Em busca de ajustes às novas regras
Depois da ampliação do prazo das aplicações, o setor negocia maior limite para renda variável – Cerca de 12 milhões de brasileiros deixam suas economias nas mãos dos gestores dos fundos de previdência privada aberta. Em 2012, a carteira de investimentos desta indústria chegou a R$ 338,6 bilhões, incluindo tanto os planos do tipo PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre), como outros que já não são mais comercializados. No ano passado, a arrecadação bruta em planos abertos cresceu 31,54% em relação a 2011, totalizando RS 70,4 bilhões. Trata-se da maior taxa de expansão desde 2003, quando o volume de depósitos cresceu 55,05% em relação a 2002.
Todo desempenho que o espelho retrovisor aponta em relação ao mercado de previdência complementar, ganha novos contornos quando se olha para o futuro. Os próximos anos exigirão grande investimento em educação financeira e inovação, bem como pessoas treinadas para oferecer produtos cuja venda depende de algum tipo de consultoria, dada a diversificação que tende a surgir no cenário atual de juros baixos. “Agora será preciso correr risco para buscar uma rentabilidade mais atraente”, afirma Osvaldo do Nascimento, presidente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi).
Em janeiro, o Conselho Monetário Nacional (CMN) divulgou a Resolução 4.176. Ela diz que o prazo médio dos ativos das carteiras deve ser no mínimo de cinco anos, enquanto a repactuação, ou, no jargão do setor, a “duration”, terá que ficar em pelo menos três anos. Em outras palavras, os gestores dos fundos terão de garimpar ativos de longo prazo, estimular empresas a aprimorar a governança corporativa e assim colocar no mercado papéis com potencial de proporcionar uma rentabilidade que fique acima do juro real.
A regulamentação foi bem recebida pelos executivos do mercado. “Faz todo sentido trabalhar com uma duração maior nos ativos, tendo em vista que é um produto de longo prazo. O grande desafio é comunicar bem aos clientes”, diz Alfredo Lalia, diretor da HSBC Seguros. Acostumado ao ganho certo, sem risco, o brasileiro terá agora que enfrentar a volatilidade do mercado. “E um ano desafiador para todos”, acrescenta Renato Terzi, vice-presidente da área de pessoas e previdência da SulAmérica.
As novas regras introduzidas pela CVM estabelecem prazo até 2015 para que as carteiras dos fundos de previdência se ajustem. “Por isso, estamos trabalhando com cautela, sem realizar movimentos que possam trazer alguma volatilidade não planejada”, afirma Cláudio Pires, superintendente financeiro da Mongeral Aegon.
Além da ampliação do prazo médio das carteiras de renda fixa dos fundos, contemplada pela Resolução 4.176, o setor atua em outra frente de negociação com a Superintendência de Seguros Privados (Susep). Osvaldo Nascimento explica que o pleito agora é a alteração dos limites máximos para investimento em papéis de renda variável.
O objetivo é conseguir que os fundos de previdência possam aplicar até 100% dos recursos em ações – hoje o limite máximo é de 49%. As regras atuais estabelecem limites também para aplicações em imóveis (8%), fundos imobiliários (1 0%), além de não permitir a concentração em um único ativo. Há restrições ainda para investir em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e fundos de direitos creditórios.
Uma das propostas para flexibilizar essas regras, neste processo de transição, é a de adotar para os fundos de previdência com renda variável a figura do investidor qualificado – aquele que possui, no mínimo, R$ 300 mil em aplicações no mercado financeiro.
Enquanto o mercado aguarda por novas regras, o desempenho dos fundos sofre com o cenário econômico. O consultor especialista em previdência da Crowe Horwath Brasil, Marcelo Rea, observa que os fundos com maiores destaques em 2012 foram os indexados à inflação, ou seja, compostos, no mínimo, dc 95% por títulos atrelados à inflação.
Estes fundos foram beneficiados devido à queda da taxa de juros e aumento da inflação. No entanto, apresentam neste ano resultados inferiores ao do CDI que apresentou alta de 0,54% em março. Perdem também para a inflação medida pelo IPCA, que avançou 0,47% no período.
“Este foi um início de ano complicado”, diz Sérgio Prates Nogueira, superintendente comercial de previdência da Icatu Seguros. Ele acredita que esse período de estresse com a alta volatilidade serviu para o cliente se perguntar se ele está no produto certo ou não.
Ao notar a rentabilidade minguada e, em alguns casos, negativa, clientes passaram a buscar mais informações. A portabilidade é a principal arma dos clientes para pressionar as seguradoras a rever taxas de gestão e de carregamento.
É o que vem acontecendo. Para compensar o menor rendimento com juros, várias empresas derrubaram a taxa e praticamente eliminaram a de carregamento na entrada. Em 2012, apenas 0,5% dos clientes fizeram a portabilidade dos fundos entre instituições, o que representou 1,75% do volume total.
Para Jair Lacerda, diretor da Bradesco Vida e Previdência, a baixa rentabilidade em alguns fundos do setor no primeiro trimestre é uma questão de ajuste. “E preciso entender que acabou o tempo de ganho fácil, de elevada rentabilidade, baixo risco e alta liquidez”, diz. Marcelo Picanço, diretor de relações com investidores da Porto Seguro, garante que as mudanças trazem dinamismo a um setor até então marcado pela mesmice. “Vamos ter mais diversificação e logo será percebida a diferenciação entre os gestores”, afirma.
Tanto quanto educar os participantes do mercado, é preciso que a economia se ajuste para que os investimentos com mais risco voltem a ser atrativos e tenham procura. “A tendência é de que a taxa de juros se mantenha em níveis baixos e a bolsa retome seu crescimento”, acredita Lacerda, do Bradesco.
Há um consenso de que é preciso evoluir com as ofertas de renda fixa. “Temos um grande potencial para desenvolver fundos que envolvam projetos de infraestrutura, títulos privados. Para isso, é preciso incentivar a governança nas empresas. Sem transparência necessária, somos impedidos de alocar recursos de terceiros”, alerta.
Quando uma empresa de previdência decide investir em um papel, ela responde pela gestão do ativo de terceiros. E transparência e rentabilidade são pontos básicos. “As empresas brasileiras estão atentas a isso e já deram um passo significativo em governança corporativa para atrair o interesse dos investidores”, afirma Gustavo Lendimuth superintendente de produtos de previdência do Santander.
Neste cenário, as seguradoras independentes acreditam que podem levar vantagem. Júlio Medina, superintendente de investimentos da MctLife, diz que o grande banco tem facilidade de vender porque tem o canal bancário. “As especialistas tem consultores bem treinados. Está no nosso DNA a gestão de riscos e, como somos especializados, não há disputa com outros produtos bancários”, diz.
A Zurich Vida e Previdência também aposta nos consultores especializados para criar soluções sob medida para o mundo corporativo de pequenas e médias empresas. “Não nos preocupa ainda oferecer muitas opções de investimentos, pois o consumidor ainda tende a ficar em renda fixa”, acredita Maurício Amaral, vice-presidente de vida e previdência corporativa.
Rogério Araújo, sócio da holding Brasil Insurance, tem rodado o Brasil para incentivar os corretores do grupo que vendem apenas seguro de carro a também comercializarem fundos de previdência. Segundo ele, é muito fácil encontrar clientes com aplicações desatualizadas, com taxas elevadas e ativos aplicados em papéis com rendimento negativo. “Basta fazer uma análise rápida para conquistar o cliente com sugestões simples”, afirma o consultor.
Segundo Sandro Bonfim, superintendente da Brasilprev, com a melhora da renda da classe C, o teto do INSS ficou distante também das necessidades da classe emergente. “Por isso, temos no portfolio planos com tíquetes mensais menores”, diz. Boa parte do público a ser atendido é formada por mulheres que ingressaram no mercado de trabalho. “A grande preocupação delas é com a educação dos filhos.”
Dados da Fenaprevi mostram que as mulheres já respondem por 47% dos participantes. Praticamente todas as companhias afirmam estar desenvolvendo produtos específicos com serviços para o público feminino. “Lançaremos muitas novidades ainda neste ano para atender a esse segmento, com produtos e comunicação simplificados, de forma a disseminar a cultura previdenciária”, diz Rosana Techima, diretora da Caixa Previdência.
Algumas empresas, para facilitar a vida dos clientes, lançaram fundos desenhados de acordo com a fase de vida de cada investidor. Começa com um mix de aplicação em ativos de maior risco e ao longo do tempo vai se tornando mais conservador. A BrasilPrev foi pioneira na oferta deste tipo de fundo no país, em 2007, e hoje responde por 85% do patrimônio total deles no mercado nacional.
A Icatu Seguros também aposta que esse nicho de fundos pode ter um forte incremento neste ano. Atualmente, o crescimento desse tipo de plano tem sido progressivo, mas há um grande potencial a ser explorado, principalmente agora que o investidor precisa assumir mais riscos para alcançar rentabilidade. Em 2012, a captação nesse segmento cresceu 65% em relação ao anterior na Icatu.
Para Eunice Lima, consultora para previdência da AON Risk Service, há uma forte demanda das empresas para usar a previdência para atrair e reter talentos. Outra tendência é utilizar os planos de previdência como forma de planejamento sucessório, uma vez que os benefícios mensais são impenhoráveis, não respondendo por quaisquer obrigações ou dívidas. “Da mesma forma, os valores atribuídos aos beneficiários não deverão ser submetidos a inventários e partilhas ou a qualquer imposto sucessório”, explica.
Outro ponto que está no radar da Fenaprevi é aumentar o prazo de 60 dias de carência para saques. Com carência maior, os fundos poderiam investir em diferentes papéis, como títulos privados e ativos de longa maturação sem correr o risco do descasamento de ativos. “Quem quiser liquidez vai ter rendimentos menores. Já quem se planejar para o longo prazo terá mais oportunidades e chances de ganho”, afirma o presidente da entidade.
Fonte: Valor