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Um projeto de lei inconveniente

O Brasil não tem uma lei específica para os empréstimos bancários. Também não tem uma lei para regular a venda de automóveis. Nem uma lei dos cartões de crédito. Não tem, nem precisa.
A razão disto é que nossa tradição jurídica prefere usar os códigos para regulamentar de forma genérica as atividades econômicas e empresariais, dando-lhes os contornos maiores, mas deixando uma ampla liberdade de negociação para os envolvidos nos diferentes tipos de negócios e atividades socioeconômicas.
É assim que grosso modo, no País, as relações empresariais e comerciais giram com bastante eficiência, balizadas principalmente pelo Código Civil, pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Código Comercial, complementados mais raramente por leis específicas, destinadas a regular um determinado tipo de negócio.
Mesmo pautando nosso direito pelo uso dos códigos, temos um verdadeiro cipoal legal, conseqüente de uma enxurrada de leis votadas invariavelmente das formas mais estranhas e atabalhoadas, motivadas por razões as mais inacreditáveis ou por comoções de momento.
O drama é que a lei nova costuma ser pior do que a lei anterior. E o resultado é o crescente clima de insegurança jurídica que permeia nossas vidas e atrapalha faz tempo o desenvolvimento nacional e as relações sociais, com o Judiciário pagando uma conta que não é sua – ou só sua- em função de uma legislação ruim, casuística ou feita por quem não entende da matéria.
Agora mesmo um projeto de lei tramita pelo Congresso Nacional, visando criar uma “lei dos seguros”, como se isso fosse indispensável para regular os negócios entre as seguradoras e os segurados. Porém, nada mais equivocado.
As relações entre seguradoras e segurados são bem reguladas pelo capítulo especial destinado a elas no Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor, nos casos em que ele é aplicável.
Ir além disto é tolher de forma desnecessária a criatividade do setor, além de engessar o mercado em patamares anacrônicos e que encarecem as apólices, pautados não se sabe bem por quais experiências, sugestões ou exemplos.
Este projeto de lei não deveria ter nascido, mas como no caldeirão do Congresso, principalmente na Câmara dos Deputados, tudo é possível, ele está aí desde 2004.
Houve um instante em que ele parecia enterrado, mas misteriosamente ressuscitou, ameaçando um setor que tem apresentado altas taxas de desenvolvimento, gerando significativa poupança interna e criando o cenário de proteção indispensável para o crescimento sustentável da sociedade brasileira.
Como se não bastasse, o projeto de lei pretende modificar as disposições recentemente aperfeiçoadas pelo Código Civil e as garantias dadas pelo Código de Defesa do Consumidor.
Vale lembrar que o Código Civil Brasileiro é fruto do trabalho do grande jurista Miguel Reale e de discussões por mais de dez anos no Congresso Nacional, onde sofreu modificações e aperfeiçoamentos, antes de ser votado e entrar em vigor.
Quanto ao Código de Defesa do Consumidor, se alguma lei influiu positivamente na mudança dos usos e costumes e criou um novo cenário nas relações negociais brasileira, esta foi indubitavelmente ele.
Um projeto de lei que está longe de encontrar suporte entre os principais players do mercado pretende modificar leis, que foram longamente discutidas e que criaram um novo cenário nas relações empresariais e comerciais, é no mínimo temerário.
É importante salientar que, entre as principais nações contratadoras de seguros do mundo, países aonde este mercado é maduro faz tempo, só uns poucos – e os menos representativos – têm leis neste sentido.
Não porque eles não zelem pela transparência destas relações, mas porque as tipicidades deste mercado, fortemente ancoradas em contratos de resseguros internacionais, apontam as normas genéricas como as mais indicadas para balizar seu funcionamento. Ir na direção contrária é mais uma vez condenar o Brasil a andar para trás.

Fonte: O Estado de São Paulo

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