Jovem jornalista do setor recebe nota máxima no TCC
O telejornalismo e sua capacidade de construir narrativas que mobilizam, informam e pautam o debate público são o foco da análise desenvolvida por Maria Clara Montanha, jornalista da Fenacor, em seu Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na Faculdade UNIFACHA.
O estudo, que recebeu a nota máxima, discute o papel da televisão na construção da opinião pública, a influência da linguagem audiovisual e os desafios éticos enfrentados na profissão.
Veja o texto, abaixo:
O telejornalismo, enquanto produto midiático de grande alcance exerce papel fundamental na formação da opinião pública. A linguagem audiovisual e a capacidade de atingir diferentes níveis sociais conferem a esse formato jornalístico uma força simbólica singular, capaz de influenciar comportamentos, provocar mobilizações e pautar o debate social.
Conforme argumenta Gabriel Tarde, “a sociedade é uma coleção de seres na medida em que estão se imitando entre si”, e essa imitação, compulsória ou espontânea, é o que transforma a descoberta individual em um fato social (Tarde, 2005, p. XIII).
Ao se posicionar como mediador entre fatos e interpretações, o telejornalismo influencia diretamente a forma como os indivíduos percebem a realidade. A Teoria da Agenda, formulada por Maxwell Combs, sustenta que “os tópicos enfatizados nas notícias tornam-se os assuntos considerados os mais importantes pelo público” (Combs, 2009, p. 22). A televisão, portanto, não apenas informa, mas define o que é relevante na esfera pública.
Segundo Bernard Cohen, “os veículos noticiosos podem não ser bem-sucedidos em dizer às pessoas o que pensar, mas são surpreendentemente bem-sucedidos em dizer às audiências sobre o que pensar” (Cohen apud Combs, 2009, p. 13).
Essa influência se intensifica pelo uso da imagem, recurso de alto impacto emocional e cognitivo. Bordel destaca que a televisão “pode fazer ver e fazer crer no que faz ver” (Bordel, 1997, p. 28), produzindo o chamado “efeito de real”, que aumenta o poder de convencimento da narrativa audiovisual. Ao selecionar determinados temas e dar visibilidade a determinados atores sociais, o telejornalismo constrói uma narrativa que organiza simbolicamente o mundo e define quem deve ser ouvido, quem deve ser lembrado e quem pode ser esquecido.
O telejornalismo, portanto, não é apenas transmissor de informações, mas também um construtor de representatividade. É nesse ponto que a função social do jornalista se manifesta com maior intensidade: ao escolher os temas que irão compor a agenda midiática, ele participa ativamente da construção da opinião pública e da memória coletiva.
A visibilidade da injustiça como responsabilidade ética
A dimensão ética do telejornalismo se revela especialmente no tratamento das questões sociais. A exposição das desigualdades, da miséria e da violação de direitos não pode ser encarada apenas como um recurso para atrair audiência, mas sim como um compromisso com a democracia e com os princípios de justiça social. Segundo Nilson Lage, o jornalismo deve “investigar e interpretar”, explorando as implicações dos fatos e levantando antecedentes (Lage, 2001, p. 39).
A televisão, como destaca Laurindo Leal Filho, é o meio que mais influencia a formação da opinião pública brasileira, sobrepujando universidades, igrejas e partidos políticos (Leal Filho, 1988, p. 11). Isso torna ainda mais evidente à necessidade de um jornalismo que assuma o papel de fiscalizador do poder, sobretudo em um contexto em que a fome, a pobreza e a violência urbana são realidades cotidianas.
Nesse contexto, o telejornalismo pode funcionar como catalisador de mudanças, mobilizando a sociedade civil e pressionando o Estado por respostas. Como defende Pierre Bordel, a imagem televisiva tem o poder de “mobilizar”, de criar representações que geram impactos reais sobre o mundo (Bordel, 1997, p. 28). É nesse sentido que Gabriel Tarde afirma que “a opinião é um bem de consumo” (Tarde, 2005, p. XVIII), passível de ser compartilhado, reproduzido e transformado em força social.
No entanto, essa função ética e social do jornalismo é ameaçada por forças de mercado. O próprio Bordel aponta os riscos da “televisão regida pelo índice de audiência” (Bordel, 1997, p. 96), que submete a escolha das pautas à lógica comercial e não ao interesse público. A tensão entre mercado e compromisso social impõe ao jornalista um desafio constante: resistir à espetacularização da miséria e priorizar narrativas que promovam a dignidade humana.
Estudos de caso: a televisão como palco da denúncia social
A história recente do telejornalismo brasileiro revela inúmeros exemplos em que a mídia televisiva exerceu papel central na exposição de injustiças e violações de direitos. Dois casos em especial ajudam a compreender o potencial da televisão como ferramenta de mobilização social:
O primeiro é o da reportagem exibida pela Profissão Repórter, em 2023, sobre a Cravolândia, em São Paulo. A equipe acompanhou a rotina de dependentes químicos e denunciou as ações violentas da polícia e a ausência de políticas de saúde pública. A abordagem empática e o uso de imagens fortes geraram comoção e debate público. A matéria ilustra o conceito de “efeito de real” de Bordel (1997, p. 28), ao transformar um problema local em uma questão nacional.
O segundo caso é o da série do Repórter Recorde Investigação, em 2017, sobre trabalho escravo em confecções clandestinas em São Paulo. A reportagem expôs a exploração de imigrantes bolivianos e paraguaios, vivendo em condições subumanas. Um repórter do programa se infiltrou em uma confecção clandestina no centro da capital paulista. No local, funcionava uma casa onde oito adultos e duas crianças viviam e trabalhavam em regime de ‘escravidão moderna’. A denúncia teve forte repercussão social e midiática, levando a ações do Ministério do Trabalho e ao resgate das vítimas. Este é um exemplo concreto do que Combs (2009, p. 18) chama de “saliência midiática”: a repetição e o destaque do tema colocaram a questão na agenda pública.
Tais casos evidenciam como o telejornalismo pode, quando comprometido com o interesse coletivo, operar como ferramenta de transformação social. Ao dar voz aos silenciados e visibilidade aos esquecidos, o jornalismo televisivo reafirma seu papel de mediador entre a dor social e a esperança por justiça.
Essa é, afinal, a essência da prática jornalística comprometida com os valores democráticos como demonstra a reportagem que integra este trabalho. Ao abordar a fome urbana no Centro do Rio de Janeiro, dar visibilidade à atuação de projetos sociais e questionar e cobrar a ausência do poder público, a produção exemplifica o potencial do telejornalismo de provocar reflexão, sensibilizar e reivindicar ações concretas para transformação da realidade social.
Por fim, este trabalho reafirma o jornalismo como um exercício de cidadania. Em um contexto de desigualdade crescente, de invisibilização de pautas sociais e de naturalização da miséria, cabe ao jornalista utilizar as ferramentas que possui para promover o debate, a empatia e a justiça.
O telejornalismo, quando guiado por valores éticos e por um olhar sensível às dores coletivas, é capaz de romper silêncios, provocar reflexão e reivindicar transformações. Essa é a premissa que fundamenta tanto este trabalho acadêmico quanto a reportagem que o compõe e é, também, a essência de um jornalismo comprometido com a sociedade.
Fonte: Fenacor