Quando elas dão as ordens
Por Angelo Pavini
30/03/2007
Apesar da crescente participação na economia, as mulheres são ainda minoria no mercado de ações. Elas representam pouco mais de 21%, ou 51 mil acionistas em um universo de 234 mil investidores na Bovespa. Mas, no mercado, começam a surgir iniciativas para aumentar o número de investidoras. Depois do “Mulheres em Ação”, programa educativo da bolsa criado em 2003 e que já mobilizou em palestras e cursos mais de 20 mil participantes, o movimento começa a ganhar força nas corretoras. Hoje, a Corretora Gradual lança, em evento na Bovespa, um clube de ações voltado para as mulheres com foco na educação sobre o mercado de capitais.
Há vários clubes de mulheres no mercado, formados por grupos de amigas que se reúnem para investir em ações. Mas carteiras abertas, onde qualquer mulher pode aplicar, há apenas um da Concórdia Corretora e, agora, o da Gradual, que inova com o foco na educação. A iniciativa é de Fernanda de Lima, que hoje comanda a Gradual e cujo sonho era ser professora. Após se formar em matemática, chegou a dar aulas enquanto fazia um segundo curso, de economia. Mas a ligação com o mercado financeiro – o pai era corretor – a levou para outros caminhos, para outros bancos que não os escolares, como JP Morgan e Merrill Lynch em Londres e Nova York. Agora, ela quer realizar o sonho transformando a corretora que dirige em um centro de ensino para investidores. Especialmente as mulheres.
O clube Gradual Mulher na Bovespa começa com a própria Fernanda e um grupo de nove amigas e funcionárias da corretora. O objetivo é usá-lo como uma escola de mercado, com palestras voltadas para o público feminino. A aplicação mínima no clube – que tem taxa de administração de 2% ao ano – será de R$ 200,00, mas as palestras serão abertas, afirma Fernanda. “Esse percentual de 21% de mulheres no mercado é muito pequeno, tem espaço para crescer.”
Além de contar com uma mulher no comando, a Gradual já tem uma boa experiência junto ao público feminino. É dela um dos maiores clubes de investidoras do mercado, o Entre Amigos. Criado por um grupo de 14 supervisoras de ensino há seis anos, o clube conta hoje com 60 integrantes e um patrimônio de R$ 700 mil. “No começo, foi difícil acalmar as investidoras, que entravam em desespero quando a bolsa caía”, diz Doraci Julia, a Dorinha, que cuida dos clubes da Gradual. “Pegamos um período muito complicado, com atentados nos Estados Unidos e eleição do Lula”. Até 2005, Dorinha se dedicou a ensinar as investidoras. Hoje, são as participantes que ligam para dar dicas e pedir a compra e a venda dos papéis.
O lançamento do clube hoje às 8 horas na Bovespa contará com uma palestra de Eliana Bussinger, professora da Fundação Getulio Vargas, sobre renda variável no planejamento financeiro. Dorinha vai ser a responsável pelo Gradual Mulher. A proposta, além das palestras, é fazer reuniões periódicas com as investidoras para falar das estratégias e do mercado de ações. “Quem for se destacando e se interessar poderá passa a fazer parte do grupo que toma as decisões”, afirma Dorinha. “Vai ser como uma sala de aula, comigo e com a Fernanda participando.”
Fernanda lembra que o fato de o contato com as investidoras e a orientação do clube serem feitos por Dorinha ajuda, pois as investidoras se sentem mais à vontade. “A mulher fica mais insegura quando é atendida por um homem, pois, mesmo que ele saiba menos que ela, ele se impõe e pode até convencê-la”, diz Fernanda. Na hora de aplicar, as mulheres tendem também a admitir que não conhecem o mercado, o que não acontece com os homens. “Eles não admitem que não sabem, enquanto elas procuram pesquisar mais antes de decidir, fazem estudos e vêm mais preparadas para tomar uma decisão”, afirma Fernanda.
A baixa presença feminina no mercado acionário pode ser justificada pelo fato de a mulher ser mais conservadora que o homem, avalia Fernanda. Mas há características que tornam as mulheres boas investidoras em ações. Uma delas é a tendência de investir mais a longo prazo. “O homem tende a olhar mais para o curto prazo, ´flippar´ (comprar e vender rapidamente) e isso aumenta os custos com corretagem e atrapalha a performance do investimento”.
A demora para a mulher tomar uma decisão também é positiva, pois quando ela ganha confiança e decide, mantém o investimento por mais tempo. “Grande parte dos investidores em fundos de previdência aberta são mulheres, que se preocupam mais com o futuro”. Essa visão de longo prazo acaba ajudando a diluir o risco do mercado acionário.
Os clubes de ações para mulheres são coisa relativamente recente. A Concórdia criou o Concórdia Mulheres no fim de 2005 e, hoje, a carteira tem cerca de R$ 500 mil investidos e 46 investidoras. O valor inicial é de R$ 1 mil. A gestão é feita por um homem, mas o contato com as investidoras é feito por duas executivas da corretora, Marília Panaroni, do marketing, e Isabel Molina, gerente de fundos, ambas também investidoras. “O clube tem uma cláusula que proíbe homens investidores, nem mesmo marido por intermédio da mulher”, explica Isabel. Mas a colaboração dos maridos não é totalmente desprezada. No Dia Internacional da Mulher, o clube fez uma campanha para que eles dessem de presente às esposas aplicações no clube. “Pensamos em fazer o mesmo no Dia das Mães”, diz Isabel.
Fonte: Valor