Mercado de Seguros

Congresso da AIDA discute marco legal dos seguros

Com a presença maciça de advogados e especialistas do setor – calcula-se pouco mais de 500 pessoas lotaram o auditório principal do WTC, em São Paulo, o XVII Congresso Brasileiro de Direito de Seguro e Previdência cumpriu os objetivos de levar temas atuais e palestrantes renomados a uma plateia ávida por informações qualificadas. Realizado nos dias 8 e 9 de abril, os painéis abordaram questões que norteiam o dia a dia dos profissionais do Direito, sobretudo um tema polêmico chamou a atenção: o Marco Legal dos Seguros. O evento é uma iniciativa da AIDA Brasil – Associação Internacional de Direito de Seguros.

Na abertura, após as boas-vindas do presidente da AIDA Brasil, Maria Amélia Saraiva, fizeram uso da palavra o superintendente da Susep, Alessandro Octaviani, os presidentes Dyogo Oliveira (CNseg), Armando Vergilio (Fenacor), Rogério Vergara (ANSP), Sergio Ruy Barroso de Mello (Conselho Deliberativo da AIDA Brasil) e Gaya Schneider (presidente da Comissão Nacional de Direito Securitário da OAB) e a vice-presidente da Fenaber, Rafaela Barreda. Todos enalteceram o evento e seus temas palpitantes, como o novo Contrato de Seguros, e cada qual fez uma análise específica sobre o atual momento de transformação do setor.

O presidente da CNseg destacou a importância da recém-sancionada Lei 15.040 (o Novo Marco Legal dos Seguros), lembrando que o setor descortina grandes oportunidades, mas também enfrente desafios “à altura da magnitude dessa mudança”. Embora haja certas objeções, “ela é construída com respeito aos interesses de todos os envolvidos”. Na visão do superintendente da Susep, a lei é a “maior reforma do setor nos últimos 60 anos, com mais de duas décadas de debates. Em relação ao texto original, segundo ele, o número de emendas ultrapassou a 200”. Na visão de Octaviani, sem uma base regulatória sólida, o mercado não irá prosperar.

Tema de grande importância para o setor, o painel “Marco Legal dos Contratos de Seguro” abriu oficialmente o evento. Sob a mediação Sergio Ruy Barroso de Melo, Ernesto Tzirulnik, presidente do IBDS – Instituto Brasileiro do Direito do Seguro e da Comissão de Direito do Seguro e Resseguro da OAB-SP, a advogada e professora Angélica Carlini e Glauce Carvalhal, diretora jurídica da CNseg, foram os protagonistas.

Elaborado por uma comissão do IBDS, coordenada por Tzirulnik, o Projeto de Lei de Contrato de Seguro, de autoria do então deputado federal José Eduardo Cardozo (PT–SP) foi apresentado na Câmara dos Deputados em 13 de maio de 2014 como PL 3555/2004. Após vinte anos de tramitação no Congresso, foi convertido na Lei 15.040/2024. “Uma das virtudes dessa lei é que fortalece a confiança no mercado”, comentou o advogado.

Tzirulnik comentou alguns aspectos do novo Marco Legal dos Seguros, como o artigo 1º, ao estabelecer que os seguros obrigatórios devem ter valores e conteúdos mínimos para cumprir sua função social, e a regulação de sinistros (artigos 75 a 88), este destacado presidente do IBDS. “A nova legislação especifica a regulação e liquidação de sinistros de forma clara, com prazos bem definidos às seguradoras, e de forma mais transparente”, ressaltou. Tzirulnik lembrou que a Lei 15.040 será aplicada a partir de 11 de dezembro de 2025.

Em seguida, Glauce Carvalhal ofereceu uma visão geral do Contrato de Seguro, com seus 134 artigos. “Essa é uma lei que orbita em todo o sistema jurídico brasileiro”, afirmou. Segundo a diretora da CNseg, A norma compatibiliza o Brasil com o modelo adotado em diversos países, como Itália, França, Portugal, Espanha, Argentina e Chile. Além disso, revoga artigos do Código Civil e os do Decreto-Lei 73/1966.

Glauce destacou vários aspectos do novo Marco Legal de Seguros. A começar pelo Questionário de Avaliação do Risco. “A lei reflete maior importância ao questionário”, comentou. Sobre o prazo de aceitação do contrato, A seguradora terá até 25 dias para mencionar sua recusa ao proponente, independentemente da modalidade de seguro. Sobre a subscrição, a regra atual estabelece que os critérios de subscrição ou aceitação de riscos devem promover a solidariedade e o desenvolvimento econômico e social, sem qualquer tipo de discriminação. “A utilização de critérios comerciais e técnicos de subscrição ou aceitação para distinguir riscos, por si só, não é discriminar, mas, sim, é exercer a atividade seguradora”, esclarece Glauce.

Ao analisar o agravamento do risco, a diretora entende que a culpa grave deve ser equiparada ao dolo. “Deve-se levar em conta a perspectiva constitucional dos princípios econômicos da livre iniciativa e livre concorrência”. Já em termos de regulação e liquidação dos sinistros, em sua análise, se a seguradora não se manifestar em 30 dias, estará sujeito a perder o direito de recusar o processo. Contudo, ressalva: “Não terá início a contagem do prazo de decadência se os elementos para que o segurador cumpra seu dever de regular e liquidar o sinistro não estiverem presentes, razão pela qual o segurador pode recusar o recebimento de documentos incompletos sempre que tenham sido consignados no contrato e não tenham sido apresentados pelo interessado”.

Em sua apresentação, Angélica Carlini fez algumas considerações sobre os contratos civis e empresariais à luz da revisão e atualização do Código Civil (Lei 10.406/2002). “Destacamos aqui a prática da boa-fé empresarial”, ressaltou. Angélica lembrou que a reforma do Código Civil visa reforçar princípios contratuais, a exemplo da boa-fé objetiva, a autonomia da vontade e a função social do contrato. Ao final, a advogada criticou os chamados contratos paritários (as partes estão em igualdade de condições para negociar e fixar as cláusulas contratuais). E questionou: “Será que precisamos deles?” E emenda: “O mundo digital traz novas perspectivas para a interpretação de contratos”. Os contratos digitais surgiram como uma evolução natural dos contratos tradicionais.

Equilíbrio regulatório

Em seguida, o painel “Inovação, Acesso ao Seguro de Pessoas e a Relevância do Equilíbrio Regulatório”, mediado por Thiago Junqueira​, diretor da AIDA Brasil, reuniu Júlia Lins, diretora de Infraestrutura de Mercado e Supervisão de Conduta da Susep, Antonio Rezende, vice-presidente Jurídico da Prudential do Brasil, e José Vicente Mendonça, professor e procurador do Estado do Rio de Janeiro. Inovação e regulação foram abordadas com diferentes visões.

A Lei 15.040 foi o alvo do início das considerações de Julia. Ela explicou que o papel da Susep é de regulação infralegal do novo Contrato de Seguros. “É um processo regulatório complexo”, reconheceu, ao considerar que a lei sofreu muitas mudanças durante a fase anterior de tramitação. “Quais normativas precisam ser criadas? O que será alterado?”, questionou. Segundo Julia, haverá muitos debates internos em relação a cada um dos artigos e uma interação constante entre os setores de regulação e supervisão. Ela revelou também que serão feitas reuniões preliminares com entidades representativas da sociedade para alinhar os entendimentos.

Já Antonio Rezende reconheceu o papel político da Susep. Medidas que imprimem a inovação conseguem aumentar a penetração do seguro para a população. Por outro lado, ressaltou: “O setor de seguros é ultracompetitivo, mas precisa superar o índice de apenas 18% de pessoas com algum tipo de proteção”. E considerou que o setor possui todos os instrumentos necessários para melhorar o índice. Inovação é a palavra-chave.

José Vicente, por sua vez, comentou alguns pontos da Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), que visa reduzir a burocracia e estimular o livre exercício da atividade econômica. Como consequência, desenvolver o seguro. “A LLE estabelece prioridades e viabiliza soluções para o desenho de produtos”, considerou Vicente. De acordo com ele, uma das novidades da lei é a criação da figura do “abuso regulatório”, que ocorre quando a administração pública comete uma infração ao editar uma norma que pode afetar a exploração de determinada atividade econômica. Em sua visão, com o novo Contrato de Seguro, o mercado irá oferecer resposta eficaz às determinações contidas na Lei 13.874/19.

A diretora da Susep mencionou o Sandbox Regulatório como exemplo visível de inovação. Em sua terceira edição, trata-se de um programa que oferece a empresas voltadas à inovação em seguros (as insurtechs) a chance de atuar em um ambiente regulatório experimental, em que a aplicação de determinadas normas e requisitos é mais flexível. “Vamos agora entender o futuro do Sandbox, mediante consulta pública para tomada de subsídios”, adiantou Júlia.

O procurador Vicente concordou com a diretora da Susep, ao mencionar o Sandbox como “inovador”. Mas, na sua opinião, inovar exige prudência nas decisões e o poder público deveria criar um ambiente confortável para que isso aconteça. “Hoje, nós temos espaço para testar novas possibilidades e ressignificar ideias”, disse. Para Rezende, inovação é estar próximo do cliente. Citou o seguro de vida, que oferece coberturas para diferentes perfis de público.

Após este painel, a diretora Jurídica da CNseg, Glauce Carvalhal, foi homenageada com o título de “Personalidade do Ano da AIDA”, em reconhecimento à sua trajetória exemplar, marcada por uma dedicação incansável à comunidade jurídica especializada em direito do seguro. Glauce recebeu uma placa em função de sua atuação firme e consistente na defesa dos pilares do setor.

Resseguro e o impacto na nova lei

“Resseguro e Seguros de Grandes Riscos” foi outro painel que trouxe abordagens diferenciadas à Lei 15.040. Sob a mediação de Carolina Oger​, presidente do Grupo Nacional de Trabalho (GNT) de Resseguro da AIDA Brasil, estiveram presentes Rafaela Barreda, vice-presidente da Fenaber, Katia Puras, consultora jurídica sênior de resseguro Global na Chubb, e Ana Paula Andriolli, risk manager da EuroChem.

Primeira a falar, Rafaela lamentou o fato de que na nova lei grandes riscos e massificados receberam o mesmo tratamento. “Do ponto de vista do resseguro, há uma preocupação quanto a alguns aspectos da lei. Essas mudanças trouxeram incertezas”, disse. Ela mencionou a aceitação tácita, quando a seguradora não comunica formalmente ao segurado a recusa do seguro. O prazo, considerado exíguo, de até 25 dias, pode ocasionar problemas. “O setor está discutindo essa questão”, revelou.

Na avaliação de Katia Puras, de fato, a ausência de diferenciação entre massificados e grandes riscos gerou o primeiro impacto aos olhos dos players internacionais. “Os prazos fixados e os procedimentos não afetam só a regulação, mas a própria operação das resseguradoras. E uma eficiente regulação de sinistros de grande vulto é fundamental”, esclareceu. Para ela, será preciso uma análise minuciosa dos clausulados. As seguradoras vão ter um período muito curto para se adaptarem a partir da nova regulamentação. “Temo que haja um retrocesso”.

Carolina comentou sobre o Questionário de Avaliação de Risco. “Na Resolução CNSP nº 407/2021, esse questionário funcionava muito bem”, afirmou. É uma norma que estabelece as regras para a comercialização de seguros de grandes riscos. “Na ótica do comprador de seguros, a nova lei exige aprofundamento na análise”, alertou Ana Paula. O impacto mais evidente, na sua visão, é ocorrer judicialização dos seguros envolvidos. “Pode haver insegurança jurídica quanto a alguns aspectos dessa lei. Cedentes e investidores estrangeiros precisam saber se estarão nos riscos ou não”, complementou Kátia. Estar no risco significa que a seguradora transfere parte dos riscos de uma apólice para uma resseguradora. Quanto à subscrição, cedentes e resseguradores também estão apreensivos, segundo a consultora jurídica da Chubb, porque são “mundos completamente diferentes” quanto aos princípios que regem suas atividades.

“Os resseguradores internacionais não compreenderam a dinâmica brasileira e como efetivamente acontecerão as mudanças”, ressaltou a vice-presidente da Fenaber. Entre as palestrantes há o temor de que pode não haver liberdade econômica, ou seja, as resseguradoras não conseguiriam colocar 100% dos riscos no país. Os questionários de avaliação propostos são “engessados”, o que acabaria limitando a capacidade do grande risco.

Cláusula de retomada

O último painel do XVII Congresso da AIDA debateu “A Cláusula de Retomada nos Contratos Públicos e Privados”, mediado pelo advogado Luís Felipe Pellon. O time de palestrantes foi composto por Anna Paula Paixão, advogada e gerente jurídica de seguros, Rafael Carvalho Rezende Oliveira, pós-doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e consultor jurídico, e Ricardo Loew, vice-presidente de do GNT de Seguro Garantia da AIDA Brasil.

A cláusula de retomada ou step in permite que a seguradora ou outra parte assuma a execução de um contrato. “A Nova Lei de Licitações (14.133/2021), não previa o step in no seguro garantia”, adiantou Oliveira. A partir da promulgação da lei – explica o consultor – começa a discussão da cláusula em contratos de maior vulto econômico. E qual seria a justificativa para a cláusula de retomada? “Excesso de obras inacabadas no Brasil”, responde. Segundo Oliveira, o cenário piorou nos últimos anos. De 30%, o percentual de obras não concluídas saltou para 40%.

Anna Paixão destacou a importância de instrumentos como a Circular Susep 662/2022, da Susep, e a própria nova Lei de Licitações. “A cláusula de retomada estabelece uma confiança nos contratos. É uma medida essencial para a seleção de empresas comprometidas com o término das obras”, definiu. Na sua visão, as seguradoras não podem oferecer garantias às empresas que não submeterem a essa cláusula. Os empreendimentos, nesse caso, são naturalmente de grande vulto.

Na esfera privada, valem as regras para a área pública, ou seja, o valor mínimo do contrato gira em torno de R$ 200 milhões e percentual de garantia é de 30%. Exceção feita aos Estados de Mato Grosso e Goiás que têm regras próprias. “O seguro garantia com cláusula de retomada é uma ferramenta de conclusão do contrato e não de compensação ou ressarcimento de prejuízos”, alertou Anna. Na sua avaliação, há três desafios da retomada no setor privado: complexidade operacional (gestão de projetos com especificidades técnicas desafiadoras), preparo do mercado (seguradoras têm estrutura para gerenciar e retomar efetivamente os projetos) e cláusula de retomada é a solução? (dificuldade em encontrar empresas qualificadas para projetos específicos).

Para Pellon, esta cláusula é uma chamada ao poder público. “É o Estado pedindo socorro ao mercado segurador”, disse. Na ótica de Ricardo Loew, a Lei 14.133 beneficia a administração pública, ao identificar a matriz de risco nos empreendimentos e como mitigá-los. Na lei, o advogado enfatiza o programa de integridade ao licitante vencedor. Loew defende esse conjunto de ações e procedimentos criados dentro das empresas. O objetivo principal é combater e prevenir corrupção, possíveis fraudes e desvios de finalidades.

Fonte: Editora Roncarati

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