Incertezas podem encobrir benefícios insuspeitados
Como fazer pão de queijo congelável com a certeza de que sairá do forno corado, macio, com aquela crostazinha sedutora? E o que se recomenda: polvilho doce ou polvilho azedo? Sabe-se agora que o fermento tem que ser de um tipo criogênico e os dois polvilho devem estar juntos. Mas a descoberta levou tempo, fez-se muita pesquisa, até que, enfim, ciência se transformou em tecnologia. Abriram-se portas, então, para a criação de mais de 400 empresas fabricantes de pão de queijo e surgiram milhares de pontos de venda no Brasil. Não demorou para a mineirice chegar aos Estados Unidos, Argentina, Canadá, França, Espanha.
O caso é tomado por Glauco Arbix, professor na USP, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), como exemplo de “um pequeno passo inovador”, capaz de “gerar impactos econômicos e sociais de envergadura”, que ilustra uma possibilidade, entre tantas, de se mudar o “tecido produtivo” do país. Neste contexto: “A preocupação com a competitividade da economia só se justifica quando está ligada à possibilidade de o Brasil gerar mais emprego, tornar o crescimento do PIB mais robusto e aumentar a renda do trabalho e do capital.” Há também a razão que vem de fora: “A experiência internacional é clara ao indicar que todos os países que lograram transitar para níveis mais altos de renda e desenvolvimento migraram em direção a uma pauta de exportações intensiva em conhecimento e de maior valor agregado”. Pão de queijo tem valor agregado. Muitas outras coisas podem ter também, e ganhar o mundo.
O livro de Arbix está longe de ter a simplicidade de um pão de queijo. Trata de questões que precisam ser equacionadas como condição determinante das possibilidades reais de desenvolvimento do país. Dá a dimensão dos muitos obstáculos que para isso precisam ser vencidos. Propõe uma agenda que se realizaria por meio de contribuições de numerosas origens. Seria como que uma rede de ações concatenadas que, para se fazer eficaz na produção de inovação, envolveria a sociedade em sua integral capacidade de mobilizar esforços em direção a objetivos distribuídos por horizontes – eis um inevitável complicador – juncado de incertezas. A única certeza será a de que, sem desenvolver capacidades próprias de fazer inovação – e começando logo, porque já muito tempo se perdeu, inclusive como herança de paralisantes políticas substituidoras de importações – este país não terá a menor chance de construir um futuro economicamente consistente e socialmente recomendável. E estará morto para a competitividade.
“Inovação é um conceito móvel que acompanha a evolução das sociedades e se desenvolve num invólucro de incerteza. A compreensão de seus mecanismos mais sutis exige intenso tratamento multidisciplinar” – diz Arbix. “Como processo, [a inovação] é alimentada, e se alimenta, de insumos originados em diversas áreas. Como produto, provoca impactos em campos distintos. Seus determinantes profundos fincam raízes em distintas esferas da vida social. Seu desenvolvimento se desdobra em múltiplas dimensões.”
Talvez deva ser procurada na incerteza hoje inerente às tensões nascidas das imposições de competitividade, mais global do que nunca, a motivação maior para países como o Brasil procurarem desvendar suas reais possibilidades de desenvolvimento – e partir para ações efetivas de mudança. Mesmo porque, se não for essa uma vontade construída por disposição refletida, de todo modo estarão se impondo desafios de diferentes formatos ao país e às empresas em seu território (inevitavelmente globalizado).
“A rápida elevação da competitividade e do padrão tecnológico em países como Irlanda, Finlândia, Coréia e Taiwan revelou o dinamismo e o poder multiplicador dos processos de inovação”, diz Arbix. Esses países “viveram rupturas com profundo impacto em todas as áreas da economia e da sociedade”, percorrendo uma trajetória que “ajudou a consolidar a visão de que uma economia baseada na inovação é fundamentalmente distinta de uma economia sustentada pela indústria ou mesmo pela informação”. E assim é, “basicamente, porque a economia da inovação se desenvolve diferenciadamente em meio à incerteza, o que exige intensa participação dos sistemas de produção e difusão de conhecimento, integrados à dinâmica das empresas e dos mercados”. Quer dizer, a incerteza pode ser vitalizadora.
O Brasil será capaz de dar esse salto qualitativo em tantas dimensões, ao mesmo tempo?
“Esses caminhos foram descortinados, mas ainda não desbravados. Países em desenvolvimento, como o Brasil, se quiserem seguir rumos semelhantes, precisarão mobilizar o empresariado, órgãos de governo, as universidades e a comunidade de pesquisadores, de modo a criar uma contracultura da inovação.” Não será fácil: “Isso significa alterar mentalidades e hábitos. Mas, fundamentalmente, significa buscar o domínio de novas tecnologias, facilitar a introdução de novos modelos de negócio, de produtos, de organização, de gestão e de todos os processos intensivos em conhecimento”.
A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (“um passo, ainda que pequeno, em direção a um novo tempo”), é tratada em termos elogiosos por Arbix: “Rejeitou uma postura de forte intervencionismo estatal e orientou o esforço do país para se capacitar em áreas portadoras de futuro”. Sua primeira recomendação é para que agora se desenvolva, como parte dessa política anunciada pelo governo federal em 2004, um programa de fomento à inovação empresarial em tecnologias “de alto impacto econômico e social”. É preciso criar “novas competências empresariais”. Nesse sentido, “a opção pela inovação deve ser ampla, global e irrestrita”, com a definição de “estratégias que permitam coordenar ações de desenvolvimento social com os objetivos de promover a inovação e o conhecimento, preservando a visão de longo prazo”.
O livro traz um levantamento das novas políticas de incentivo à inovação nos países avançados e faz comparações com o que vem acontecendo no Brasil nas últimas décadas. Discutem-se as relações entre inovação e os processos de “catching up”.
Apresentam-se dados empíricos sobre o movimento de internacionalização realizado por empresas brasileiras e seu impacto sobre faturamento, competitividade, salário, exportação e emprego.
Discute-se a hipótese de configuração no Brasil de uma nova espécie de empreendedores, de comportamento diferenciado e mais dispostos ao risco. A noção de empreendedorismo é analisada em seus fundamentos sociológicos e econômicos.
O capítulo final integra as competências das ciências sociais no debate sobre inovação, com um corte direcionado para sua compreensão no contexto da incerteza – ela, de novo.
Fonte: Valor