoas?

Passei toda a minha infância e adolescência em Franca. A gente vivia com um certo conforto para os padrões do interior, mas sem excessos e extravagâncias. Minha família nunca tirou muito dinheiro da empresa. Por um longo período, vigorou uma norma em que apenas 10% do lucro anual era dividido entre os sócios. Os outros 90% eram reinvestidos na operação. Minha tia vive na mesma casa há 30 anos. Nas férias da escola, eu e meus primos tínhamos de ajudar a atender clientes e a empacotar mercadorias na loja. Sobretudo em dezembro, o mês de maior movimento do varejo. É curioso você me perguntar sobre como era ser filho da Luiza Helena, porque naquela época o Magazine Luiza não era uma empresa grande e nem a minha família era a mais conhecida da cidade. As marcas de maior prestígio eram fabricantes de sapatos, como HB e Samello. Mesmo quando me mudei para São Paulo para fazer faculdade [administração de empresas, na Fundação Getulio Vargas], meus colegas não tinham muita noção do que era 0 Magazine Luiza. O negócio não tinha projeção nacional [a varejista só chegou efetivamente à Grande São Paulo em 2007, quando já tinha 395 lojas em sete estados]. O grande salto de crescimento da empresa se deu nos últimos 20 anos, pós-Plano Real, com a ascensão da classe média.

Quando você entrou para a faculdade, já pensava em trabalhar no Magazine Luiza?

Não, nem antes e nem depois da faculdade. Não havia um plano e nem pressão da família. Não estava excluída essa possibilidade, pois a empresa estava crescendo bastante, mas não era a minha prioridade de carreira. Depois de formado, fui trabalhar no mercado financeiro. Primeiro, no Deutsche Bank, como analista de renda variável no setor de consumo. Acompanhei a derrocada da Arapuã, da Mesbla, do Mappin e de toda essa turma do varejo que não soube virar a chave depois do fim do ciclo inflacionário. Depois, passei por fundos de private equity, que investiam em empresas médias com alto potencial de crescimento. Eu ficava responsável por analisar dezenas de modelos de negócios. Nessa época, a internet estava começando a se popularizar no Brasil. Foi quando surgiu o primeiro insight de que alguma coisa nova estava acontecendo e que todas as empresas teriam de se adaptar. Aí comecei a trabalhar em cenários com oportunidades e ameaças para o Magazine Luiza.

Qual era a sua análise?

Eu não queria que acontecesse com a nossa empresa 0 que eu vi acontecer com as fabricantes de calçados em Franca. No período pós-Plano Real, quando houve a estabilização da economia e a desvalorização do Câmbio, a maior parte delas não conseguiu se adaptar à nova realidade e foi à falência ou diminuiu de tamanho. Elas dependiam excessivamente da exportação e seus donos tiravam muito dinheiro do caixa para comprar propriedades particulares. Meus colegas de infância que tinham pais ricos viram suas famílias perderem dinheiro, fazendas e carros. No caso da internet, não se tratava de uma mudança na política monetária, mas uma transformação tecnológica. Percebi que qualquer varejista que não entrasse com força no e-commerce enfrentaria problemas para sobreviver no futuro.

Foi aí que você decidiu trabalhar no Magazine Luiza?

Foi, porque a partir daí encontrei um projeto em que eu poderia realmente fazer a diferença e, de certa forma, deixar a minha marca. Então, comecei a conversar com minha mãe e fui contratado em 2000 para criar a loja virtual da companhia. Ela sempre foi muito aberta a novas idéias.

Li algumas histórias de que você chegou botando medo na família e nos executivos para convencê-los a investir na internet. É verdade?

[Risos] Não foi exatamente botando medo. Mas, nas reuniões ou em qualquer oportunidade, eu fazia questão de ressaltar que, se não fizéssemos investimentos no mundo digital, perderíamos o bonde do futuro. O maior desafio ao inovar é quebrar a resistência das pessoas. Muitos funcionários diziam que o e-commerce roubaria clientes da loja física e mataria 0 negócio principal. Nessas ocasiões, eu chegava com números, planilhas e fatos para mostrar 0 que estava acontecendo com a Blockbuster e a Kodak lá fora e até mesmo com as varejistas do nosso setor. Era uma forma de mobilizar a empresa e quebrar paradigmas enquanto ainda era tempo. Eu entrei para a empresa com uma visão muito clara do que precisávamos fazer.

Como se deu o desenvolvimento da loja online?

Desde o início, nós construímos a loja virtual integrada com a plataforma operacional das lojas físicas. O projeto envolvia usar os mesmos sistemas de estoque, os mesmos centros de distribuição e a mesma logística. As 900 transportadoras que prestavam serviços para as lojas passaram a atender também o site, reduzindo 0 custo do frete. Na época, foi uma decisão fora da caixa. Fui chamado de maluco. Todos os grandes varejistas estavam montando estruturas corporativas e estoques exclusivos para 0 e-commerce. O Pão de Açúcar, por exemplo, lançou uma loja virtual com outra marca, chamada Amélia. Pessoalmente, não enxergava essa estratégia com bons olhos.

Por quê, já que estava todo mundo fazendo assim?

Montar uma operação separada é mais fácil e mais rápido. Dessa forma, você gasta uma grana violenta com outro prédio, contrata um bando de programadores, coloca gente jovem já preparada para operar no ambiente digital e pronto. Assim, você não precisa ficar na fila para trocar tecnologias velhas, não precisa convencer o gerente de loja física a aceitar as mudanças e não precisa mudar a cabeça do diretor financeiro para a nova realidade. Por outro lado, essa estratégia cria um mundo paralelo e não insere a cultura digital nas áreas mais tradicionais da companhia. Quem escolheu esse caminho, em geral, foram executivos interessados em resultados de curto prazo ou em acelerar o crescimento a qualquer custo para abrir o capital na bolsa. Não foram empreendedores preocupados com a perenidade do negócio.

O modelo não funciona?

No longo prazo, ele não se sustenta. Se você precisa replicar toda a sua estrutura burocrática e logística para ter um e-commerce, qual a razão de criá-lo? Apenas para pôr um site a mais na internet? Não por acaso, as varejistas agora estão correndo atrás do prejuízo e integrando suas operações online e offline. Quando decidi que o Magazine Luiza faria tudo de forma integrada desde o começo, sabia que daria mais trabalho e que passaria a competir por recursos com outras áreas. Nas reuniões, o dilema era: vamos colocar mais dinheiro em novas ferramentas digitais ou abrir 50 lojas físicas? Eu tinha de provar por A mais B que priorizar 0 online traria mais retomo. Por isso, o e-commerce precisava ser rentável o mais rápido possível. Hoje, está no azul.

Recentemente, vocês divulgaram resultados do primeiro trimestre de 2017 que surpreenderam os analistas de mercado [a receita líquida subiu 24%; o faturamento do e-commerce, 56%; e o EBITDA, 42%, o maior da história, em comparação ao mesmo período do ano passado]. A transição para se tomar uma plataforma digital está dando certo?

Acredito que sim. A ideia é mesmo se aproximar daquilo que é usualmente feito por startups. Uma coisa que aprendi com a consultoria McKinsey é que o sucessor deve chegar com um mandato próprio, um objetivo, um grande projeto para imprimir a sua marca. Ao assumir a presidência, apresentei um plano estratégico aos diretores e ao conselho de administração. Ele foi homologado e é meu guia. O lema é transformar o Magazine Luiza numa empresa de plataforma digital, com pontos de venda físicos e calor humano.

A exemplo de outros grandes e-commerces, o Magazine Luiza passou a investir em marketplaces [em que a companhia oferta para outras empresas de menor visibilidade a chance de expor seus produtos nas suas vitrines virtuais]. O mercado todo caminha para esse modelo?

Sim. Estamos diante de uma nova transformação digital, em que as grandes empresas devem se tomar plataformas sobre as quais orbitam startups e outras pequenas empresas e até pessoas físicas. Negócios bilionários, como Airbnb, Uber e Alibaba, funcionam sob essa lógica. Para nós, significa conectar pequenos fabricantes e comerciantes à base de 30 milhões de potenciais clientes que acessam nossos canais digitais todos os meses. Enquanto os consumidores ganham mais opções de compra, os empreendedores ganham acesso a eles por meio de nossa plataforma. Para mim, também é um bom negócio. Eu nunca me imaginei vendendo cervejas, fraldas, chocolates e roupas. Mas hoje vendemos via marketplace, modelo que nos ajudou a aumentar a oferta de itens de 40 mil para cerca de 360 mil. Isso é o que faz o Alibaba e o eBay. Vamos também por essa linha. Não posso vender só móveis e eletroeletrônicos. Uma pessoa que compra uma geladeira faz isso apenas uma vez a cada cinco anos.

Você não acha caro para um pequeno lojista ou produtor repassar ao marketplace entre 15% e 20% de comissão sobre as vendas?

Quando o vendedor usa um marketplace, ele está pagando por um pacote de serviços que inclui tecnologia de venda, sistema de pagamentos em parcelas sem Juros, ferramentas antifraude e marketing online para a divulgação dos produtos. Portanto, acho que vale a pena, sim. O marketplace pode servir, por exemplo, de porta de entrada na internet para muitos pequenos comerciantes que precisam ganhar impulso, gerar faturamento e construir sua reputação de marca. Conheço uma loja de peças automotivas, a Connect Parts, que começou vendendo no Mercado Livre e hoje tem o próprio site. Mas não chegaria onde chegou, com a mesma rapidez, sem a ajuda de marketplaces.

Como o marketplace do Magazine Luiza vai se diferenciar dos concorrentes?

Estamos desenvolvendo várias iniciativas. Uma delas é colocar à disposição dos comerciantes a nossa malha logística e a rede de lojas para fazer a retirada e a entrega das mercadorias que eles vendem. É um projeto inédito no Brasil, já em estudos, e que será lançado até o ano que vem.

Além da integração online e offline e do marketplace, a que se deve o desempenho da empresa no mundo digital?

Nós fazemos investimentos constantes e não desistimos no meio do caminho. Já vi muitas empresas fazendo movimentos esquizofrênicos. Num determinado ano, elas jogam um caminhão de dinheiro em inovação. No ano seguinte, com as contas apertadas, cortam a maior parte da verba. Em 2014, a gente montou o Luizalabs, um centro de inovação que cria tecnologias para a empresa toda. Recentemente, essa unidade desenvolveu um aplicativo muito fácil de usar, focado na experiência do consumidor. O app, sozinho, responde por mais de 20% das vendas online. Também estamos automatizando os pontos físicos. Os vendedores de 180 lojas receberam smartphones para ajudar nas vendas. Eles têm acesso ao perfil dos clientes que já compram pelo site, algo que pode ser consultado com o CPF. Com esse perfil na tela, o vendedor consegue ver quais produtos foram pesquisados em casa e o que foi comprado. O tempo médio para finalizar uma venda na loja física caiu de 45 para quatro minutos.

Um dos riscos ao inovar numa empresa tradicional é perder as características e os valores que a trouxeram até aqui. Quais são os pilares que você fez questão de manter ?

A inovação sempre esteve presente no DNA da companhia. Quando minha tia estava à frente da empresa, chamada de A Cris- taleira, fez um concurso para que os próprios clientes pudessem escolher um novo nome para a loja. Foi uma espécie de crowd-sourcing na década de 1970. Minha mãe criou as primeiras lojas físicas do Brasil sem estoque, ainda em 1992. Eram pontos de venda equipados com computadores para que os clientes que não tinham internet em casa pudessem fazer os pedidos no e-commerce. Outro pilar mantido é o foco em pessoas. Estamos há 19 anos no ranking da Great Place to Work entre as dez melhores empresas para se trabalhar. A cada ano, a nota aumenta um pouquinho. Uma preocupação nossa sempre foi contagiar a equipe para que todos estejam pensando, inovando e se movimentando, independentemente do cargo.

Como foi o processo de transição para que você assumisse o cargo de presidente? Havia outros profissionais concorrendo pela mesma posição?

Foi um processo orgânico e sem tantas regras. Para falar a verdade, não havia outros candidatos. Para qualquer empresa, familiar ou não, as chances de uma sucessão ser bem-sucedida são maiores quando há gente dentro de casa preparada. Não é só minha opinião. A literatura de negócios diz isso. Eu estou no Magazine Luiza há 17 anos. Não pulei etapas porque sou filho do dono. Tive tempo suficiente e oportunidade para me provar dentro de um projeto que tem 0 meu DNA. Para minha felicidade, esse é o projeto que vai definir o futuro da empresa. O e-commerce saiu do zero e hoje representa 30% do nosso faturamento. Em poucos anos, deve alcançar 50%. Também carrego uma característica importante para um negócio como 0 nosso: a experiência em varejo físico e online [entre 2008 e 2016, Frederico acumulou a direção das duas frentes de negócios]. Ainda é difícil encontrar no mercado profissionais que transitam com facilidade entre esses dois mundos. A escolha do meu nome foi natural.

Há regras para a contratação de parentes no negócio?

A única proibição que vale para todo mundo, em todos os níveis, é a contratação do cônjuge. Minha mulher, por exemplo, não pode trabalhar aqui. No caso de familiares dos sócios, não há outra regra que não seja a própria competência e a entrega de resultados. Hoje em dia, só há duas pessoas da terceira geração aqui: eu e meu primo Fabrício Garcia [vice-presidente de lojas físicas]. Para uma companhia com 25 diretorias e 20 mil funcionários, é pouco. Já tivemos mais parentes. A maioria não entregou resultados e saiu, ou não cresceu a ponto de alcançar cargos de liderança. [Quando assumiu o comando, em 1991, Luiza Helena substituiu as vagas de vários parentes por profissionais de mercado].

A Luiza Helena ainda está presente na operação?

Minha mãe continua superenvolvida. Hoje, ocupa o cargo de presidente do conselho de administração. Todos os conselheiros são muito atuantes no sentido de ajudar a diretoria a implementar as decisões. Eles não ficam só opinando, sentados na cadeira. No conselho, há quatro comitês: pessoas, estratégia, finanças e auditoria e risco. Minha mãe fica mais envolvida com o comitê de pessoas, que ela adora. Além disso, a diretoria do SAC [serviço de atendimento ao cliente] está ligada diretamente a ela. O que pode ser mais valioso para um empreendedor do que conhecer intimamente seus compradores? Ela é a primeira a puxar a orelha dos funcionários quando algum cliente é mal atendido.

Em 2012, sua mãe chegou a ser sondada para ser ministra do governo Dilma Roussef. Qual a sua opinião sobre o relacionamento entre empresas e governo?

Acredito que a maneira mais correta e transparente para uma empresa se posicionar perante o governo é por meio de associações e sindicatos que representam a categoria. De outra forma, pode parecer que há algum favorecimento particular. A gente faz o diálogo via IDV [Instituto para Desenvolvimento do Varejo], que já conseguiu excelentes conquistas para 0 setor. Quando minha mãe participou do governo, isso aconteceu por meio de institutos e conselhos.

Como você analisa as crises econômica e política que atravessamos hoje no Brasil?

A pior fase da crise econômica já passou. Não posso negar que só deixou de piorar. Pode melhorar com mais rapidez se as reformas trabalhistas e da previdência forem aprovadas. A crise política, porém, ainda vai durar mais tempo. Acho ótimo que quem precisa ser preso está sendo preso. Quem precisa ser condenado, está sendo condenado. É doloroso, mas devemos cortar o mal pela raiz. As pessoas precisam ter medo de fazer a coisa errada. Sou otimista e acredito que, com isso, teremos uma sociedade mais ética e mais madura.

Como você enxerga a companhia daqui a dez anos? Qual legado pretende deixar?

O meu sonho é conduzir uma transformação digital completa no negócio. Isso passa por educar nossos funcionários e até mesmo os clientes. A gente ensina o vendedor a postar nas redes sociais, por exemplo, a criar uma campanha online e a mexer no celular. Há alguns anos, criamos a personagem Lu, que interage com os visitantes do nosso site e ajuda a desmistificar o uso da tecnologia. Nossos clientes aprendem com ela a diferenciar os recursos entre as marcas concorrentes e a configurar os aparelhos. Hoje, as tecnologias são criadas para serem simples. Não há desculpa para não usar.

Fonte: Pequenas empresas, grandes negócios

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