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Sentier, um segredo bem guardado em plena Paris

Existe um bairro na capital francesa que não faz parte normalmente dos guias turísticos, mas é conhecido por estrangeiros de todo o planeta, sobretudo os que trabalham na área da moda. O Sentier, na região da Bolsa de Valores de Paris, é o maior centro atacadista de roupas da Europa e um dos maiores do mundo, que vende principalmente moda feminina.
No emaranhado de ruas do local, existem, segundo estimativas, mais de 4 mil lojas. Cerca de metade delas são pronta-entregas de fabricantes. Há também muitos show-rooms multimarcas. Quem durante anos fez sucesso no Sentier foi Colette Lerfel, a mesma Colette da célebre butique parisiense, considerada uma varejista que dita tendências mundo afora. Antes de abrir há dez anos a loja na rua Saint-Honoré, Colette tinha um show-room multimarcas no Sentier, onde já vendia modelos que saíam do comum.
A história do Sentier está fortemente ligada à do desenvolvimento da indústria de confecções e do prêt-à-porter na França. O bairro existe desde a Idade Média. No século 18 ele se transformou em uma área de comércio de tecidos. Mas foi somente no final do século 19, com o surgimento das máquinas de costura, que começaram a aparecer os primeiros ateliês de fabricação de roupas.
A industrialização, com grandes volumes de peças, permitiu que um número maior de pessoas tivesse acesso à moda. Com a explosão no número de marcas e a expansão do setor do vestuário, a partir dos anos 60, o Sentier passou a ser o centro nevrálgico de uma moda francesa (e por conseqüência internacional) mais popular, posição que ocupa até hoje.
Lojistas do mundo todo, inclusive do Brasil, compram roupas nesse bairro atacadista de Paris. Muitos proprietários de butiques preferem, no entanto, não revelar onde adquiriram os modelos. Afinal, eles sabem que muitos clientes compram somente pelo fato da marca, ainda que desconhecida, ser francesa. No Brasil, por exemplo, o Sentier pode ser comprado ao bairro paulistano do Bom Retiro. Mas quem tem o hábito de freqüentar os show-rooms parisienses do Sentier não acha a comparação nada pertinente.
“A qualidade das roupas do Sentier é infinitamente superior à do Bom Retiro. Os modelos são bem feitos. Mas ninguém gosta de falar que compra no Sentier porque existe essa conotação de roupa barata, de compra no atacado”, diz o consultor de moda Paulo Pereira, que conhece bem inúmeros fabricantes desse bairro parisiense.
Há onze anos o mineiro circula regularmente pelo Sentier para desenvolver e comprar coleções para lojistas de vários países. “A oferta de produtos é gigantesca. São várias centenas de modelos diferentes para cada tipo de peça de roupa. E há também uma grande possibilidade de escolha de materiais e tecidos”, diz o consultor.
No início, Pereira diz ter trabalhado muito para butiques brasileiras. Hoje, com o euro forte, os brasileiros e sul-americanos em geral se tornaram mais raros e foram substituídos por clientes europeus, principalmente da Alemanha, Espanha e Portugal. Mas apesar da alta do euro, ele acredita que os preços praticados no Sentier continuam interessantes.
Vestidos, blusas e calças com visual elegante e tecidos de qualidade podem custar entre ? 20 e ? 30 (entre R$ 52 e R$ 80). O valor final depende, claro, da margem do lojista.
Se os preços continuam acessíveis no Sentier, o processo de criação de moda no bairro sofreu grandes mudanças nos últimos anos. “No início, os fabricantes apenas copiavam as grandes grifes. Há sete ou oito anos eles passaram a desenvolver uma identidade visual para suas marcas. Eles criaram seu próprio estilo, baseado na tendência de moda da estação”, diz Pereira.
Há razões para isso. O desenvolvimento da indústria têxtil atraiu várias levas de imigrantes para o bairro. Depois dos judeus do Leste da Europa e do Norte da África, chegaram os armênios, turcos e paquistaneses. Por último, mais recentemente, vieram os chineses, que trabalham o dobro de horas por dia em ateliês muitas vezes clandestinos.
“Não podíamos competir com os chineses. Para fugir dessa concorrência, decidimos criar modelos mais sofisticados, de melhor qualidade e com tecidos exclusivos. Passamos a fazer mais pesquisas para termos produtos bem distintos dos fabricados pelos chineses”, afirma o estilista Jean-Jacques Mettoudi, que cria os modelos da marca Jeff Gallano, uma pronta-entrega do Sentier. Os produtos vendidos no bairro são fabricados, em geral, na Turquia ou na Tunísia, onde a mão-de-obra é mais barata. A China, pelo menos por enquanto, não aparece como fornecedora de roupa desenhada pelos empresários do bairro parisiense.
Pereira observa que os fabricantes do Sentier criaram um estilo próprio para atender às necessidades do mercado, que exige, cada vez mais, roupas a preços acessíveis, mas bem costuradas. E que não sejam vistas por todos os lados. “Os modelos são para pessoas, principalmente jovens, que querem estar na moda, mas não iguais a todo mundo, como quem compra na Zara ou na H&M”, diz ele.
Hoje, depois de passar décadas imitando os modelos dos grandes costureiros franceses, são os fabricantes do Sentier que passaram a ser copiados por donos de confecções de outros países.
Os lojistas percebem que o objetivo é esse quando o cliente compra apenas uma ou duas peças de cada modelo de roupa em vez de uma grade completa. “Fabricantes de vários países, como o Canadá ou a Alemanha, vêm buscar inspiração no Sentier”, diz Serge Beren, proprietário do show-room multimarcas Beren.
Sua família trabalha há 50 anos no bairro e as diferentes gerações viram as transformações desse centro atacadista. “Os fabricantes hoje trabalham com escritórios de estilo”, diz ele que vende mais de 200 marcas diferentes em sua loja para clientes de 70 países. Os russos se tornaram atualmente os principais compradores de várias butiques no Sentier. Segundo Pereira, eles já representam 40% do volume de negócios desse centro de pronta-entregas.
A criação de um estilo próprio permitiu que muitos fabricantes se expandissem consideravelmente. A Bel Air, criada em 1982, abriu butiques em Paris para vender suas roupas femininas também no varejo. A empresa, cotada na bolsa, já possui 12 lojas na capital francesa e sua periferia, a maioria abertas no ano passado. Os comerciantes do Sentier também investiram no visual de seus show-rooms. Muitos têm decorações que nada deixam a desejar a butiques em áreas mais nobres de Paris. “Eles fizeram reformas para que também as lojas tivessem um visual mais sofisticado”, constata Pereira.
Mesmo sem fazer parte dos roteiros turísticos da cidade, um passeio pelas ruas tipicamente parisienses do Sentier tem seu charme. Em alguns atacados é possível fazer compras no varejo, mas para essa excursão de moda, que tem como principal atração os preços, é necessário estar acompanhado de um bom guia que conheça o percurso.

Fonte: Valor

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