EUA buscam trouxas para oferta da AIG
Se o leitor examinar as notas explicativas do mais recente balanço da AIG verá uma longa análise sobre a possibilidade de a empresa usar os prejuízos passados para compensar suas futuras obrigações para com o imposto de renda. Em essência: os executivos da AIG contemplaram sua bola de cristal e concluíram que as perspectivas para a empresa não parecem boas.
Essa perspectiva preocupante pode ajudar a explicar por que os Departamento do Tesouro dos EUA parece tão ansioso para começar a reduzir sua participação de 92% na companhia de seguros que foi salva de um colapso, após uma queda de 36% no preço das ações da AIG neste ano.
Os detalhes que precisam ser observados têm a ver com um item conhecido como “ativos tributários diferidos”. Normalmente, eles consistem de prejuízos e despesas de exercícios anteriores e que podem ser deduzidos do imposto a pagar. As companhias podem usá-los para reduzir seu montante futuro de impostos a recolher.
Conforme as normas contábeis dos EUA, esses créditos fiscais são importantes apenas para as empresas que são lucrativas e pagam imposto de renda. Se uma empresa não tem expectativas de utilização plena desses ativos, é obrigada a registrar uma provisão temporária sobre os valores, que pode ser revertida no futuro.
No caso da AIG, a empresa criou uma provisão total contra seus ativos tributários diferidos. A AIG disse que assim procedeu com base em conclusão de sua administração segundo a qual os ativos ” muito provavelmente” não serão utilizados. Raramente indicadores prospectivos são mais pessimistas que isso.
Os números são os seguintes: a AIG disse ter ativos tributários diferidos de US$ 24,5 bilhões em 31 de dezembro. Com a provisão, que foi de US$ 25,8 bilhões, a AIG encerrou o ano passado com um passivo líquido de imposto diferido igual a US$ 1,3 bilhão – na realidade, uma obrigação tributária futura.
Em outras palavras, a isenção mais do que zerou os ativos líquidos. Não foi assim um ano antes. No fim de 2009, a AIG revelou ativos tributários líquidos diferidos de US$ 5,9 bilhões, já descontando as provisões. A AIG não divulgou o valor de seus ativos tributários em 31 de março, e um porta-voz da empresa, Mark Herr, não revela esse montante.
As notas explicativas mostram também uma análise de possível aproveitamento dos créditos fiscais. Por exemplo, em dezembro, a AIG revelou ter US$ 11,3 bilhões em ativos tributários diferidos que expirarão entre 2028 e 2030. A companhia necessitaria de US$ 32,3 bilhões de lucro tributável durante 20 anos para colher integralmente esse benefício, assumindo uma alíquota tributária de 35%. A AIG conclui que provavelmente não aproveitará nada desse benefício fiscal.
“Deduz-se que existem importantes incertezas sobre a lucratividade futura”, diz Charles Mulford, professor de contabilidade no Georgia Institute of Technology, em Atlanta, que analisou os dados divulgados pela AIG a meu pedido. “Isso deve fazer os investidores parar para pensar.”
Uma provisão integral é algo que normalmente vemos nos casos apenas de empresas em enormes dificuldades. Durante a década passada, a Delta Air Lines, a Bethlehem Steel e a General Motors, entre outras, todas fizeram grandes provisões contra créditos fiscais diferidis – antes de pedir concordata. Outras empresas, como o Citigroup, têm atraído críticas por terem assumido uma abordagem oposta: mesmo quando à beira de um colapso, ainda não havia registrado nennhuma provisão do tipo.
Executivos da AIG vêm, recentemente, “vendendo” os ativos tributários diferidos como sendo uma coisa boa. Afinal de contas, a companhia está tentando realizar uma grande venda de ações.
Durante uma teleconferência com investidores em 6 de maio, Robert Benmosche, CEO da AIG, referiu-se aos impostos diferidos da empresa como uma “fonte de recursos” que a companhia poderia, num futuro, usar para recomprar ações. David Herzog, diretor financeiro da AIG, referiu-se aos ativos tributários da empresa como “muito valiosos”. Numa apresentação com slides para investidores, neste mês, a AIG disse ter “substanciais ativos tributários diferidos disponíveis para compensar obrigações tributárias futuras”.
Mas para que esses ativos sejam valiosos, a AIG necessitará uma oportunidade para usá-los. No entanto, é provável que a companhia não terá condições de fazê-lo, se acreditarmos no que a companhia declarou em seu relatório anual.
Essa posição não mudou. No prospecto que registrou em 11 de maio tendo em vista sua oferta de ações, a AIG disse que ainda mantém, em seu balanço, uma provisão integral referente a sua isenção tributária diferida.
É razoável supor que as premissas da AIG possam revelar-se demasiado conservadoras, refletindo um excesso de cautela. Nesse caso, parte da provisão poderia ser revertida futuramente, melhorando o lucro líquido. Devemos, provavelmente, porém, assumir como fiéis as afirmativas da administração, de que a provisão integral é necessária. Esse não é o tipo de postura que uma empresa adotaria, a menos que tivesse de fazê-lo.
Neste mês, a AIG e o Departamento do Tesouro dos EUA disseram estar planejando oferecer 300 milhões de ações ordinárias ao público, dois terços das quais viriam do governo. A maioria das empresas que devolveram dinheiro de ajuda provenientes do contribuinte, como o J.P. Morgan e o Bank of America, o fizeram em dinheiro. A AIG não.
A AIG devolveu US$ 47,5 bilhões que o Tesouro injetou na companhia mediante a conversão de sua participação em ações ordinárias. Essas ações valiam cerca de US$ 51 bilhões, com base na cotação da semana passada.
Seria lógico que a AIG reembolsasse o Tesouro em dinheiro se tivesse os recursos para tanto. O fato de seus executivos, ao menos para efeitos contábeis, terem sustentado aquelas perspectivas tão sombrias para a seguradora apenas reforça a noção de que a AIG continua a ser uma empresa insalubre. Para quem estiver agora querendo comprar ações da AIG, é bom que saibam alguma coisa que a administração não saiba.
Fonte: Valor