Longevidade, vida pós 60
Todas as épocas tiveram suas expressões, seus rótulos para conceituar um comportamento, tipo de pessoa, aparência e até mesmo idade. Muitos deles, derivados de obras literárias, inspiraram adjetivos, até hoje utilizados. É o caso da expressão “balzaquiana”, criada e popularizada na língua portuguesa, para designar a mulher madura de 30 anos. No caso, a inspiração é Julie d’Aiglemont, a figura central do livro “A mulher de 30 anos” de Honoré de Balsac, que refém de um casamento infeliz, e atravessando a “crise de meia-idade” se apaixona e ousa viver a paixão.
Balsac foi um dos primeiros autores que deu espaço ao protagonismo da mulher madura, prolongando o tempo físico da sua vida amorosa. À época, primeira metade do século XIX, a sociedade francesa viu-se surpreendida por uma mulher, fora do padrão de idade, apaixonada, visto que até então apenas jovens de 20 anos (e muitas vezes menos) tinham lugar nas tramas de amor, literárias ou literais.
Nos idos de 1940 e 50 o termo popular “coroa”, sem data de nascimento e de pai desconhecido, veio designar homens e mulheres de “meia-idade,” os com mais de 40 anos. Entre a garotada, era usado para “alguém mais velho”, ainda que nada elogiosamente. Mais adiante, propaganda de refrigerante, sucesso dos anos 80 em que uma adolescente chama o quarentão no elevador de “tiozão”, serviu para colocar a palavra no dicionário.
Os movimentos feministas e a conquista da liberdade sexual feminina na década de 60 trouxeram muitas transformações sociais e mudanças de costumes para as mulheres, a cada dia mais independentes a partir do ingresso no mercado de trabalho e da conquista de direitos até então reservados aos homens.
O que fazemos com nossos corpos e mentes (ainda) sofre uma enorme influência da cultura familiar, das mudanças de hábitos e costumes nessa nossa sociedade que, ainda assim, tende a se renovar a cada década. As conquistas femininas, influenciadas pela soma desses fatores, tem se destacado na procura e ocupação de postos no trabalho e na política, até então ambientes com presença quase totalmente masculina.
Paralelamente, hoje, a geração de mulheres que lideraram essas conquistas vivencia os bônus e ônus da longevidade ao lidar, não só com os impactos do tempo no seu corpo e na sua saúde, mas, também, os impactos na sua carreira profissional. Se no início do século XX a expectativa média de vida não alcançava nem os 35 anos, no fim do século mulheres de 50+ anos seguiam ativas, galgando promoções, ocupando as mais variadas funções no mundo do trabalho e da vida pública. E é por esta época que começa a se mostrar mais clara aplicação dos critérios de etarismo, a discriminação pela idade, a substituição de funcionárias veteranas por profissionais mais jovens, e dentro desse caminho a difícil recolocação das pessoas dispensadas.
Tema de filmes e seriados, casos na família e com amigas, disfarçada ou acintosamente utilizado, o etarismo não é novidade. Direcionado a ambos os gêneros, historicamente, também incide mais intensa e cruelmente nas mulheres. A expectativa de jovialidade na aparência e na certidão de idade feminina ainda prevalece. Reinventando-se a cada dia, quer seja com a assunção de atividades tangentes às de sua profissão inicial ou saindo para funções e mercados totalmente diversos, as babyboomers e suas filhas, saem de sua área de conforto em busca de maior satisfação pessoal ou mesmo pela necessidade financeira em tempos, para muitas, de terra arrasada pós-covid.
O fato é estatístico e notório. As mulheres vivem mais que os homens. A expectativa de vida para as mulheres, no Brasil, em 2023 era de 79,7 anos enquanto a dos homens era de 73,1 anos, o que as coloca não somente na situação de solidão na última década de vida como, imediatamente antes, de cuidadora de pais e companheiros longevos.
A realidade é que, se a expectativa de vida mais que duplicou ao longo de um século, o mesmo não ocorreu com a qualidade e a disponibilidade dos cuidados nos seus últimos anos. A responsabilidade, o ônus e o atendimento continuam com a família dos idosos, e aí leia-se, na grande maioria das vezes, com as mulheres. Pensões e aposentadorias de valores irreais para enfrentar as despesas básicas com remédios, planos de saúde, médicos e terapeutas, cuidadoras profissionais (também aí as mulheres são maioria), tornam mais difícil ainda uma situação para a qual, somente políticas públicas efetivas e o desenvolvimento de uma forte rede de apoio social com financiamento público, podem trazer uma resposta.
O número de pessoas idosas no Brasil, isto é, com 60 ou mais anos, duplicou nas últimas DUAS décadas, correspondendo agora, a 15,8% da população. Do total de 32.113.490 de pessoas idosas, 55,7% são mulheres, sendo que a taxa de fecundidade, em longa curva descendente, caiu de 6,4 filhos em 1940 para 1,7 filhos em 2020, insuficiente para a reposição da população, criando uma equação perversa.
Indiscutivelmente, a longevidade é um ganho valioso, e todos queremos viver mais. Entretanto, há que se considerar que o problema crucial da qualidade e suporte para os últimos anos de vida, ainda não se encontra minimamente resolvido. A educação financeira da parte da população que pode guardar para prover seu final de vida, os cuidados preventivos com a saúde, alguns produtos securitários e financeiros dirigidos ao final da vida laboral estão longe de atingir o suficiente para a garantia de um final de vida independente e digno. Fora isso tudo, a medicina também não tem respostas, além das paliativas e caras, para essa fase.
Para novos problemas, novas soluções, mas, sobretudo, para aqueles que se arrastam e parecem insolúveis que venham ações de várias áreas para que se complementem e como a ESG somem todos os pontos a serem cobertos. As inovações tecnológicas parecem ser uma luz no final do túnel, mas para tanto deverão ser vencidas questões de financiamento e que terão que estar, prioritariamente, na agenda das políticas públicas de saúde.
Neste ano que se inicia, sigo cheia de esperança de viver muito e, bem cuidada, se um dia precisar … Feliz 2025!!!
Honoré de Balsac (1799/1850) escritor francês, autor da Comédia Humana – em que figura a personagem da Marquesa Julie d’Aiglemont, figura central de “A mulher de 30 anos”.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE 2024.
IBGE 2024.
Censo Demográfico 2022 – IBGE.
Indivíduos com mais de 60 anos frente a população total de brasileiros: 8,8% de mulheres (17.887.737) e 7% de homens (14.225.753).

Gloria Faria
Gloria é Conselheira Consultiva da Sou Segura, Formada em Direito e com especialização em Direito Previdenciário pela UERJ, mestrado latu senso em Direito Empresarial pela UCAM, IAG Master em seguros pela PUC Rio, membro do Conselho da AIDA Brasil período 2018/2020, presidente do GNT de Novas Tecnologias da AIDA Brasil, organizadora da Revista Jurídica de Seguros da CNseg e Sócia do Escritório Motta & Faria Advocacia.