Um rastro de polêmica: sistemas antifurto
Se o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) queria pautar um tema polêmico, conseguiu. Por meio da Resolução 245, o órgão determinou que, a partir de agosto de 2009, todos os veículos novos deverão sair da fábrica com sistemas antifurto que permitam o bloqueio de veículos roubados. Caso o usuário deseje, será possível também contratar o serviço que permita rastrear e localizar o automóvel. A medida provocou críticas até das empresas que oferecem sistemas de monitoramento de carros e frotas.
– O Contran escolheu o sistema de rastreamento que combina o sinal do satélite com antenas terrestres de telefonia. Esta não é a melhor opção, pois deixa muitos pontos fora do alcance do sinal, como, por exemplo, garagens subterrâneas.
Acreditamos que a solução mais eficiente seria um rastreador por radiofreqüência – diz Marcelo Orsi, diretor da Tracker Lo-Jack, empresa de dispositivos de rastreamento e localização.
Orsi alerta também para as dificuldades em se instalar sistemas de proteção nas linhas de montagem: – Trabalhamos com 50 locais possíveis para a instalação do rastreador, o que dificulta sua desabilitação.
Isso não deve acontecer nas linhas de montagem, onde milhares de carros são feitos por dia, em ritmo acelerado.
Ou seja: o equipamento deverá ficar sempre no mesmo lugar, o que vai facilitar a vida dos ladrões.
Já Marcelo Necho, diretor da Graber Rastreamento, acredita que a resolução é bem-vinda e a escolha pelo sistema via satélite, adequada: – Esta é a tecnologia que oferece melhor custo/benefício, pois se adapta facilmente à eletrônica dos carros atuais e permite o monitoramento constante. A idéia não é exclusiva do Brasil. Nos EUA, táxis são obrigados a ter rastreadores. Creio que os fabricantes de automóveis desenvolverão soluções para que o equipamento seja instalado em locais invioláveis.
Antes de falar sobre o assunto, os fabricantes de automóveis resolveram esperar o término do prazo de 90 dias estipulado pelo Contran para determinar todas as especificações dos sistemas antifurto. Caberá às empresas decidir o que farão para oferecer os serviços de bloqueio.
Volks fez uma experiência e voltou atrás
Os fabricantes de carros conversam com seus fornecedores em busca de uma solução. A Bosch já desenvolve um equipamento para o Brasil, que será feito em grande escala.
Hoje, já existem sistemas que bloqueiam o veículo por meio da telefonia celular, sem interferência de uma central de controle. Isso diminui os custos, pois não é preciso pagar pelo serviço. Deve ser essa a solução escolhida pelos fabricantes.
A Volks já se dispôs a ajudar na discussão, com sua experiência prática: entre março e junho, a marca incluiu um rastreador via satélite como item de série em seus carros feitos no Brasil.
Foi um fracasso: menos de 20% dos clientes que adquiriram um modelo com monitoramento habilitaram o sistema (cuja assinatura custaria entre R$ 575 e R$ 800 por ano).
Para o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), é possível instalar o equipamento sem onerar os consumidores.
Em um comunicado, o órgão informou que para utilizar o sistema de bloqueio não será necessário nenhum tipo de contratação de serviço, pois a função já virá de fábrica disponível para uso. No entanto, o rastreamento somente será ativado se o proprietário do veículo desejar.
Proteção do patrimônio, mas não da integridade física
A Comissão de Defesa do Consumidor da Alerj não viu com bons olhos a idéia do Contran, e entrou com uma ação civil pública na Justiça Federal contra a resolução.
– Num país onde os acidentes de trânsito matam 50 mil por ano e os fabricantes não incluem itens de segurança importantes entre os equipamentos de série, o Contran optou por obrigar as empresas a investirem alto na proteção patrimonial, preterindo a segurança física de motoristas e ocupantes.
A determinação beneficia as seguradoras, e não o consumidor – diz a deputada estadual Cidinha Campos (PDT), presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Alerj.
Para o Contran, esta seria mais uma ferramenta para a inibição do roubo e para a recuperação de veículos e cargas. O Conselho diz ainda que procurou optar pela solução mais neutra possível em relação à tecnologia usada.
Para o consumidor, espera-se que a instalação dos aparelhos tenha impacto nos seguros, que deverão ficar mais baratos, mesmo que o comprador não opte pelo rastreamento – como o bloqueio deverá vir habilitado de fábrica, espera-se que a localização do veículo seja facilitada.
Há uma contrapartida: desde que os carros passaram a vir com sistemas de proteção mais sofisticados, caiu o número de furtos e aumentou muito a quantidade de roubos de automóveis a mão armada. Pode-se imaginar que a adoção compulsória dos bloqueadores trará um aumento nessa escalada de violência.
Esse big brother poderá, um dia, ser transformado em mais uma ferramenta da indústria das multas. Locadoras da Flórida já têm rastreadores para cobrar taxas de clientes que infringem limites de velocidades – mesmo que a polícia não os multe.
Fonte: O Globo