Prejuízos morais ao consumidor brasileiro
Trata-se de uma das mais importantes conquistas do povo brasileiro, sendo um ótimo exemplo de “lei que pegou”. Representou o reconhecimento legal de que vivemos em uma sociedade de massa, incluída no sistema econômico capitalista, em que as relações sociais e jurídicas dominantes são de natureza contratual.
Com efeito, se até boa parte do século passado o Brasil se manteve atrelado ao setor primário da economia, baseado nas atividades agrícolas, pecuárias e extrativistas voltadas principalmente para a exportação (café, açúcar, borracha e outros produtos, nos denominados ciclos econômicos), hoje apresenta um importante parque industrial e um hipertrofiado setor terciário (comércio e serviços). É neste universo de atividades econômicas que se insere a teia de relações de consumo, decisiva no fornecimento de produtos e na prestação de serviços.
Esse universo econômico, antes da edição do Código de Defesa do Consumidor, estava virtualmente desamparado pela legislação, que fornecia um instrumental extremamente limitado àqueles que sofressem prejuízos decorrentes de relações de consumo. Por definição legal, estas são as relações jurídicas que têm por objetivo a aquisição ou a utilização de produtos ou serviços por pessoas físicas ou jurídicas na qualidade de destinatárias finais.
O código é, sem dúvida, uma das leis de maior impacto sobre a realidade social, contratual e econômica do país, em decorrência de seu amplo alcance, de sua qualidade técnica e das inovações que consagrou em nosso sistema jurídico e em nossa mentalidade coletiva. Assim, o código instituiu, por exemplo, o dever de fornecimento de informações adequadas e claras sobre os diferentes produtos e serviços, com a especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
Por outro lado, o código possui uma série de artigos destinados à proteção contratual dos consumidores, para evitar que eles sejam prejudicados por cláusulas e práticas comerciais desonestas e abusivas. Ficou proibido aos fornecedores de produtos e serviços, por exemplo, enviarem ou entregarem aos consumidores, sem prévia solicitação, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; prevalecerem-se da fraqueza ou ignorância dos consumidores, tendo em vista sua saúde, idade, conhecimento ou condição social, para impingirem-lhe seus produtos ou serviços; e exigirem dos consumidores vantagens manifestamente excessivas.
Mas muito mais do que um instrumento do consumidor para exigir a qualidade dos produtos e serviços postos à sua disposição no mercado, o Código de Defesa do Consumidor constitui uma importante vitória da sociedade brasileira no campo da tutela integral da personalidade humana e de sua dignidade. Afinal, outra tônica do código é o acesso do consumidor aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos morais. Aqui, o código fez , portanto, uma clara opção pelo “ser”, atribuindo-lhe uma importância maior do que ao “ter”.
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O código é, sem dúvida, uma das leis de maior impacto sobre a realidade social, contratual e econômica do país
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Assim, vêm os tribunais brasileiros reconhecendo, com base no Código de Defesa do Consumidor, a ocorrência de prejuízos morais em várias situações do cotidiano, como, por exemplo, na morte de crianças em hospitais por erro médico, na inclusão de nomes em órgãos de proteção ao crédito, na lesão física decorrente de acidentes de consumo, no defeito grave apresentado por automóveis novos, na cobrança vexatória de dívidas, na ingestão de produtos deteriorados, no excesso cometido por seguranças de estabelecimentos comerciais, na apreensão indevida de cartões de débito, no bloqueio indevido de linha telefônica e no extravio de bagagem em vôo.
Os valores humanos fundamentais protegidos pelas decisões dos tribunais brasileiros no campo das relações de consumo são, tipicamente, a vida, a integridade psicofísica, a saúde, a segurança, a liberdade, a honra e a intimidade. Daí decorre que o dano moral na relação de consumo pode ser conceituado como a violação da esfera extra-patrimonial do consumidor, ou, em outras palavras, como a injusta lesão da dignidade humana do consumidor.
Fonte: Valor