Se falou, tem de provar
A Unibanco Seguros foi condenada a pagar 50 salários-mínimos (R$ 18,75 mil) a Paulo Marques Coleta por acusá-lo de má-fé. A decisão foi tomada pela 34ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Segundo decisão da desembargadora Cristina Zucchi, a empresa deve indenizar o cliente por danos morais por não pagar o prêmio do seguro que ele tinha direito. A Unibanco disse que Coleta agiu de má-fé, mas não conseguiu provar a acusação.
A seguradora se recusou a pagar a indenização, alegou-se simplesmente que o segurado não teria direito ao valor do seguro pois teria feito declarações inverídicas, quando da contratação. No entanto, pelo que se verificou nos autos, quem faltou com a verdade foi a seguradora, utilizando-se de subterfúgios para se esquivar de seu dever, obrigando o segurado a percorrer longo e tormentoso caminho na busca de seu direito, afirmou a desembargadora.
Para ela, reconhece-se o dano moral, uma vez que o segurado sofreu constrangimento desnecessário com a afirmação da seguradora de que agira de má-fé. Tal ofensa irrogada sobre pessoa de bem, e sem a devida prova, é ato que se constitui em dano moral, que deve ser indenizado.
O TJ paulista manteve o valor da condenação estabelecido em primeira instância. Reduzir o valor retiraria todo o seu caráter pedagógico, na medida em que a fixação, em casos como o presente, também pretende evitar que situações semelhantes tornem a ocorrer, indicando que a fornecedora dos serviços deve se valer dos cuidados necessários a fim de que o foro íntimo de outrem também não seja ofendido.
A decisão torna possível o dano moral na recusa pelo pagamento de seguro. O acórdão manda um aviso às seguradoras para que tomem mais cuidado no momento de recusar uma indenização securitária, sem qualquer prova de suas alegações, diz o advogado
Cláudio Moreira do Nascimento, que defendeu o cliente.
Leia decisão:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO – 34ª Câmara
APELAÇÃO C/ REVISÃO Nº. 933899- 0/2
Comarca de SÃO PAULO 9. V. CÍVEL
Processo 301962/00
APTE: UNIBANCO SEGUROS S/A
APDO: PAULO MARQUES COLLETTA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os desembargadores desta turma julgadora da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça, de conformidade com o relatório e o voto do relator, que ficam fazendo parte integrante deste julgado, nesta data, deram provimento parcial ao recurso, por votação unânime.
Turma Julgadora da 34ª Câmara
RELATOR: DES. CRISTINA ZUCCHI
REVISOR: DES. EMANUEL OLIVEIRA
3° JUIZ: DES. GOMES VARJÃO
Juiz Presidente: DES. GOMES VARJÃO
Data do Julgamento: 14/02/07
Des. Cristina Zucchi
Relator
Voto nº 5076
Apelante: UNIBANCO SEGUROS S/A
Apelado: PAULO MARQUES COLLETTA
Comarca: São Paulo 9ª V. Cível (Proc. 301962/00)
EMENTA:
SEGURO AUTOMÓVEL NÃO COMPROVADO QUE A APÓLICE DE SEGURO CONTRATADA É DO TIPO “PERFIL” INDENIZAÇÃO DEVIDA DANOS MORAIS CONFIGURAÇÃO ARBITRAMENTO DENTRO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE JUROS DE MORA INCIDÊNCIA DOS JUROS LEGAIS, NOS TERMOS DO ART. 1.062 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
Apelação parcialmente provida.
Trata-se de apelação (fls. 102/110, com preparo a fls. 111), interposta contra a r. sentença de fls. 93/94, cujo relatório se adota, proferida em ação de cobrança, fundada em contrato de seguro de veículos, julgada procedente.
Alega a apelante, em síntese, que o seguro contrato é do tipo “perfil”, pelo qual a seguradora se baseia nas informações prestadas pelo segundo para o cálculo do prêmio do seguro, não se tratando de limitação do uso do veículo, mas de contratação de um seguro mais barato. Aduz que o local do risco foi a cidade de Limeira e, com base nos sinistros da região, o pagamento do prêmio foi menor, pois os riscos são significativamente menores que na Capital de São Paulo. Argumenta que a cobertura é válida para todo o território nacional, mas o segurado informou que o veículo seria utilizado, principalmente, na cidade de Limeira/SP; no entanto, o automóvel em utilizado na cidade de São Paulo pelo filho do segundo. Indica que o segundo prestou informações detalhadas sobre a utilização do veículo, não podendo negar conhecimento dos termos do contrato firmado. Assevera não se tratar de cláusula abusiva e que prestar informações incorretas, a fim de obter vantagem indevida do seguro, implica em perda do direito à indenização, nos termos do art. 1.444 do Código Civil de 1916, unia vez que vicia o contrato pela informação incorreta, modificando, para menor, o cálculo do prêmio devido. Afirma não ter ocorrido o alegado dano moral e que a negativa do pagamento da indenização se deu de acordo com as condições do seguro contratado e pela legislação vigente. Assim, bate-se pela improcedência da ação. Alternativamente, requer seja diminuída a indenização por dano moral, fixada em 50 salários mínimos, superior ao valor da indenização decorrente do furto do veículo (R$ 21.000,00), para cinco salários mínimos, e incidência de juros de 0,5% ao mês e não 1%, como fixado na r. sentença, em conformidade com o art. 1.062 do Código Civil de 1916.
O recurso foi recebido no duplo efeito (fls. 112).
Contra-razões a fls. 113/116, pugnando pela condenação da apelante por litigância de má-fé.
É o relatório.
Não há que se falar em litigância de má-fé. Trata-se de natural irresignação contra decisão desfavorável, não se vislumbrando intuito exclusivamente procrastinatório com a interposição do presente recurso.
Em que pese toda a argumentação da seguradora-apelante, não há nos autos efetiva comprovação de que a apólice de seguro contratada é do tipo “perfil”. Aliás, não há nos autos sequer qual teria sido o “perfil” do segurado, indicado por este, quando da contratação. Ficou tudo no terreno das alegações.
Também não há comprovação de que o segundo tivesse afirmado que o automóvel seria utilizado, principalmente, na cidade de Limeira/SP. Por outro lado, nem há indicação efetiva de que o carro fosse utilizado exclusivamente na cidade de São Paulo e pelo filho do segundo, apenas e tão-somente consta dos autos que, quando do sinistro, o veículo foi furtado nesta Capital e que estava sendo conduzido pelo filho do apelado, nada mais.
O fato de constar como Município de risco a cidade de Limeira/SP (fls. 38) não implica, necessariamente, que o veiculo não possa circular na Capital do Estado, ou mesmo em qualquer cidade de outros Estados do Brasil. Ao contrário, constata-se a fls. 45 que o contrato de seguro prevê cobertura válida para todo o território nacional, “salto expressa menção em contrário”, cuja existência de tal exceção não foi demonstrada nestes autos.
Portanto, inviável falar-se em perda do direito ao valor do seguro, nos termos do art. 1.444 do Código Civil de 1916, urna vez que não foi demonstrado nos autos que o segurado tivesse feito declarações inverídicas ou omitido circunstâncias que tivessem influído na aceitação da proposta ou diminuição do prêmio devido.
Assim, segundo os elementos constantes dos autos, patente o dever de indenizar, tendo em vista o sinistro verificado.
Com relação ao dano moral, verifica-se que estes não decorreram do simples inadimplemento contratual, mas pela situação vexatória criada pelo descaso e menosprezo da seguradora no momento em que deveria proceder ao pagamento da indenização.
A correspondência de fls. 18, na qual a seguradora se recusou a pagar a indenização, alegou-se simplesmente que o segundo não teria direito ao valor do seguro, pois teria feito declarações inverídicas, quando da contratação. No entanto, pelo que se verificou nos autos, quem faltou com a verdade foi a seguradora, utilizando-se de subterfúgios para se esquivar de seu dever, obrigando o segundo a percorrer longo e tormentoso caminho na busca de seu direito.
Assim, reconhece-se o dano moral, uma vez que o segundo sofreu constrangimento desnecessário com a afirmação da seguradora de que agira de má-fé. Tal ofensa irrogada sobre pessoa de bem, e sem a devida prova, é ato que se constitui em dano moral, que deve ser indenizado.
A condenação em 50 salários mínimos não se mostra exagerada. Reduzir o valor retiraria todo o seu caráter pedagógico, na medida em que a fixação, em casos como o presente, também pretende evitar que situações semelhantes tomem a ocorrer, indicando que a fornecedora dos serviços deve se valer dos cuidados necessários a fim de que o foro íntimo de outrem também não seja ofendido.
Relativamente aos juros, assiste razão à apelante uma vez que deve incidir no caso o disposto no art. 1.062 do Código Civil de 1916, já que, não tendo sido convencionados, devem incidir os juros legais.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou parcial provimento ao recurso, nos termos do acórdão.
Cristina Zucchi
Relatora
Revista Consultor Jurídico, 6 de março de 2007
Fonte: Revista Consultor Jurídico