Brasilcon discute propostas que reforçam e ampliam direitos do consumidor
Quando entrou em vigor há 22 anos, promulgando o Código de Defesa de Consumidor (CDC), a Lei 8.078 era considerada moderna e avançada, quase perfeita. Mas o País mudou, a sociedade evolui, 32 milhões de pessoas entraram no mercado de consumo, 19 milhões saíram da linha de pobreza e o comércio eletrônico, que no início da década de 90 não existia, hoje movimenta valores mais altos que o comércio físico. Por isso, o CDC precisa ser atualizado e reforçado, disse Cláudia Lima Marques, professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), durante sua participação na IX Jornada Brasilcon de Atualização do Código de Defesa do Consumidor, realizada na noite desta segunda-feira, 26 de agosto, em São Paulo (SP).O evento, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito do Consumidor (Brasilcon), em parceria com a Escola Paulista de Direito (EPD) e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg), reuniu advogados, juristas e estudantes de Direito para discutir algumas propostas de atualização do CDC, especialmente, as contidas nos Projetos de Lei do Senado (PLS 281, 282 e 283).Cláudia Marques, que também é coordenadora do Observatório do Crédito do Superendividamento do Consumidor e atuou como relatora anteprojeto de atualização do CDC, preparado pela Comissão Especial de Juristas criada pelo Senado Federal, explicou que o acesso ao consumo mudou os parâmetros de divisão das classes sociais. Segundo a jurista, não é mais a posse de bens materiais que separa ricos de pobres, mas a possibilidade de acesso a esses bens e produtos. Na nova simbologia do consumo, os novos pobres de hoje são aqueles excluídos da sociedade de consumo, afirmou.Daí porque a ampliação da proteção ao consumidor assume, primeiramente, a dimensão Constitucional. Ela lembrou a vitória dos consumeristas sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 2591, proposta pelos bancos no início do CDC, que, a seu ver, foi pouco valorizada. É uma vitória que ainda está meio esfumaçada, disse. A segunda dimensão, na visão de Cláudia Marques, é de cunho ético, pois inclui no âmbito dos novos consumidores o conceito da hipervulnerabilidade, que não se confunde com a figura do individuo incapaz ou tampouco hipossuficiente, mas de pessoas que têm seu direito de consumo machucado. Este seria o caso, segundo ela, de idosos, de pessoas com necessidades especiais ou discriminadas por gênero. O hipervulnerável, assim como hiperendividado, se submete, não reage, disse. Por isso, a atualização do CDC visa, inclusive, o empoderamento dos consumidores, prevendo, por exemplo, mais clareza nos contratos e, ainda, ações de educação financeira. Por fim, a última dimensão apontada por Cláudia Marques, está relacionada à efetiva proteção do consumidor por meio do combate aos danos de massa, impondo sanções e penalidades à oferta irresponsável de crédito. Essas mudanças não diminuem, mas somam mais direitos aos consumidores. É uma atualização para melhor, disse.Novas figuras do comércio eletrônicoBruno Miragem, observado por Cláudia Lima Marques afirma que o CDC precisa ser atualizadoO advogado Bruno Miragem, professor titular da UFRGS, diretor do Brasilcon e jurado da edição 2013 do Prêmio Antônio Carlos de Almeida Braga, realizado pela CNseg , concorda que o CDC precisa ser atualizado para melhorar os temas que não faziam parte da sociedade na época de sua edição, como é o caso do comércio eletrônico. Para ele, a inclusão no mundo da internet trouxe vantagens e novos riscos, os quais até já foram objeto de propostas no âmbito legislativo anos atrás. Entretanto, parte das propostas ficou defasada devido à velocidade da rede mundial e outra parte perdeu o foco devido à ampla abrangência. Na falta de uma lei específica, a jurisprudência tomou por base a teoria da remuneração direta, prevista no CDC, para definir o interesse comercial dos produtos e serviços oferecidos pela internet. Com isso, os provedores de internet foram equiparados à condição de fornecedores.Coube ao PLS 281/12, segundo Miragem, dispor sobre questões pontuais do comércio eletrônico, como o direito de arrependimento nas compras feitas pela internet. O CDC prevê esse direito para compras fora do estabelecimento, realizadas por telefone ou em domicilio. O projeto do Senado não apenas inclui a internet e o celular como meios de compras, como também traz responsabilidades ao novo elemento dessa relação, o terceiro, que é a operadora do cartão de crédito ou débito. Este terceiro, na compra pela internet, é decisivo, justificou.O projeto também cuidou de uma das características do comércio eletrônico, que é a despersonalização e desmaterialização do contrato. Miragem comentou que Súmula 479/12 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou essa tese, qualificando e repersonalizando o fornecedor da internet, que será obrigado a fornecer CNPJ e endereço físico. Parece pouco, mas é uma maneira de materializar o fornecedor, disse. O PLS 281 também prevê novos direitos aos consumidores de internet, como o direito à privacidade de seus dados e a não discriminação de acesso, por suas condições financeiras.Pressões sobre o consumidorPara Angélica Carlini, o inadimplente sofre fortes pressões para o consumo e para o posterior pagamento da dívidaA advogada Angélica Carlini, professora da Escola Nacional de Seguros (Funenseg) aponta o inadimplente como vítima de fortes pressões, tanto para o consumo como, posteriormente, para o pagamento da dívida. Ela observa, atualmente, que, se por um lado existe a farta oferta crédito, por outro, também há excessiva e desproporcional penalização do consumidor endividado. O PLS 283/12, segundo Carlini, corrige essa situação propondo diversos mecanismos de proteção ao superendividado, como o direito à informação sobre juros e encargos no montante da prestação e sobre a informação da liquidação antecipada da dívida.Outros alvos do projeto são as condições de isonomia na forma de pagamento, com a obrigatoriedade preços idênticos para compras a prazo e à vista, e a publicidade enganosa, que divulga a concessão de crédito facilitado, sem consulta ao SPC, por exemplo. Também prevê ao fornecedor o dever de entregar uma cópia do contrato e no caso de crédito consignado, a autorização prévia do consumidor e a limitação das parcelas em até 30% dos rendimentos.De acordo com Carlini, a CNseg apresentou emendas ao projetos que preveem a instituição de núcleos de mediação de conflitos multidisciplinares específicos para o superendividamento. Porque é preciso distinguir o superendividamento passivo do ativo, já que este último é considerado uma patologia social, explicou. Outra sugestão da CNseg foi a substituição da expressão mínimo existencial por mínimo necessário para garantir a segurança alimentar e moradia dos consumidores. Também foi sugerida a inserção da educação financeira como meio para o crédito responsável e de prevenção do superendividamento, como um direito expresso na Lei 8.078.Ela chamou a atenção, ainda, para as expressões aconselhar e advertir utilizadas no projeto. Aconselhar tem conotação afetiva e advertir pode causar constrangimentos, justificou. Segundo Carlini, outra sugestão da CNseg foi aumentar o prazo de arrependimento no mínimo para 15 dias. A última proposta está relacionada à preocupação do mercado de seguros com o artigo 54 do projeto, que define os órgãos da administração pública como competentes para decretar a nulidade de cláusulas contratuais. Essa competência pode gerar insegurança jurídica porque algumas cláusulas poderão ser válidas em alguns municípios e invalidas em outros, disse.Último a se apresentar no evento do Brasilcon, o advogado e professor da EPD, Flávio Tartuce, concentrou sua argumentação sobre o direito de arrependimento do consumidor. Segundo ele, o PLS 281 aborda o assunto em nove parágrafos, mantendo o prazo de sete dias para o arrependimento, embora o Brasilcon defenda 14 dias. Tartuce contou que em visita a Portugal observou que o prazo comum de 14 dias, às vezes, é duplicado para 28 dias, em alguns casos. Sei que 28 dias não funcionaria no Brasil por motivos óbvios, mas 14 é um prazo adequado, disse.
Fonte: CNSEG