Previdência privada sente efeitos da pandemia
Estagnação da atividade econômica, desemprego elevado, carestia. A indústria de previdência privada mais uma vez sentiu os efeitos do cenário de crise econômica e sanitária. Em uma repetição turbinada do roteiro de 2020, os brasileiros recorreram às reservas de longo prazo como uma espécie de tábua de salvação frente à deterioração de renda e emprego.
O patrimônio líquido dos fundos andou de lado, com alta de 2,2% no acumulado de 2021 até outubro. Houve, em contrapartida, algum sinal de resiliência, com a recuperação dos aportes após um ano de queda na arrecadação. A captação bruta dos planos PGBL e VGBL somou R$ 112 bilhões no acumulado de janeiro a outubro de 2021, alta de 15,2% sobre igual período do ano passado, aponta a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi).
Os investidores, porém, deram com uma mão para tirar com a outra. Os resgates cresceram a uma velocidade ainda superior (25%) e os R$ 84,7 bilhões sacados em dez meses superaram os montantes de todo o ano passado. Isso levou a um recuo de 7,3% na captação líquida até outubro (R$ 27,3 bilhões).
O fluxo de resgates é reflexo de desemprego, inflação e perda de renda. Houve um pouco de tudo: do investidor que esgotou as reservas de emergência e recorreu parcialmente à previdência para enfrentar o período de tormenta àquele que sequer tinha um fundo de liquidez e precisou tirar dinheiro da aposentadoria.
Houve também recrudescimento de sinistros na segunda onda da covid-19, com beneficiários acessando recursos em decorrência da morte do titular do plano. O período foi marcado por busca por liquidez, o público autônomo foi o que mais sofreu com a perda de renda e os resgates aumentaram, ainda que não seja o ideal tirar recursos de uma poupança de longo prazo, diz Guilherme Hinrichsen, vice-presidente da FenaPrevi.
O mercado também mostrou resiliência. Mesmo diante desse cenário adverso, houve crescimento expressivo nas contribuições em 2021, completa.
O ano também foi marcado pela intensificação de um fenômeno que se desenha desde 2017: a diversificação dos investimentos.
No ano passado e, parcialmente, em 2021, a taxa básica de juros na mínima histórica impulsionou os investidores a migrarem recursos para classes de fundos mais sofisticadas e com maior risco. Isso foi capturado no Guia de Previdência Valor/FGV que avaliou 1.000 fundos com patrimônio líquido (PL) de R$ 726,7 bilhões.
A participação dos fundos de renda fixa no PL total, que era de 81,25% em 31 de outubro de 2020, caiu para 72,59% na mesma data em 2021.
O espaço foi ocupado pelos multimercados – o share passou de 12,54% para 22,12%.
O investidor de previdência, que no passado estava basicamente na renda fixa, hoje consegue ter uma carteira diversificada com multimercados, ações, estratégia internacional e diferentes produtos na própria renda fixa. A indústria ampliou a oferta de fundos e a Selic em patamares baixos impulsionou a diversificação, avalia Ricardo Rochman, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV -Eaesp).
O fenômeno foi replicado em toda a indústria. Na Brasilprev, a participação dos fundos multimercado nas reservas totais de previdência passou de 14% para 32% do fim de 2020 até o momento. Foi um ano extraordinário em termos de diversificação. Iniciamos esse processo apresentando aos clientes produtos com menor volatilidade. Obviamente a Selic baixa chamou a atenção pelo rendimento nominal menor, diz o CFO, Nelson Katz.
Mesmo com um ano desafiador, a rentabilidade acumulada dos fundos avaliados pelo ranking foi de 2,87% em 12 meses até outubro, ante 0,85% da apuração anterior, capturando em parte o ciclo de aperto monetário iniciado em março e, também, a recuperação no Ibovespa (que viria a derreter apenas a partir de outubro em meio ao aumento das incertezas fiscais). Destaque para os data alvo balanceados (4,54%) e os fundos de ações (3,68%).
O Ibovespa acumulou alta de 9,4% no período de análise do ranking, contra queda de 12,4% na edição anterior. Isso explica esses resultados, avalia William Eid Junior, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da FGV-Eaesp.
A FGV ranqueou as gestoras que entregaram, na média, os melhores resultados. Assim como no ano anterior, a classificação dos fundos foi baseada em dois critérios, conforme o prazo de análise. Para períodos de 1 e 3 anos, foi usado o índice de Sharpe, que considera a relação risco-retorno. Para intervalos de 5 e 7 anos, considerou-se o retorno obtido pelo fundo em relação ao benchmark: DI, Ibovespa ou uma combinação dos indicadores.
Por esses critérios, Bradesco, Itaú e Brasilprev destacaram-se como as melhores gestoras. Os desafios para 2022 não são triviais.
As projeções para a economia variam da recessão à estagnação, em um cenário de inflação galopante e uma Selic de volta ao patamar de dois dígitos.
A expectativa de um ciclo eleitoral conturbado e o aumento das incertezas fiscais já deterioraram as condições financeiras, com a inclinação da curva de juros de longo prazo e o tombo do Ibovespa. Tudo isso coloca um ponto de interrogação em relação à capacidade de poupança dos brasileiros, ao ritmo de resgates e indica, também, um ano de volatilidade nos fundos, especialmente os de ações e multimercados. A indústria é muito dependente dos ciclo econômicos e os aumentos de saldos em previdência são normalmente relacionados aos ciclos positivos, resume Roberto Paris, diretor-executivo da Bradesco Asset Management (Bram).
O executivo entende que a migração do investidor de previdência da renda fixa mais conservadora para classes mais agressivas tende diminuir a partir de agora em função da alta da Selic. E acredita que o oposto também ocorrerá com menor intensidade. As pessoas buscarão um pouco menos de risco, mas não acredito em uma grande fuga de multimercados por conta de uma conjuntura mais volátil. Esse tipo de comportamento ficou para trás, diz.
A opinião é compartilhada por Eduardo Camara Lopes, executivo-chefe de investimentos da Itaú Asset Management, para quem o investidor de previdência começa a entender a importância de ter uma carteira diversificada, ainda mais em um produto com prazo de resgate de 20 ou 30 anos em que perdas momentâneas tendem a ser compensadas ao longo do tempo. Estamos na contramão do que vimos nos dois últimos anos (fluxo de renda fixa para multimercados), mas essa reversão se dá em uma intensidade muito menor. Nosso desafio é comunicar ao investidor a importância de um portfólio diversificado e uma visão de longo prazo, diz.
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