Um semestre para ser esquecido
Conforme apontado pelo jornal inglês “Financial Times”, os investidores em títulos de renda fixa negociados no mercado americano tiveram o pior primeiro semestre desde 1994. No Brasil, desconsiderando os efeitos provocados por calotes, “tablitas” e outros expedientes heterodoxos que eram usados como complemento dos planos econômicos lançados para tentar debelar a hiperinflação, os aplicadores em títulos de renda fixa tiveram o pior semestre da história.
Nos Estados Unidos, o parâmetro de referência “Barclays US Aggregate Capital Index” recuou 2,55% entre o início de janeiro e o fim de junho deste ano. Por aqui, o índice IMA-Geral – que mede o desempenho de todos os títulos públicos negociados no mercado – caiu 2,67% no mesmo período.
As perdas com aplicações em títulos de renda fixa nos mercados mais desenvolvidos incomodam os investidores, mas não chegam a surpreender. Como já faz tempo que a maior parte dos papéis negociados são de longo prazo, os aplicadores terminaram por ganhar familiaridade com as oscilações das cotações. A regra é que quando os juros de mercado sobem, o valor presente dos ativos diminui.
Imagine uma aplicação que promete pagar R$ 1 mil daqui a 900 dias úteis, prazo de cerca de três anos e meio. Se os juros de mercado estão em 8,5% ao ano, o preço de negociação do título é de R$ 747. No entanto, se os juros sobem para 11% ao ano, o valor da aplicação cai para R$ 689. Quanto maior o juro, menor é o desembolso imediato que o investidor precisa fazer para conseguir acumular a mesma quantia no futuro. Isso porque, com taxas maiores, o rendimento das aplicações financeiras será mais elevado.
Uma forma mais simples de analisar o mecanismo que define o comportamento do preço de mercado dos títulos de renda fixa – e, consequentemente, o rendimento do investidor – é imaginar os efeitos que a oferta e a demanda pelos títulos exercem sobre as cotações.
Como em qualquer mercado, se existem poucas alternativas disponíveis e muito dinheiro para ser investido, o preço do ativo sobe. E o inverso ocorre se a demanda dos investidores é baixa e a oferta de papéis é alta.
Nos Estados Unidos, a ação do Fed, o banco central americano, provocou a redução da oferta de papéis de renda fixa disponíveis para os investidores. Foi o chamado estímulo monetário, frequentemente mencionado pelas autoridades brasileiras e nas discussões especializadas. O resultado dessa política foi a queda dos juros nos Estados Unidos para patamares historicamente muito baixos. Foi o efeito de muita demanda dos aplicadores e da pouca oferta das instituições financeiras.
Os juros mais baixos dos títulos americanos acabaram refletindo no mercado brasileiro, mesmo que de forma indireta. No início de janeiro, por exemplo, o Tesouro Nacional conseguia vender papéis prefixados com vencimento em 2017 com taxa de 8,5% ao ano. Os títulos corrigidos pela inflação tinham prazo de vencimento mais longo e taxa de cerca de 4% ao ano mais a variação dos índices de preços.
Em um ambiente de otimismo com o desempenho da economia brasileira, era natural que os investidores alongassem o prazo das aplicações. O objetivo era aproveitar a oportunidade de garantir as taxas relativamente elevadas que eram oferecidas pelos títulos públicos por um longo período. Nesse cenário, quanto maior o prazo do título, maior a rentabilidade esperada.
Além disso, havia um lucro contábil imediato. Os papéis que tinham sido comprados há mais tempo ficavam relativamente mais baratos do que os que estavam sendo vendidos mais recentemente.
Como é comum nos momentos de otimismo, alguns excessos foram cometidos. No campo macroeconômico, a noção de que os principais problemas brasileiros estavam no caminho de serem solucionados e de que tudo se resumia a uma questão de perseverança foi duramente abalada com as manifestações populares. Agora, a dimensão dos problemas parece maior.
A reação foi imediata. Hoje, a Nota do Tesouro Nacional da série B Principal (NTN-B Principal), indexada ao IPCA e com vencimento em 2035, é negociada por 5,5% ao ano, aumento de 1,5 ponto percentual.
Como o prazo do título é longo, o impacto na queda do valor de mercado é mais alto. Os investidores que compraram o título no início do ano desembolsaram cerca de R$ 900 por cada papel. Hoje a aplicação vale pouco mais de R$ 700. Com o tempo, essa perda deverá ser revertida. Mas quem não puder esperar até o resgate terá que administrar o prejuízo.
No mercado internacional, a simples sinalização de que o Fed poderia reduzir o montante do programa de recompra de títulos foi suficiente para provocar uma alta expressiva dos juros. Aqui no Brasil, a preocupação imediata é com a atuação do Banco Central, que sinaliza a continuidade do aumento da taxa Selic para combater a inflação. Esse é o pano de fundo que explica a mudança da curva de juros e os prejuízos dos investidores.
Marcelo dAgosto é economista especializado em administração de investimentos.
Fonte: Valor