Saúde – pagamento em dobro
Ricardo Ferrari*
Em edição de 5/7, o jornal O Estado de S. Paulo divulgou reportagem sobre o ressarcimento das operadoras de saúde ao Sistema Único de Saúde (SUS), na qual foram abordados os pontos de vista do governo e das operadoras sobre a questão.
Contudo não foi demonstrado pela aludida reportagem o lado que nos parece mais importante, ou seja, o que representa o ressarcimento ao SUS para os beneficiários de planos de assistência à saúde.
Não é segredo algum que os indivíduos que possuem condições econômicas para contratar um plano de assistência à saúde o fazem única e exclusivamente em razão da péssima qualidade do serviço público. Ou seja, os beneficiários de planos de saúde pagam duas vezes para ter atendimento à saúde, uma para o governo, por meio dos tributos e contribuições, e outra para a operadora escolhida, com o pagamento da mensalidade.
O ressarcimento ao SUS, por sua vez, nada mais é que a cobrança efetuada pelo Estado às operadoras do valor referente ao tratamento efetuado por um de seus beneficiários no sistema público de saúde. Quando tal tratamento, por estar coberto pelo contrato firmado entre o beneficiário e a operadora, poderia ter sido prestado pela operadora.
Ocorre que sob o ponto de vista dos beneficiários de planos de assistência à saúde não faz nenhum sentido a cobrança do ressarcimento ao SUS. Isso porque não é segredo para ninguém que a operadora de saúde, ao ser obrigada a pagar pelo atendimento prestado pelo SUS a seus beneficiários, sofre um aumento em seu custo, o que inegavelmente acabará por onerar as mensalidades.
Ou seja, o beneficiário, que já paga o serviço público de saúde e não o utiliza em razão da sua precariedade, tem a sua mensalidade do plano de saúde aumentada pelo ressarcimento.
Frise-se que a utilização ou não do plano de saúde pelo beneficiário é uma decisão que somente cabe a este, não podendo o Estado `puni-lo` por utilizar o sistema público, quando ele já sustenta a saúde pública por meio de tributos e contribuições. Se o beneficiário optar por utilizar o sistema público por livre e espontânea vontade, aliás, como no caso descrito na referida reportagem, não faz sentido algum ser este punido com o aumento inevitável das mensalidades.
Além disso, obviamente que as operadoras de saúde já consideram quando da elaboração de seu custo, por meio de cálculos atuariais, a utilização média de determinada população. Nesta utilização média já é computado que diversos beneficiários, em determinados casos, optam, muito embora possuam plano de saúde, por realizar alguns procedimentos no sistema público, excluindo assim da formação do seu preço o custo destes procedimentos.
Com o ressarcimento, contudo, o beneficiário que, nunca é demais lembrar, já paga o serviço público, terá ainda acrescido ao valor da mensalidade o custo do ressarcimento, como se não pudesse mais, simplesmente porque foi obrigado a adquirir um plano de saúde, utilizar o serviço público. Neste ponto, é importante lembrar que a carga tributária do beneficiário não diminui por ele não utilizar o sistema público.
Resultado é que o ressarcimento nada mais significa que imputar ao beneficiário dos planos de assistência à saúde um novo custo. E, pior, custo este pelo qual ele já pagou por meio dos tributos e contribuições.[1]
Infelizmente, mais uma demonstração do Estado brasileiro de pouco-caso com o cidadão, além de sua sanha arrecadatória.[1]
Aliás, de pouco-caso com toda a população, já que, ante o aumento do custo dos planos de saúde, seguramente muitas pessoas que hoje podem contribuir para um plano não mais poderão e serão obrigadas a retornar ao serviço público de saúde, tornando este ainda mais precário, inclusive para aqueles que não dispõem da opção de recorrer ao sistema de saúde suplementar.
*Ricardo Ferrari é advogado
Fonte: O Estado de São Paulo