“Precisamos dividir a conta dos pacotes de ajuda”
Tim Geithner, secretário do Tesouro, em pronunciamento ao Congresso americano na semana passada, falou sobre seus planos de reforma da regulamentação e do acúmulo de mais poder para acabar com as instituições financeiras insolventes nos EUA.
Geithner tem coisas inteligentes a dizer sobre como o Tesouro e o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) poderiam ter feito um trabalho melhor se tivessem deixado o Lehman Brothers partir desta para melhor e salvado a American International Group (AIG) sem ter de se prenderem a contratos de bônus. Ele quer que o governo americano seja capaz de controlar essas instituições quando gastar dinheiro dos contribuintes.
O fato de que não podia – que ele teve de emprestar US$ 85 bilhões para a AIG em setembro para mantê-la operando, em vez de assumir o controle do grupo de seguros, e não ter sido capaz de lidar adequadamente com o Lehman Brothers – é um dos motivos de Geithner estar tendo problemas com o Congresso.
Mas eis o pensamento mais desconcertante: e se o governo dos Estados Unidos, com seu peso e o dólar como moeda de reserva, ganhasse os poderes que Geithner e Ben Bernanke, o presidente do Fed, querem? Isso seria suficiente para garantir que ele conseguiria resolver a próxima crise ao estilo AIG? Infelizmente, não.
Esta crise, com suas descobertas de que o braço britânico do Lehman Brothers estava além do alcance do Fed, e de que a AIG contabilizou muitos negócios com derivativos de crédito através de uma subsidiária bancária francesa baseada em Londres, mostrou que essas instituições cresceram mais que os EUA.
Elas não só possuem muitas subsidiárias estrangeiras, como tambem teceram uma teia global de contratos financeiros.
Isso torna muito difícil controlá-las, mesmo que os contribuintes americanos fossem simpáticos ao uso de seu dinheiro para pagar contrapartes estrangeiros, algo que seus políticos não são.
A nacionalização poderá não ser suficiente para segurar essas instituições; será preciso a internacionalização.
O fato de neste sentido não haver a noção de internacionalização é que é o problema. Não existe um organismo internacional com autoridade ou recursos para assumir o controle de uma instituição financeira globalizada, desativá-la com segurança e dividir a conta de maneira justa entre os contribuintes de muitos países. A “autoridade de decisão”, que Geithner e Bernanke se uniram para obter, está modelada na Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), a agência que liquida bancos insolventes nos EUA. A FDIC tem amplos poderes para assumir o controle de bancos, livrar-se de seus administradores, transferir ativos e obrigações para outros bancos e absorver quaisquer perdas.
Ela fez isso na semana passada, por exemplo, com o Colorado National Bank de Colorado Springs, cujos US$ 83 milhões em depósitos e quatro agências foram transferidos para o Herring Bank, de Amarillo, no Texas. A FDIC vai cobrir 80% das peras – cerca de US$ 9 milhões – com recursos de seu fundo de seguro, para o qual todos os bancos americanos contribuem.
Esse tipo de abordagem seria um negócio muito melhor que a improvisação desesperada que testemunhamos no outono passado. Os bancos de investimento poderiam ser ajudados a evitar a concordata sem ter de cobrir todas as suas obrigações.
Conforme Bernanke observou a um comitê da Câmara dos Representantes na terça-feira, isso permitiria ao governo rasgar contratos insolentes, como a garantia de conservação de bonificações da AIG, e impor algumas perdas aos credores e contrapartes, como os detentores de swaps de default de crédito da AIG.
Mas a autoridade de decisão pode não ser suficiente. Os Colorado National Banks da vida são convenientemente pequenos e independentes, com um comprador à mão sempre que as perdas são cobertas. Lehman Brothers e AIG, porém, não eram empresas domésticas e pequenas.
Veja só o Lehman Brothers . Em 15 de setembro, quando sua companhia holding pediu concordata, o Federal Reserve de Nova York, sob o comando de Geithner, tentou impedir que seu braço de banco que investimento fizesse isso para que pudesse ser desativado de uma maneira ordenada. O Fed falhou, por motivos que são instrutivos.
Embora o Fed tenha escorado as operações de corretagem de valores nos Estados Unidos, ele descobriu que não poderia bancar efetivamente o braço britânico, que dependia do dinheiro da holding quebrada. Ele também enfrentou obstáculos ao lidar com a subsidiária alemã, a Lehman Bankhaus.
A autoridade de decisão teria ajudado, uma vez que o governo poderia ter ficado por trás da companhia holding e apoiado as subsidiárias estrangeiras através dela – o governo supostamente faria isso em qualquer eventualidade futura de um colapso em Wall Street. No entanto, isso não seria garantia de que ele conseguiria capturar todas as entidades internacionais através das quais essas instituições fazem negócios.
Mesmo que pudesse, há um problema político. Cresce no Congresso a inquietação com o fato de que o governo americano pagou, pelo valor de face, as contrapartes dos contratos de derivativos de crédito do AIG, incluindo bancos estrangeiros liderados pelo Société Générale (SocGen) e pelo Deutsche Bank. Isso é ser um bom cidadão globalizado, mas não rende a você pontos o Capitólio.
Se você busca um limite ao risco financeiro global, é inteligente não se fazer nenhuma distinção entre as contrapartes em termos de nacionalidade. Mas tente dizer isso aos contribuintes que precisam entrar com bilhões de dólares.
Uma solução teórica seria ter uma autoridade financeira global, com poderes parecidos com os do Fundo Monetário Internacional (FMI), que pudesse salvar uma instituição global e repartir os custos de maneira apropriada. Isso, porém, não é viável politicamente, mesmo que funcionasse na prática.
Talvez se possa encontrar outra maneira de dividir a conta quando um país paga para apoiar os bancos de outro. Não estou contando com isso, mas sem isso nenhuma governo pode ter certeza de que vai resolver os problemas da próxima AIG, não importa o tamanho de seu poder doméstico.
Fonte: Valor