Profissão de fé – 2
Antes da indenização, e até para que possa pagá-la, o instituto do seguro se baseia emconceitos que o fazem, conceitualmente, uma das mais belas criações humanas
No artigo do dia 20 de agosto mostrei como o seguro tem participação importante na história, atuando como ferramenta de desenvolvimento humano pela garantia de proteção, segurança e investimento em diferentes momentos cruciais para a compreensão do atual estágio do planeta e para explicar porque a sua falta custa caro para as comunidades mais vulneráveis, que acabam sendo obrigadas a desviar recursos que poderiam ser investidosem novas fontes de renda para repor perdas decorrentes de eventos que lhes causam grandes prejuízos. São aspectos que, pelo seu impacto junto à opinião pública, justificam a divulgação, em primeiro lugar. Mas não são os únicos e, com certeza, não são os mais importantes, mesmo porque não são a origem, mas a consequência do que o seguro se propõe a fazer. Todos os exemplos daquele artigo mostram como as indenizações podem ser importantes até para uma nação vencer uma guerra ou para permitir que a nação mais rica do mundo mantenha seus planos de investimentos estratégicos, transferindo para as seguradoras a obrigação de arcar com a reposição de boa parte dos prejuízos causados pelo ataque terrorista de 11 de setembro.
Mas antes da indenização, e até para que ele possa pagá-la, o instituto do seguro se baseia em conceitos socio econômicos que o fazem, conceitualmente, uma das mais belas criações humanas.
A razão de ser do seguro é a proteção da sociedade. E ele faz isso através da recomposição do patrimônio ou da capacidade de atuação de seus integrantes, afetados por eventos predeterminados.
Mas ele não o faz por mágica, nem porque o poder público se encarrega de custear as perdas. Não, o seguro o faz através da repartição dos prejuízos de alguns entre todos os membros da coletividade. Sua ação protetora só é possível em função da aceitação do princípio da solidariedade humana pelos integrantes do grupo segurado. Ao atender as necessidades da vítima do sinistro, o seguro está protegendo o indivíduo contra os infortúnios da vida, mas, muito mais do que isso, ele está permitindo que o grupo prossiga em sua marcha rumo a uma melhor qualidade de vida, através do rateio das perdas do indivíduo afetado por todo o grupo.
A ação básica de uma companhia de seguros é fazer a gestão de um fundo composto e de propriedade dos segurados, com o objetivo de fazer frente a eventos predeterminados que causem dano a alguns de seus integrantes. Daí a seguradora, na prática, ser a gestora de um mútuo, composto através do pagamento de seus integrantes, de forma proporcional ao risco individual de cada segurado.
Através da solidariedade, o instituto do seguro leva a um segundo momento de rara beleza nas relações humanas: a repartição das perdas. Já dizia o poeta que “nenhum homem é uma ilha isolada”. Para o seguro, o verso de John Donne é pedra basilar. Sem a repartição dos prejuízos não haveria como se constituir um mútuo de forma proporcional ao risco de cada um. Para que a proteção fosse certa seria necessário que cada um reservasse, permanentemente, o montante máximo do seu prejuízo possível, para fazer frente a uma perda eventual.
Ou, se fosse feita a transferência da responsabilidade da indenização para a seguradora, seria necessário o pagamento de um prêmio correspondente a 120% do valor máximo do objeto do seguro, dos quais 100% seriam utilizados para fazer frente à indenização e 20% para custear as operações da seguradora.
Com a repartição dos prejuízos, cada um colabora para o fundo com valores muito menores, calculados proporcionalmente ao seu risco. O terceiro ponto fundamental para a existência do seguro é apreservação do desenvolvimento social, garantida pela manutenção dos planos de investimento em atividades geradoras de riquezas, mesmo diante das perdas causadas pelos eventos segurados, alcançada por meio da solidariedade e da repartição dos prejuízos. Em outras palavras, seguro é negócio e deve dar lucro. Mas, antes de tudo, tem sólida base moral
Fonte: O Estado de São Paulo