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Veja como MG foi do ´déficit zero´ à calamidade financeira

Em situação de calamidade financeira desde o início do mês, Minas Gerais convive com um fantasma em suas contas há mais de uma década. São os gastos com funcionalismo que não param de crescer. O problema se repete em quase todos os Estados. Em Minas, a conta aumentou nas gestões dos ex-governadores Aécio Neves e Antonio Anastasia (ambos do PSDB) e continuou acelerada no governo de Fernando Pimentel (PT). Agora chega a um ponto que ameaça paralisar o Estado.

Em 2002, ano em que Aécio foi eleito, a despesa bruta de todos os poderes com pessoal comprometia 75% da receita corrente líquida. Com uma série de ajustes, o então governador entregou no último ano de seu primeiro mandato um índice de 62,84%. Aécio se reelegeu e em 2010 o quadro tinha piorado. A despesa bruta com pessoal avançara para 67,01% da receita corrente líquida. Em 2014, último ano de Anastasia, a situação era novamente bastante grave: o índice chegou a 76,69%.

No primeiro ano de mandato de Pimentel, o problema se aguçou ainda mais. De toda a receita corrente líquida de Minas, 84,07% foi para pagar funcionários da ativa e aposentados. Todos os dados são da Secretaria da Fazenda de Minas. A projeção para 2016 é de um índice de 90,08% e em 2017, de 92,86%.

As finanças de Minas Gerais evoluíram em várias frentes nos últimos anos. Logo que assumiu, em 2003, Aécio baixou um pacote de medidas para cortar gastos. Reduziu o número de secretarias, cortou cargos de confiança, diminuiu o próprio o salário e baixou o teto para todos os salários do Executivo, mapeou milhares de servidores que recebiam mais do que o limite legal e mudou o sistema de compras de governo com o objetivo de reduzir gastos.

Os tucanos deram a essas medidas o nome de “choque de gestão”. Em 2004, Aécio anunciou o resultado: tinha transformado um déficit herdado de R$ 2,4 bilhões em déficit zero. Aécio governou o Estado de 2003 a 2010 e Anastasia, de 2011 a 2014.

Durante quase todo esse período, a economia do Estado acompanhou o ritmo de crescimento da economia do país. Em 2010, Minas chegou a crescer 9,1%. Em 2012, a agência Standard and Poor´s premiou a gestão tucana classificando o Estado como grau de investimento.

Mas o fantasma da conta com pessoal continuava sendo um problema que só crescia. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) estabelece que as despesas com pessoal não podem estourar o teto de 49% da receita líquida corrente. A luz amarela se acende quando atinge o chamado limite prudencial, de 46,55%.

Pelos critérios da legislação, o Estado entrou nessa faixa de prudência em 2015. Naquele ano, as despesas totais com pessoal consumiam 84,07% da receita. Mas pelo critério aceito pela Lei de Responsabilidade Fiscal, Minas apareceu com um índice de 47,91%. Ou seja, dentro do limite prudencial, mas abaixo do teto. Este ano, a despesa mineira de pessoal está em 47,37% da receita.

Essa “mágica” – usada país afora por várias administrações – é possível por causa de brechas legais. Com base na lei, Minas tem tirado da conta despesas que não são computadas como gasto com pessoal para os efeitos da LRF. Em 2006, por exemplo, dos R$ 11,35 bilhões em despesa bruta, o governo de Aécio não computou, para efeito da LRF, gastos como indenizações por demissões e inativos e pensionistas com recursos vinculados. Na época, essa dedução foi de R$ 1,5 bilhão e chegou a 13,2% do gasto bruto com pessoal. Em 2013, com Anastasia, o desconto somou R$ 8,83 bilhões e representava 33% da despesa bruta com pessoal.

Sob Pimentel, entre agosto de 2015 e agosto de 2016 (dado mais atualizado disponível no Tesouro), a despesa não computada foi de R$ 12,2 bilhões.

Ao não computar parte dos gastos com pessoal, Minas ficou abaixo do limite prudencial de 2006 a 2014. A exceção nesse período foi em 2010.

Mas mesmo não computados, esses gastos existem e estrangulam a administração. É por isso que Minas Gerais já não consegue pagar fornecedores e seus funcionários em dia. Desde fevereiro, os salários estão sendo parcelados. O 13º salário também está sendo pago em até três vezes, até o início do ano que vem. Pimentel afirmou que, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, Minas não teria como pagar o 13º salário antes de saldar débitos que já estavam na fila. O decreto de calamidade serviu, segundo ele, para flexibilizar essa regra e quebrar a cronologia exigida.

“Infelizmente, em geral, as contas públicas viraram um faz de conta no Brasil nos últimos tempos”, diz José Roberto Afonso, consultor e especialista em finanças públicas. Segundo ele, a “criatividade fiscal” não foi apenas uma obra isolada do governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) ” como copiou e estimulou a distorção nos governos regionais.”

Deduções permitidas pela legislação fiscal esconderam situação cada vez mais crítica nos gastos com pessoal

Minas e outros Estados em dificuldades, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que também decretaram calamidade financeira, padecem de vários males. Gasto elevado com pessoal é um deles. Afonso diz que, a exemplo de desastres de avião, é sempre um conjunto de erros e distorções que levam a desastres financeiros de governos. “Não se pode esquecer que, além de problemas estruturais com ICMS obsoleto e previdência própria explosiva, recessão e crise de crédito derrubaram a arrecadação.”

Na semana passada, a Standard and Poor´s rebaixou pela terceira vez a nota de crédito de Minas Gerais, agora para B-. O primeiro rebaixamento ocorreu em setembro de 2015, quando o Estado perdeu o selo de grau de investimento. O segundo veio em fevereiro. No último relatório, a agência diz que, apesar dos esforços e apesar de uma melhora em alguns dados, Minas Gerais tem enfrentado dificuldades para estabilizar suas finanças, atrasa pagamentos e alimenta incertezas se honrará o pagamento do serviço de dívidas que tem a vencer nos próximos meses.

José Afonso Bicalho, secretário da Fazenda de Minas Gerais, resume assim o que vê como as causas dos problemas do Estado: aumentos salariais concedidos na gestão anterior; decisões em âmbito federal como a imposição do piso salarial para os professores, tetos salariais elevados de servidores e também os aumentos sucessivos do salário mínimo. E a recessão. “A economia mineira deve decrescer 10% no acumulado de 2015 e 2016”, afirmou.

Quando a economia do país e dos Estados crescia, o aumento dos gastos com pessoal não era um problema tão grande. Só que, com a queda arrecadação, esses gastos viraram calamidade.

Minas arrecadou até a segunda semana de dezembro 79,3 bilhões. Isso representa R$ 10 bilhões a menos do que o que havia sido previsto. A diferença em relação ao ano passado é ainda maior. Em 2015, as receitas somaram R$ 108,6 bilhões. O governo reduziu as despesas em 2016, mas mesmo assim terá mais um déficit.

“Foi com a recessão que certas contas de custeio emergiram, e a mais alta delas é com o funcionalismo e com a previdência”, diz Istvan Kasznar, professor da Ebape/FGV. Para ele, as gestões anteriores poderiam ter segurado mais os gastos quando o país vivia momentos de bonança. “Quando vem uma recessão, salários ficam incompatíveis com a receita”, avalia.

Paulo Vicente Alves, professor de Estratégia da Fundação Dom Cabral, no Rio, reforça: diz que, na época de vacas gordas, como o do boom das commodities, governantes se viram estimulados a gastar mais, aumentar salários e ampliar o quadro de funcionários. “E, de repente, de 2014 para cá, foi preciso rever isso”.

Guilherme Mercês, economista-chefe do Sistema Firjan (Federação das Indústrias dos Rio de Janeiro), insiste num ponto. “Esse comprometimento tão grande da receita com despesas de pessoal era plenamente evitável”, afirma ele, sobre o quadro de Minas. “Só que os gestores estavam num cenário muito bom que não se convenceram que a tempestade estava vindo. Continuaram acelerando as despesas sem contar que as receitas iriam cair.”

Por meio de nota, as assessorias do PSDB e do PP de Minas disseram que os governos tucanos e de aliados “primaram pelo planejamento e pela boa governança”. Lembram que em 2013, diante da crise que se aproximava, Anastasia limitou no governo o uso de carros oficiais, de viagens e de participações em eventos. “Até 2014, o governador e os secretários de Estado de Minas recebiam o segundo menor salário do País”, diz a nota.

Entre 2003 e 2012, a economia de Minas Gerais cresceu, segundo dados do IBGE, entre 2,4% e 5,5%. Em 2010, 9,1%. Houve crescimento também em 2013, mas já como um último suspiro antes da crise, um avanço de 0,7%. Então, em 2014, a economia mineira encolheu 0,5%. Em 2015, primeiro ano de Pimentel, uma retração muito maior: 3,5%, de acordo com o índice de atividade econômica regional calculado pelo Banco Central (o dado do IBGE ainda não foi divulgado). E neste ano, até o primeiro semestre, a queda foi de 2,9% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com o indicador do BC.

Em 2013, as despesas tinham ficado maiores que as receitas em R$ 948 milhões, segundo dados da Secretaria de Fazenda. Era a primeira vez que isso ocorria desde que Aécio tinha anunciado seu déficit zero em 2004.

Em 2014, o resultado negativo foi de R$ 2,1 bilhões, também segundo a secretaria. Em 2015, Pimentel e mandou refazer o projeto orçamentário sob a alegação que de o que recebera superestimava receitas e subestimava despesas. O Orçamento foi revisto e o ano se encerrou com um rombo de R$ 8,9 bilhões entre receita e despesa.

Naquele ano, com o país em crise, Pimentel deu sua contribuição para o aumento de gastos de Minas. Concedeu aos professores reajuste para que seus vencimentos atingissem o piso nacional e sancionou lei que reajustou salário do pessoal da Saúde, do instituto de Previdência e para uma parte de funcionários da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).

Na oposição, PSDB e PP acusaram Pimentel de, apesar da crise nacional, ter inflado a máquina, aumentado cargos de alto escalão, mantido cargos de comissão e concedido aumentos para setores do funcionalismo sem saber se teria dinheiro. Os partidos também criticam o pagamento de jetons e salários vultosos para altos funcionários.

Em 2016, o buraco entre receita e despesa deverá ficar em cerca de R$ 5 bilhões. Este ano, no entanto, receitas e despesas estão em queda em relação ao ano passado.

Até o fim da semana passada, o valor total das receitas deste ano estava em R$ 79,9 bilhões. A previsão era fechar o ano com R$ 89,9 bilhões. As despesas liquidadas até agora estão em R$ 74,1 bilhões. No ano passado, foram de R$ 80,79 bilhões, conforme o site Transparência.

Mesmo assim, há um buraco orçamentário. Isso porque a Secretaria da Fazenda compara o valor arrecadado (R$ 77,36 bilhões) com as despesas empenhadas (R$ 81,8 bilhões). O ano deve terminar com uma diferença em torno dos R$ 5 bilhões. Em 2015, foi de R$ 8,9 bilhões, dos quais R$ 6 bilhões são de gastos com inativos e pensionistas.

Em 2006, entraram no caixa do Estado R$ 32,6 bilhões e, em 2015, R$ 108,6 bilhões. No mesmo período, a despesa total saiu de R$ 31,33 bilhões e chegou aos R$ 80,79 bilhões. As duas contas não pararam de crescer ano após ano. Esta é a primeira vez em dez anos que receita e despesa estão em queda.

A economia de Minas Gerais é movida, sobretudo, pelo setor de serviços. Entre 2012 e 2014, o peso do segmento ficou sempre perto dos 65%. Mas foi a indústria, também importante para o Estado, quem primeiro sofreu.

Usiminas, ArcelorMittal e Gerdau, entre outras siderúrgicas com plantas em Minas, viram a demanda por aço despencar. A Fiat, cuja principal fábrica também está no Estado, passou a amargar uma retração profunda nas vendas. Embora com um efeito mais limitado, a paralisação da mineradora Samarco também gerou impacto na economia mineira.

Em meio a tantos desequilíbrios, os restos a pagar explodiram. Entre 2007 a 2015, as contas deixadas para o ano seguinte oscilaram quase sempre abaixo ou um pouco acima dos R$ 2 bilhões. O valor pago este ano foi de R$ 3,76 bilhões.

Dias depois de ter decretado calamidade financeira, Pimentel participou de uma reunião com o presidente Michel Temer (PMDB) sobre a situação crítica de Minas. Um projeto de socorro aos Estados foi enviado à Câmara.

Para alguns economistas, como Guilherme Mercês, para os Estados – entre eles Minas – saírem do estado caótico de gastos excessivos com pessoal só há um caminho. “É inevitável quebrar o paradigma e começar a fazer demissão de funcionários públicos e aumentar a contribuição dos servidores aposentados. Cortar comissionados e terceirizados não adianta mais.”

Mas que governante no país tem disposição para cogitar isso? O assunto não passa nem perto dos gabinetes do Palácio da Liberdade, sede do governo mineiro. (Colaborou Marta Watanabe)

Fonte: Valor

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