Carro autônomo terá supervisão mais rígida de segurança
Reportagem do Financial Times, reproduzida pelo Valor Online, relata que, até agora, os Estados Unidos têm sido uma terra sem lei para os veículos autônomos. Só a Califórnia abriga 62 empresas que estão testando veículos sem motorista — e algumas delas pretendem ativar frotas comerciais nos próximos dois anos.
A ideia de que a National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA, nas iniciais em inglês), o órgão federal de segurança de tráfego americano, interferiria e dificultaria essa transição foi, em grande medida, descartada. Em vez disso, o NHTSA tem apoiado os esforços, desempenhando um papel reativo que permite que as empresas se “autocertifiquem” de que cumprem os padrões de segurança.
Mas a atitude do NHTSA foi alvo de feroz ataque na terça-feira, quando o órgão investigativo federal National Transportation Safety Board (NTSB, nas iniciais em inglês) realizou uma audiência pública para determinar a causa do acidente fatal ocorrido em março de 2018, quando um Uber autônomo matou uma pedestre que cruzava a rua com uma bicicleta. “Na minha opinião, eles puseram o avanço tecnológico, nesse caso, à frente de poupar vidas”, disse Jennifer Homendy, membro do conselho do NTSB, referindo-se à NHTSA.
Homendy citou exaustivamente as diretrizes públicas da NHTSA, chamadas “Automated Driving Systems, a Vision for Safety” (“Sistemas de Condução Automática, uma Visão em prol da Segurança”), dizendo que elas eram, na verdade, “ridículas” por vezes. “Eles deveriam rebatizá-las de Vision for Lax Safety” (Visão em prol da Segurança Permissiva)”, disse ela. Pessoa envolvida nas audiências disse posteriormente: “Eu sabia que havia briga
Previa-se que a audiência de terça-feira seria principalmente relevante para o Uber, cujo sistema autônomo não conseguiu reconhecer a pedestre. Mas o NTSB definiu que “a causa imediata da colisão foi a falha do [assistente de segurança do] Uber em monitorar atentamente a rua”, e o impacto de sua crítica foi dirigido aos reguladores, por precariedade da supervisão.
Quatro das seis medidas recomendadas pelo NTSB foram para a NHTSA e o Estado do Arizona, onde ocorreu o acidente. Especialistas presentes na audiência observaram que a NHTSA “estimula” as empresas de veículos autônomos a apresentar autoavaliações de sua tecnologia — mas apenas 16 o fizeram, e a qualidade desses relatórios se revelou grandemente variável.
Um dos especialistas disse que “poucos deles fornecem” muitos detalhes e “outros soam francamente como folhetos de marketing”. Homendy disse: “Penso, na verdade, que há uma grande falha da parte do governo federal e do Estado do Arizona, porque eles também não tinham qualquer padrão em vigor — e ainda não têm, por não regulamentarem essas operações”.
Membros do conselho do NTSB apoiaram por unanimidade a ideia de que a NHTSA comece a “exigir” dos grupos que estão fazendo testes – ou que até pretendam fazer — que apresentem relatórios padronizados, detalhados. Além disso, solicitou-se à NHTSA que abrisse um processo de avaliação
implementadas, as medidas recomendadas poderão adiar ainda mais o uso de carros autônomos, uma vez que alguns grupos não encontraram uma resistência propriamente forte da parte dos órgãos reguladores. Amnon Shashua, executivo-chefe da Mobileye, uma empresa de visão por computador de propriedade da Intel, disse antes da audiência acreditar, pessoalmente, que a regulamentação é “o maior obstáculo” à colocação de robotáxis autônomos nas ruas, mas disse que poucas pessoas entendem toda a extensão do desafio.
“Ninguém fala, na verdade, de regulamentação”, disse ele. “Todo mundo fala, ‘tudo bem, vamos dirigir por tantas milhas e mostrar o fato de que não temos muitos acidentes nesses milhões de milhas, e tudo então ficará bem e vamos pôr um automóvel autônomo na rua. Mas a questão é muito mais complicada.” As consequências de uma regulamentação falha podem ser de longo alcance.
O grupo de “lobby” verde Transport & Environment, sediado em Bruxelas, advertiu para “um horário do rush que dura o dia inteiro” caso automóveis sem motoristas forem autorizados a trafegar nas ruas de forma não regulamentada. “Veículos automatizados sem motorista podem ficar tão baratos de administrar que eles vão estimular as pessoas, ou mesmo automóveis sem pessoas dentro, a viajar mais e por mais tempo”, preveniu o grupo em setembro.
Mesmo sem recomendações dos órgãos reguladores, existe uma discussão grande e não resolvida sobre o quanto os carros sem motoristas deveriam ser mais seguros, em comparação aos dirigidos por seres humanos, antes de serem postos em ação.
A Mobileye, que é a líder mundial em tecnologia de assistência de direção, acha que, para conquistar a confiança da sociedade na tecnologia de direção autônoma, “a taxa de letalidade deveria ser reduzida em três ordens de magnitude” — o que significa que os carros sem motorista deveriam ser mil vezes mais seguros.
Outros, no entanto, dizem que fixar o parâmetro em patamares tão elevados significaria causar mortes desnecessárias pelas mãos de motoristas humanos. Dan Ammann, diretor da divisão autônoma Cruise, da GM, disse ao “Financial Times”: “Se conseguirmos demonstrar que estamos dirigindo com mais segurança do que a média dos humanos, então, por definição, toda vez que pusermos um dos nossos automóveis na rua estaremos tornando o mundo ligeiramente mais seguro. Esse é o objetivo”.
Chris Urmson, executivo-chefe da Aurora, uma startup de direção autônoma respaldada pela Amazon e pela Sequoia, disse na reunião de cúpula Future of the Car, do “FT”, em Detroit, que “simplesmente não faz o menor sentido” exigir que carros sem motorista sejam cem vezes mais seguros do que um [dirigido por] humano antes de colocá-los em uso.
“O parâmetro normal que é empregado nesse tipo de aplicação — em que se introduz a tecnologia no veículo — é o de você não estar criando um risco novo, exorbitante”, disse ele. “E eu acho que esse é o limiar em que deveríamos pensar ao pôr essa tecnologia em uso.” Após a audiência, Nat Beuse, uma ex-autoridade de NHTSA que é atualmente diretor de segurança da divisão de direção autônoma do Uber, disse que nos últimos seis anos “não havia solução propriamente dita para sair e regulamentar”. Em vez disso, os reguladores tentavam encontrar um equilíbrio entre ser autoritários demais e deixar as empresas adotar posturas diferentes.
Independentemente de as recomendações se tornarem lei ou não, disse Noah Zych, seu colega e presidente da divisão de direção sem motorista do Uber, “qualquer desenvolvedor responsável de direção autônoma as observará com muito cuidado”. “A triste realidade é que haverá outra colisão, com uma vítima fatal ou com ferimentos graves durante o desenvolvimento dessa tecnologia. [Quando isso ocorrer,] não haverá qualquer abrigo para qualquer empresa que não tenha adotado uma prática responsável de gestão de segurança”, acrescentou ele.
Fonte: NULL