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1º de abril: verdades e mentiras

Um suplemento do respeitado jornal liberal britânico “The Guardian” comemorou os dez anos da independência da República de San Serriffe, um rico país cuja existência era pouco conhecida, localizado num arquipélago do oceano Índico.
Acredita-se que as ilhas, originalmente situadas nas proximidades da costa do Brasil, movimentaram-se no oceano Atlântico por abalos sísmicos pouco explicados e dobraram o cabo da Boa Esperança, até chegarem ao norte das ilhas Seichelles. Um cientista observou que se continuassem sua trajetória pelos mares havia o risco, em alguns séculos, de uma colisão com Sri Lanka.
As duas maiores ilhas do arquipélago, cuja curiosa aparência de um ponto e vírgula lembra a Nova Zelândia, têm o nome de Caissa Superiore e Caissa Inferiore . Sua capital é Bodoni e o centro econômico, Port Clarendon. A riqueza da república deve-se à descoberta de petróleo em águas territoriais e às minas de fosfato.
A história de San Serriffe é tão movimentada quanto sua origem geológica. O arquipélago foi descoberto em 1421 por John Street, aventureiro britânico admirador do infante português d. Henrique, o Navegador. Foi colonizado por portugueses e espanhóis e ocupado pela Inglaterra. No século XIX entrou num período confuso, sendo administrado numa espécie de condomínio. Obteve a independência em abril de 1967. O poder foi ocupado seguidamente pelo coronel Hispalis e pelo general Minion, nenhum dos quais saiu voluntariamente. Desde 1971, San Serriffe era governado com mão firme pelo general M-J Pica (pronuncia-se Paica), presidente perpétuo.
A população é uma mistura de descendentes de espanhóis, portugueses e ingleses, imigrantes malaios e árabes e a população nativa flong. A moeda, muito valorizada por causa do petróleo, é a corona. A língua corrente é o inglês, mas nas cerimônias se usa o caslon. As pessoas de origem flong falam ki-flong entre si. Os pontos turísticos são Garamondo, Villa Pica, Cap Em e Umbra.
Na elaboração do suplemento de sete páginas colaboraram alguns dos jornalistas de maior prestígio do “Guardian”, que escreveram sobre a economia, cultura, turismo, política, ecologia e história de San Serriffe. Os anúncios ocuparam mais da metade do espaço.
Primeiro de abril
O suplemento, publicado em 1º de abril de 1977, teve repercussão extraordinária. Até hoje é considerado uma das iniciativas mais bem-sucedidas da imprensa mundial.
Na verdade, San Serriffe é um país fictício, que nasceu da imaginação da equipe do jornal. Tratava-se de uma iniciativa, bem-humorada e inofensiva, de comemorar o “April Fool´s Day”, (Dia dos Inocentes) que mostrava irreverência e criatividade.
Muitos leitores acreditaram que realmente estavam tomando conhecimento de uma nova nação no mapa político mundial. No dia da publicação, a central telefônica do “Guardian” ficou atolada em chamadas pedindo mais informações. O jornal nunca tinha recebido tantas ligações num único dia.
Agências de viagens e companhias de aviação fizeram reclamações oficiais ao editor, Peter Preston, porque ficaram atoladas em consultas e os clientes se recusavam a acreditar que San Serriffe era um país imaginário. O aeroporto de Gatwick, próximo de Londres, recebeu entre 20 e 30 consultas sobre vôos para Bodoni, a capital. A diretoria do porto de Liverpool, achando que tinha aparecido uma grande oportunidade de exportação, convocou com urgência sua equipe de marketing para uma viagem ao novo país. O “Guardian” dá a entender que o assunto foi tratado seriamente.
Uma armadilha da CIA
Outros leitores, porém, participaram do espírito do suplemento e mandaram cartas exatamente no mesmo estilo. Uma delas lamentava que o “Guardian” tivesse caído de novo numa armadilha da CIA, pois o que foi publicado tinha a nítida marca de uma operação dessa agência e o jornal deveria ter olhado para a ilha próxima de Ultra Bodoni, um paraíso da livre iniciativa. Em outra carta, o povo de San Serriffe felicitava o jornal pela inspirada e bem pesquisada obra que reconhecia a existência do país e o convidava para uma recepção pelo aniversário de “nosso estimado presidente”. Um membro da Frente pela Libertação de San Serriffe reclamava pelo espaço dado no jornal a um regime que subjugava o país desde 1816.
Mark Hosenball, um jornalista americano que estava sendo expulso da Grã- Bretanha pelo Home Office (Ministério do Interior), escreveu no mesmo 1ºde abril, no “Evening Standard”, um jornal vespertino, que ficou tão impressionado pelo paraíso tropical descrito pelo suplemento do “Guardian” que queria ser deportado para San Serriffe. Um jornalista assegura que o Home Office atrasou os procedimentos para expulsar Hosenball para averiguar se o San Serriffe do 1º de abril era um país que realmente existia.
Segundo publicou um jornal australiano no dia 2 de abril, o magnata da imprensa Rupert Murdoch já tinha feito uma oferta para comprar vários jornais e revistas de San Serriffe depois de um acordo com Dorothy Pica, da família do presidente. E uma agência de notícias informou que, numa entrevista coletiva no aeroporto internacional de Bodoni, o general Pica disse que poderia romper relações com a Grã-Bretanha pelo teor do suplemento do “Guardian”, que tinha prometido “completa objetividade” e mostrar as matérias antes da publicação.
O começo da história
A idéia de San Serriffe nasceu no departamento de relatórios especiais do “Guardian”. Os anos 1970 foram o auge, na imprensa britânica, da publicação de suplementos sobre assuntos, regiões ou países pouco conhecidos, mas que proporcionavam uma boa receita de anúncios. A área de publicidade dos jornais ficava satisfeita, mas os jornalistas mostravam pouco entusiasmo em escrever para operações que viam como “caça-níqueis”. Em certa ocasião, um editor teve que parar, alarmado, o início da impressão de um suplemento. Alguém tinha escrito entre os anúncios: “Estamos realmente caindo tão baixo como para imprimir este lixo tendencioso?”
Philip Davies, gerente de relatórios do “Guardian”, disse que o “Financial Times” fazia suplementos sobre países dos quais nunca se tinha ouvido falar e propôs fazer um suplemento sobre um país realmente inventado. O principal executivo e o editor-chefe, curiosos e intrigados, concordaram.
O suplemento, que inicialmente foi previsto para ter apenas uma ou duas páginas, foi crescendo e tomando forma. Detalhes foram sendo inventados – quanto mais absurdos, melhor. Um dos editores dos relatórios especiais batizou o arquipélago. A maioria dos nomes empregados faz alusões à tipografia e às artes gráficas. San Serriffe é uma referência a “sem serifa”, um detalhe no desenho tipográfico das letras que em inglês ainda é conhecido pelo nome francês, “sans serif”. Bodoni, a capital da república, Port Clarendon e Garamondo, um ponto turístico, são alusões a tipos de letras. O nome das ilhas, na forma de um ponto e vírgula, Caisa Superiore e Caisa Inferiore, quer dizer caixa alta (letra maiúscula) e caixa baixa ( letra minúscula). Vários dos melhores jornalistas gostaram da idéia e entraram no projeto.
Davies, o gerente, contatou o diretor da maior agência de publicidade da época, a J. Walter Thompson. Ele ficou entusiasmado e contagiou seus clientes, que fizeram fila para participar. Era uma excelente ocasião de vincular seu nome a uma iniciativa tão original e, ao mesmo tempo, de mostrar criatividade aproveitando essa ilha de fantasia para oferecer com imaginação seus produtos e serviços. Das sete páginas do relatório, mais da metade foi ocupada com publicidade, cujas mensagens chegaram a ser tão interessantes quanto as reportagens.
A Kodak anunciou a organização de uma exposição de fotografias sobre a “Lendária Beleza de San Serriffe”, mostrando a grandeza, serena e imponente, da Casa da Ópera de Cap Em e a febril atividade de Port Clarendon. A Costain, uma empreiteira, informou que estava construindo um novo porto para o general Pica na costa Leste. A Warrington brindava com a Vodka Vladivar o glorioso dia da independência do povo de San Serriffe. A J. Walter Thompson saudou o novo país com a abertura de um escritório no prestigioso Spalato Building, na Gutenberg Square, com um time de profissionais fluentes em inglês, português e caslon.
A Royal Doulton, fabricante de porcelanas, oferecia a San Serriffe seus produtos de hotelaria fina. A Texaco dava a oportunidade de se ganhar um prêmio incluindo um vôo de primeira classe em avião fretado, diárias num hotel na praia de Cocobanana e dois lugares no box do diretor do Real Automovil Club para assistir à primeira edição do Grand Prix San Serriffe no campeonato de Fórmula 1, seguida de um jantar para os corredores da Fórmula 1 e os membros da escuderia Texaco-MacLaren.
A corretora Alexander Howden oferecia sua experiência em seguros e resseguros em San Serriffe e alertava que os contratos nesse país estavam escritos em três línguas, incluindo um dialeto, que nunca foi falado, única relíquia da invasão de Bembo de Brusque no século XII. After Eight, o chocolate com menta, observou que às 20h03 de Londres eram 22h03 em San Serriffe. “Mas o quê é uma hora ou duas entre amigos?”, perguntava. A fabricante da cerveja escura Guinness dizia que em San Serriffe houve uma transformação do produto: a espuma era negra e a bebida, branca. O anúncio continha um cupom para se receber um kit que permitia experimentar a nova cerveja. A imobiliária St Quintin dizia que St Quintin, o santo padroeiro de San Serriffe, que tinha salvado a catedral de Bodoni de uma destruição total 500 anos antes, oferecia proteção especial para os edifícios da empresa.
No total, foram 17 anunciantes que possibilitaram o maior suplemento que o “Guardian” tinha publicado até então. Além de dar prestígio, San Serriffe foi também um excelente negócio para todos. Os anunciantes reportaram que a reação à publicidade foi extraordinária.
O “Guardian”, sendo o “Guardian”, não podia deixar fora do suplemento uma de suas principais características na época: a enorme quantidade de erros de revisão, que tinha levado o jornal a ser conhecido como “The Grauniad”, isto é, como um erro de revisão. No suplemento e em matérias posteriores, o próprio nome de San Serriffe foi escrito várias vezes com um “r” ou com um “f” apenas ou com dois “e” finais, além de outros tropeços.
No projeto inicial, a República de San Serriffe estava situada perto de Tenerife, a ilha do arquipélago espanhol das Canárias, no oceano Atlântico. Os dois nomes até tinham certa semelhança fonética. Mas, dias antes da data de circulação do suplemento, ocorreu em Tenerife o maior acidente da história da aviação, no qual morreram cerca de 600 pessoas. O editor, que tinha pensado em desistir da publicação, optou por deslocar San Serriffe para o oceano Índico, o que implicou numa tumultuada mudança de todas as referências no texto e nos anúncios.
No ano seguinte, em 1º de abril de 1978, o “Guardian” publicou outro suplemento sobre San Serriffe, de dez páginas e com vários dos anunciantes da primeira versão. Foi também interessante, com situações ainda mais absurdas, mas sem o elemento surpresa da primeira edição. Nos 30 anos seguintes, o jornal não desistiu do arquipélago. No dia 1º de abril de 1999, seus leitores ficaram sabendo que a situação tinha mudado radicalmente. O ditador, general Pica, tinha sido deposto em 1989 por um grupo de oficiais. Foi substituído pelo seu jardineiro, o general Melior, conhecido como “O Obscuro”. Mas nesse ano o presidente era Antonio Bourgeois, único escolhido em eleições livres. Pica, que sobreviveu e gostava de ser comparado a Margaret Thatcher, aparecia de vez em quando para tomar chá e rememorar, com seus velhos companheiros de poder, as técnicas de tortura. Bourgeois era um grande admirador de Tony Blair e de sua política da Terceira Via. Ele restaurou uma antiga tradição tribal pela qual era eleito o candidato com menor número de votos. Três episódios eram lembrados por todos os habitantes: duas derrotas da seleção nacional de futebol contra a Inglaterra, por 9 a 0 e 5 a 0, e a vitória por 2 a 1, com um gol de mão. Até o ano passado, o jornal continuava acompanhando a trajetória do arquipélago pelos oceanos e registrava a expansão do ecoturismo.
Ao colocar San Serriffe no mapa em 1977, o “Guardian” incentivou a imaginação popular. Segundo o livro “The Guardian Book of April Fool´s Day”, de Martin Wainwright, muitos leitores do “Guardian” colocaram em seus carros o adesivo “Eu estive em San Serriffe” e o jornal vendeu mais de 12 mil camisetas em homenagem às ilhas. Na Câmara dos Comuns (a câmara baixa do Parlamento britânico) e no Parlamento Europeu foram colocadas questões sobre as relações diplomáticas com o país do ditador Pica por deputados de bom humor. Em Houston, Texas, um leitor rodou durante quatro anos com uma chapa diplomática de San Serriffe em seu carro. E quando um correspondente do “Guardian” foi fazer a cobertura da reunião anual da Organização Mundial do Comércio em Seattle, em 1999, um encontro perturbado pelos protestos antiglobalização, percebeu que lhe entregaram credenciais de diplomata, e não de jornalista. Ele preencheu os papéis com o título de ministro da economia da San Serriffe. Ninguém estranhou. Aos delegados que mostraram um interesse protocolar, “eu discretamente passava as últimas notícias” sobre o comércio e economia das ilhas, disse ele.
A partir de 1977, a mídia britânica preparou uma avalanche de “pegadinhas” e mentiras de 1º de abril. Numa delas, uma emissora de rádio informou que na reforma do calendário, vários séculos atrás, ficou uma pequena diferença de alguns segundos a mais. Os astrônomos concluíram que, com o tempo e com o acúmulo desses segundos adicionais, sobrava um dia. Para acertar definitivamente o calendário, as autoridades tinham decidido cortar um dia nesse mesmo ano. A emissora foi inundada por telefonemas de ouvintes. Uns queriam saber se quem era pago por semana teria um dia descontado do salário. Outros consultavam se as dívidas que caíam nesse dia teriam que ser pagas ou seriam perdoadas. Havia pessoas preocupadas com o procedimento para calcular o aluguel. E como fariam as pessoas cujo aniversário caía nesse dia?
O tesouro e a safra de espaguete
A tradição do 1º de abril é antiga. “The Boston Post” informou há mais de um século e meio que um tesouro de piratas, cheio de ouro e jóias, escondido numa caverna, tinha sido encontrado por trabalhadores que tentavam extrair as raízes de uma árvore caída no parque. Qualquer pessoa poderia receber uma picareta no lugar e tirar os objetos que encontrasse. A chuva torrencial que caiu naquele dia não impediu uma corrida. Os membros da assembléia local interromperam a sessão legislativa, marcharam solenemente com seus guarda-chuvas e tiveram a mesma decepção que o resto dos cidadãos: não havia caverna e muito menos tesouro. O jornal saudou os cidadãos molhados pela chuva com uma manchete da edição seguinte: “April Fool”.
Ainda é lembrado, mais de meio século depois, aquele que é considerado o 1º de abril mais famoso da Inglaterra até hoje. Nos anos 1950, poucas pessoas viajavam para fora do país, as informações sobre o exterior eram escassas e a população ainda lembrava das agruras do racionamento de alimentos. No dia 1º de abril de 1957, “Panorama”, o programa mais famoso da austera e venerável BBC, anunciava pela voz grave do mais conhecido jornalista e comentarista, Richard Dimbleby, que se tinha distinguido pela cobertura da II Guerra Mundial (suas palavras eram não só acreditadas como quase reverenciadas): “Muitos de vocês, tenho certeza, já viram fotografias das vastas plantações de espaguete no vale do Po. Para os suíços, trata-se de uma cultura familiar”. Acrescentou que “o último inverno, um dos mais suaves até hoje (…), proporcionou uma safra de espaguete excepcionalmente grande (…) Outra razão para a abundância deste ano está no virtual desaparecimento da praga do espaguete, um pequeno inseto cujos ataques causaram tantas preocupações no passado”. A sonora cadência das frases acompanhava um filme de três minutos mostrando imagens de camponeses de uma pequena aldeia nas proximidades do lago Lugano tirando espaguetes das árvores. No fim do programa, Dimbleby se despedia: “Agora dizemos boa noite neste primeiro dia de abril”.
Milhares de espectadores reconheceram que até então não sabiam que espaguete dava em árvores e consultavam onde comprar o produto suíço. Aos que telefonavam perguntando como plantar a árvore a BBC recomendava que enfiassem um espaguete dentro de uma lata com molho de tomate e aguardassem.
Este programa da BBC foi colocado em primeiro lugar entre os 100 melhores “primeiros de abril”. A idéia do programa foi sugerida por um cinegrafista de origem austríaca, o mesmo que filmou a safra na Suíça. Ele lembrou que, quando era criança em Viena, um professor dizia: “Vocês são tão estúpidos que acreditariam se eu disser que espaguete cresce em árvores”.
Em 1962, o único canal de televisão da Suécia transmitia em preto e branco. O técnico da emissora anunciou no programa de notícias que, graças a uma tecnologia recém-desenvolvida, os espectadores poderiam adaptar facilmente seus aparelhos para recepção em cores. Era só colocar uma meia de náilon sobre a tela para receber seus programas favoritos coloridos. Ele mostrou com se fazia. Afirma-se que várias centenas de milhares de pessoas seguiram seu conselho. Para os suecos que não colocaram a meia sobre o televisor, as imagens em cores somente chegariam em 1970.
A primeira banheira americana
Na maioria dos casos mencionados, as bem-humoradas histórias logo foram percebidas como mentiras inocentes, que não faziam mal a ninguém e que, no máximo, causavam algumas faces vermelhas nas pessoas mais crédulas. Mas alguns dos embustes perduram até hoje como se fossem verdades cuidadosamente confirmadas.
O escritor americano H. L. Mencken escreveu na edição de 28 de dezembro (em alguns países, o dia equivalente ao 1º de abril) de 1917 do “New York Evening Mail” sobre a história da banheira nos Estados Unidos. Disse que um comerciante de algodão e grãos de Cincinnati, Adam Thompson, viajava ocasionalmente para Londres, onde soube que as classes altas usavam uma pequena banheira para lavar o corpo. Tinha sido introduzida por Lord John Russell em 1828 e ainda era novidade. Em 1835, afirmava-se que Lord John era a única pessoa em toda a Inglaterra a tomar banho diariamente. Thompson adotou o hábito. Em 1842, ele construiu em Cincinnati uma banheira, com mogno da Nicarágua, adequada para receber o corpo inteiro de uma pessoa adulta. Foi a primeira do país e é considerada a avó das banheiras atuais.
Thompson exibiu orgulhosamente sua grande obra e no dia seguinte 100 mil pessoas já tinham ouvido falar dela. Mas o uso da banheira levantou grandes polêmicas. Foi denunciada como um brinquedo sofisticado de origem inglesa, cujo objetivo era corromper a simplicidade democrática da República. Várias faculdades de medicina acharam que era perigosa para a saúde e que provocava quistos, febre reumática, inflamação dos pulmões e uma série completa de doenças zimóticas. A assembléia de Filadélfia estudou a possibilidade de proibir seu uso e a assembléia de Virgínia criou um imposto de US$ 30 sobre as banheiras. Algumas cidades aumentaram as taxas sobre o consumo de água de quem as instalava em casa.
A partir de meados do século diminuiu a oposição médica. Num encontro da American Medical Association, 55% dos participantes disseram que tomar banho na banheira não prejudicava a saúde e 20% afirmaram que era benéfico.
Mas foi o exemplo do presidente Millard Fillmore que deu à banheira aceitação pública e respeitabilidade nos Estados Unidos. Em 1850, ele visitou Cincinnati e viu a primeira banheira na casa de Thompson, tomou banho e percebeu que não fazia mal à saúde. Seu gesto foi criticado. Dizia-se que os presidentes anteriores e grandes personalidades nunca se deram a esses luxos de reis. Mas Fillmore mandou instalar uma banheira na Casa Branca em 1851, onde permaneceu até o primeiro mandato do presidente Cleveland, quando foi substituída. Em 1860, segundo o anúncio de um jornal, todos os hotéis de Nova York tinham pelo menos uma banheira, alguns duas e até três. Em 1862, o banho foi introduzido no Exército pelo general McClellan. No fim do artigo, Mencken sugeria a criação de uma fundação para celebrar em 1942 o centenário da introdução da banheira nos Estados Unidos.
O episódio descrito pelo famoso humorista americano foi totalmente inventado. No entanto, logo assumiu foro de verdade. Jornais, revistas e especialistas mencionaram os detalhes como se fossem verdadeiros. Anos depois, em 1926, Mencken explicou que toda a história da banheira era fictícia. “O artigo”, escreveu, “foi um apanhado de coisas absurdas, todas elas deliberadas, a maioria delas óbvias”. Nunca lhe ocorreu que fosse ser levado a sério. Mas “logo comecei a encontrar meus ´fatos´ fantasiosos nos escritos de outras pessoas”, que os usaram para mostrar a estupidez dos médicos, e os médicos, como prova do progresso da higiene pública. Os “fatos” de Mencken foram incorporados em obras de referência. A revista “The New Yorker” disse que, em 1951, o presidente Truman contava a história da banheira de Fillmore aos visitantes da Casa Branca e que no ano seguinte a usou num discurso em Filadélfia.

Fonte: Valor

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