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Há espaço para queda de juros sustentável

No centro de uma onda de críticas de que estaria errando a mão e atrapalhando a retomada do crescimento da economia, o presidente do Banco Central (BC), llan Goldfajn, afirma e reafirma que a instituição é sensível, sim, ao nível da atividade na hora de definir as taxas de juros. Foi nessa tecla que ele fez questão de bater repetidas vezes durante entrevista ao GLOBO. Sereno e se dizendo plenamente tranquilo em relação aos resultados da estratégia adotada, llan afirmou que não sente as pressões políticas e, em tom de brincadeira, disse que o BC é criticado por fazer bem seu trabalho, citando o recuo expressivo da inflação.

• O BC é alvo de críticas para que faça uma redução mais rápida dos juros. Como o senhor lida com essa pressão, que vem muito da ala política do governo?

Não vejo essas pressões existindo, não. O que tem são preocupações da sociedade com crescimento. Isso é natural dentro do contexto de atividade fraca.

• O governo achava que a retomada viria mais rapidamente. O diagnóstico estava otimista demais?

Tivemos um período muito longo de excessos. Estamos hoje no período de ajuste da economia, em que todo mundo está tentando se adequar a uma nova realidade. O setor público está tentando colocar suas contas em ordem. No setor privado, estamos vendo um processo de pagamento de dívidas. Todo mundo achava que já no segundo trimestre ia terminar, e se alongou um pouco mais. É difícil saber quando esse processo termina.

• O que se pode fazer para acelerar a retomada?

Temos que perseverar nos ajustes e nas reformas. Trabalhar para que não se volte aos problemas do passado. Eu tenho dito que o BC é parte da solução. Não é parte do problema. As expectativas de inflação já estão ancoradas. Caíram muito para 2017, o que permite ter uma redução de juros sustentável.

• Então, o senhor acredita que as críticas vão se diluir com o tempo?

Tem vários tipos de críticas. Há discussões de calibragem da política monetária. Se você tem de cortar 0,25 ou 0,5 ponto percentual. Do outro lado, tem uma discussão do nível da taxa de juros estruturais do Brasil. As taxas são altas há 30,40 anos. E há uma certa angústia de querer ver esse nível estrutural dos juros, que não é de hoje, cair. Essa é uma outra discussão que você só resolve com reformas e com mudança de médio e longo prazos.

• O senhor disse que o BC tem medidas que serão detalhadas nesta semana. São ações para estimular o PIB?

Não é uma agenda para o crescimento de curto prazo. São medidas para melhorar a economia do lado do sistema financeiro. Os pilares são cidadania financeira, questões legais do BC, melhorar a eficiência e reduzir o custo de crédito. Esse último já teve antepassados. lá foi chamado de projeto de spread. Mas a gente não vai chamar assim. Vamos chamar de custo de crédito no Brasil. Quanto custa para o cidadão no final das contas. São medidas que vão reduzir o custo de crédito

• Haverá redução dos compulsórios?

No momento, eu não vejo como útil colocar mais liquidez no sistema. Ele está líquido. O que acontece é que não há desejo de tomar empréstimo, porque não estão investindo e não há desejo de investir porque há risco. Temos que nos concentrar no principal que é: a inflação está caindo, isso vai dar espaço para a queda dos juros e isso vai ajudar na retomada. O resto não ajuda.

• Mas não seria possível direcionar o compulsório para ajudar na renegociação de dívidas de empresas?

O BNDES já tem uma linha para o refinanciamento. Isso já está acontecendo. Acho isso uma boa ideia. Eu me refiro a colocar mais liquidez ainda. Quando você fala em direcionamento eu me lembro daquele período de intervencionismo. A gente já fez isso e não deu certo. A gente tem que saber como avançar sem que as nossas angústias levem a erros do passado. O que ajuda é avançar nas reformas, que reduzem risco. Sob o ponto de vista do BC, é preciso quebrar a espinha da inflação para poder ter espaço para reduzir os juros.

• Essa é a premissa? Nada pode ser feito antes de quebrar essa espinha?

Eu não quero passar a imagem que a gente não é sensível à atividade. Quando você coloca que tudo passa pela inflação, fica parecendo que a gente não está sensível. Se o custo for elevado, a gente leva em consideração. A premissa está certa, mas eu não estou querendo passar a impressão de que é a qualquer custo.

• As expectativas já estão ancoradas?

Quando as expectativas estão ancoradas, isso significa que as pessoas, quando pensam no futuro, estão achando que a inflação é 4,5%, que é a meta. Em 2019, acham que é 4,5%. Nos últimos anos, as expectativas não tinham chegado a esse valor. Para 2017, as expectativas baixaram muito e estão em torno de 5%. A gente interpreta isso como uma ancoragem que nos permite a flexibilização.

• Poderia haver mudança em relação à atuação do BC? Combinar a meta de inflação com meta de crescimento?

Dá para ser como em qualquer outro lugar do mundo. Com o regime de metas de inflação e com um Banco Central sensível à atividade. Quando a gente diz que objetivo é inflação, isso não quer dizer que o Banco Central não leve em consideração a atividade. Mesmo o Banco Central americano, o Eed (Federal Reserve) tem duplo mandato e leva em consideração o custo de atividade.

• Entre os pilares do BC está a autonomia. O senhor vai mandar o projeto ao Congresso?

As reformas que ganharam prioridade foram a do teto dos gastos e da Previdência. A questão da autonomia está disputando espaço entre as próximas reformas. Basicamente, o que ela faz é dar autonomia para o Banco Central usar os instrumentos para chegar à meta estabelecida pelo governo.

• Então o senhor está colocando a autonomia operacional que já tem hoje no papel? Nada mais que isso?

A princípio é isso. Isso envolve autonomia financeira e orçamentária e tem algumas questões que têm que ser discutidas, como ter um controle total do seu orçamento. Isso ainda está em discussão. Eu não vou entrar em detalhes.

• Essa agenda não teria condição de andar paralelamente? Ela não compete com o ajuste fiscal.

Compete por espaço político. Você precisa de um espaço para conseguir convencer, discutir, reunir. Isso leva tempo.

• Por que não colocar mandatos para os integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom)?

Quando eu vim para o governo, o combinado foi manter o status de ministro. Ficar até a aprovação da lei (de autonomia). E, nessa conversa, a questão do mandato não foi prometida. Isso não significa que eu não considere importante. Mandatos são relevantes para você ajudar na questão da autonomia.

• Qual é o principal risco de 2017?

Em termos de crescimento, o principal risco é demorar um pouco mais. É o que está acontecendo agora. Se vai um trimestre a mais ou um trimestre a menos. A percepção que eu tenho nessas últimas duas semanas é que tem muita angústia em relação a isso. Então, um trimestre a mais e um trimestre a menos, em termos de retomada, mexe com essa angústia.

• A retomada começa quando?

Eu acho que o quarto trimestre vai ser de estabilização. E que, a partir de 2017, já começa. Mas, repito, é uma incerteza grande.

Fonte: O Globo

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