Veja como a crise institucional impacta a economia
A economia brasileira já sofre com a crise institucional. As ameaças às eleições e aos demais poderes elevam a percepção de risco dos investidores em relação ao país e prejudicam uma retomada mais robusta da atividade econômica, afirmam analistas.
A tensão institucional se soma ao debilitado quadro fiscal do Brasil e à dúvida sobre a qualidade das reformas econômicas que o governo Bolsonaro pode aprovar no Congresso.
Hoje, os analistas já colocam um freio nas projeções mais otimistas para crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano e começam a revisar para baixo as previsões econômicas para 2022.
No relatório Focus do Banco Central, que colhe a avaliação de uma centena de economistas, as previsões para o PIB de 2021 estão em 5,28% e, para 2022, em 2,04% – há quatro semanas, a projeção era de 2,1%.
Em 2020, o PIB do Brasil despencou 4,1%. “Tem uma recuperação relevante neste ano, saímos do buraco”, afirma José Roberto Mendonça de Barros, economista e sócio da consultoria MB Associados. “Entretanto, todos os analistas concordam que o crescimento do ano que vem vai voltar para a mediocridade”, diz.
“Quanto mais a incerteza ocorre, menos investimento o país vai ter. Você joga para o próximo mandato a árdua tarefa de trazer o crescimento”, afirma Mendonça de Barros, que foi secretário de Política Econômica do governo Fernando Henrique Cardoso.
A MB Associados estima uma alta do PIB de apenas 1,4% para 2022.
Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências, também alerta para um cenário mais desfavorável neste e no próximo ano. “Projetamos um PIB de 5% para 2021 e de 2% para 2022. Mas, diante desse conjunto de elementos (políticos), existe um viés para termos um cenário mais adverso.”
O ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore é ainda mais enfático: “Não há dúvida nenhuma de que, em 2022, que é um ano complicado por conta das eleições, nós vamos ter um crescimento muito baixo, com taxas de juros reais altas e com a inflação ainda acima da meta durante todo o ano. Em resumo: o governo conseguiu gerar um grande grau de desorganização na economia.”
Para Pastore, isso significa que o país vai crescer abaixo do potencial no próximo ano. Ou seja, menos de 2%. “É um quadro muito preocupante.”
No sábado, Bolsonaro disse que Moraes e Luís Roberto Barroso, também ministro do STF e presidente do TSE, extrapolam os limites constitucionais, e afirmou que pedirá ao Senado a abertura de um processo para investigar os dois. Na segunda-feira, o procurador-geral da República, Augusto Aras, informou ao STF que determinou a abertura de uma apuração preliminar para avaliar se a conduta de Bolsonaro nos ataques ao sistema eletrônico de votação configura crime. “Instituições, na verdade, são as regras do jogo. Se elas são fracas, as regras do jogo mudam. E se as regras do jogo mudam, o risco é maior. E isso é negativo do ponto de vista econômico”, afirma Pastore, que é sócio da consultoria A.C. Pastore.
“Há ainda um segundo efeito: um governo excessivamente envolvido numa briga institucional, numa crise institucional como essa, tem menos energia despendida em cima de mudanças de política econômica ou de ações de política econômica que permitam à economia ter um desempenho melhor.”
Pastore foi um dos economistas que assinaram um manifesto em defesa das eleições e da Justiça Eleitoral. Ambiente perverso As falas do presidente contra o sistema eleitoral aumentam a percepção de incerteza em relação à economia brasileira.
Na prática, cria-se um ambiente bastante perverso: a incerteza impede a queda do dólar. Com isso, a inflação não recua, o que obriga o Banco Central a subir a taxa básica de juros, a Selic, para conter a alta dos preços, prejudicando o desempenho da atividade.
Em 12 meses, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de quase 9%. Em agosto, o Comitê de Política Monetária aumentou a Selic em 1 ponto percentual, para 5,25% ao ano, e já indicou que deve promover um aumento de mais 1 ponto na próxima reunião, em 22 de setembro.
No mercado, as projeções indicam que a Selic vai encerrar 2021 em 7,5%. Em janeiro, estava em 2%, o menor patamar da história. “O fato dessa percepção de risco estar mais elevada se traduz, por exemplo, em um câmbio mais depreciado. Com o câmbio mais depreciado, a gente tem uma inflação elevada e aí o Banco Central tem de subir juros e isso reduz o PIB”, afirma Alessandra, da Tendências.
“O BC deve elevar a Selic até 7,5% ao final deste ano, mas há o risco de ele andar um pouco mais ao longo do ano que vem”, diz Alessandra. “O resultado seria uma atividade econômica mais fraca, com efeitos em variáveis sensíveis como, por exemplo, no mercado de trabalho.”
A taxa de desemprego ficou em 14,6% no trimestre encerrado em maio, o segundo maior patamar da série histórica, iniciada em 2012. São 14,8 milhões de pessoas à procura de uma vaga. Incerteza fiscal A crise institucional se soma ainda ao quadro de incerteza fiscal do país.
Na última sexta-feira, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, admitiu que as propostas de parcelamento de precatórios e de reajuste nos programas sociais geraram “ruído” no mundo financeiro e impactaram os preços de ativos (como dólar e o índice da bolsa de valores). “Quando se faz o que está sendo proposto, de dividir o pagamento, com o famoso devo não nego, pago quando puder, é um calote, sim. Isso evidentemente é choque para os analistas e, particularmente, para os mercados”, diz Mendonça de Barros.
“Se o governo insistir e aprofundar a quebra de regras, o câmbio vai depreciar mais. Dá mesma forma, se ele voltar a ser nunca foi totalmente fiscalmente responsável, o real vai se valorizar e ajudar um pouco a perspectiva do Banco Central com a taxa de juros, porque uma valorização ajudaria a derrubar a inflação”, complementa Pastore.
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