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Reformas e meta de inflação: o bom como inimigo do razoável – Artigo

Quando os agentes econômicos já vislumbravam a possibilidade de início de um ciclo virtuoso movido por reformas estruturais, queda do juro real, recuperação do crescimento, queda do desemprego e melhoria das contas públicas, o país foi abatido por mais uma crise política.

Caso o impasse político cause a total paralisia da agenda de reformas até 2019, o mercado tende a sistematicamente antecipar as dificuldades que o próximo presidente enfrentará (por exemplo, para o cumprimento do teto de gastos), e quando o ambiente externo estiver menos favorável do que atualmente, veremos mais claramente as consequências de tal paralisia.

Não há dúvida que idealmente a aprovação de uma reforma previdenciária robusta e trabalhista intacta muito ajudariam a reduzir a percepção de risco de médio prazo e aumentaria a confiança dos investidores acerca da perspectiva da economia brasileira. Porém, se o consenso político for apenas ao redor de uma agenda menos ambiciosa, algum avanço tende a ser melhor para limitar as incertezas e a queda na confiança do que simplesmente esperar 2019 chegar.

Nossa avaliação no momento é que a maior parte dos investidores conta com a aprovação da reforma trabalhista pouco alterada e com a possibilidade de aprovação da reforma da Previdência em formato bastante diluído (possivelmente apenas a idade mínima). Embora longe do ideal (pois novos ajustes continuarão sendo inevitáveis no futuro), tal cenário ao menos evita a paralisia e aponta na direção correta, de melhoria incremental.

Com tanta incerteza política parece essencial minimizar as dúvidas na área econômica para resguardar a incipiente recuperação econômica. Com efeito, a combinação de excelente safra agrícola e ampliação de renda disponível (impulsionada pela forte queda da inflação de alimentos e liberação de recursos do FGTS) sustentou a economia neste primeiro semestre de 2017, mas na margem esses efeitos se dissipam e devem até ser parcialmente revertidos no final do ano. Até recentemente era razoável supor que a queda do juro real e o aumento na confiança (estimulando o “espírito animal” dos empreendedores) promoveriam a expansão dos investimentos, os quais passariam a liderar o processo de expansão econômica.

É difícil manter a convicção na expansão dos investimentos, pois os sinais de impacto negativo na confiança começam a surgir e os juros reais se elevaram após o início da crise política. Quanto mais se prolongue a incerteza (política e econômica) mais negativo tenderá a ser o impacto sobre a esperada recuperação econômica anteriormente vislumbrada para 2018.

O comportamento dos juros reais dos títulos vinculados à inflação do governo federal ajudam a explicitar o impacto das incertezas e os desafios aos investimentos. O comportamento dos juros reais em um título do governo de prazo de cinco anos no período de sete anos (sempre o juro do título mais próximo de cinco anos é utilizado) pode ser considerado como uma base para o custo de oportunidade de um novo investimento na economia real e é sensível ao ciclo econômico. Com exceção de um breve interlúdio em 2012 (quando a Selic foi reduzida mesmo com inflação claramente acima do centro da meta), os juros reais de médio prazo têm permanecido ao redor de 6%, mesmo em cenários bastante distintos.

Este ano, uma tendência de queda vinha se consolidando e os juros reais de mercado ameaçavam romper a barreira dos 5% de forma mais sustentável, mas após a recente crise política voltamos a se aproximar dos 6% reais. Isso ocorre em um momento (diferentemente de períodos anteriores), em que as expectativas de inflação encontram-se ancoradas na meta para o período (cinco anos) ou até abaixo do centro da meta para períodos mais curtos.

Claramente, as dúvidas sobre a extensão da crise política e seu eventual impacto sobre a agenda reformista (com consequências sobre a sustentabilidade das contas públicas e do crescimento) são os principais elementos levando os investidores a demandarem maior prêmio nos juros reais. Uma inflação corrente muito baixa (por vezes indevidamente extrapolada para o futuro) também pode contribuir para elevar o juro real esperado. Finalmente, vale acrescentar que em breve o Conselho Monetário Nacional (CMN) irá fixar a meta de inflação para 2019 e como mostra a pesquisa Focus, o mercado já projeta uma provável redução do centro da meta para 4,25% (ante os 4,5% fixados para 2018), ancorando suas projeções neste nível.

No ambiente registrado antes de maio, quando a confiança na aprovação das reformas era crescente e as incertezas eram reduzidas de forma consistente parecia de fato um desperdício não se valer da queda na inflação de 2017 e na ancoragem das expectativas para iniciar uma convergência da meta de inflação para patamares mais próximos de outros emergentes. Porém, já que as incertezas são muito maiores e, portanto, o custo de reduzir a inflação de 2018 (4,6% na última projeção oficial do BC e 4,4% no consenso de mercado) para 2019 (4,25%) parece menos trivial e também pode sustentar um maior prêmio de risco na curva de juros.

O ambiente externo amistoso torna menos dramático o impasse político domestico, mas esse cenário não deveria ser extrapolado no tempo, inclusive porque o prêmio de risco em elevação (refletido em desconfiança e maior juro real) tende a corroer as bases da incipiente recuperação econômica o que em última instância alimentará a crise política.

Na ausência de estresse externo (e portanto na taxa de câmbio aqui) e com titubeante recuperação econômica o BC poderá cortar mais o juro do que o mercado atualmente projeta, mas além de contar com “sorte”, um conteúdo mínimo da agendar reformista e alguma ousadia dos formuladores da política econômica serão essenciais para atravessarmos a “pinguela”.

Fonte: Valor

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