Petrobras: “Não vai ter interessado nos leilões do Rio”
Fim das isenções fiscais para a indústria petrolífera no Rio vai afastar investimentos no estado, avalia o presidente da Petrobras. Em entrevista ao GLOBO, ele destaca que o setor é o que mais rapidamente pode contribuir para a retomada do crescimento eco
Na mesma semana em que a Petrobras comemorou a marca, alcançada no prazo recorde de seis anos, de 1 bilhão de barris produzidos no pré-sal, o presidente da estatal, Pedro Parente, lamentou a decisão da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj) de extinguir o Repetro fluminense, o regime especial de tributação da cadeia do petróleo.
A estimativa dos deputados é que a medida resulte em aumento de arrecadação de R$ 4 bilhões por ano. Na avaliação de Parente, porém, a decisão pode ter efeitos a longo prazo, como afugentar investidores e afastar interessados nos leilões de áreas no Rio. Eles poderiam optar por áreas em outros estados. Na entrevista, o executivo explica as mudanças que a empresa fará para dar continuidade ao programa de venda de ativos para atender a exigências do Tribunal de Contas da União. O TCU suspendeu operações após detectar sinais de direcionamento e favorecimento.
A Alerj suspendeu o Repetro no estado. Como o senhor vê a decisão?
Então não vai ter interessado nos leilões do Rio de Janeiro de novo. É uma questão de matemática. Se um projeto não der retorno, ele não acontece. Não tem jeito. Quem faz investimento, tem acionista e tem que prestar contas. Essa questão é muito importante. É caso de pensar se o que está sendo feito no curto prazo não está matando o longo prazo. O Estado do Rio tem uma possibilidade de atrair investimentos extraordinários no setor de óleo e gás e, no entanto, esse setor tem sido maltratado pelas autoridades estaduais, com a criação de impostos de última hora.
O Repetro é importante?
A Petrobras acha que é importantíssimo continuar o Repetro. É fundamental. Minha opinião é que o setor de óleo e gás é o que melhor vai responder aos incentivos corretos das autoridades. O Repetro depende do acerto com os estados e de decisão do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). Quais são as metas para 2017? A gente espera uma pequena redução na produção, porque houve desinvestimento, especialmente no exterior. Mas, como ordem de grandeza, é basicamente o que a gente fez este ano, 2,145 milhões de barris por dia, que é a previsão de 2016. Talvez a gente esteja falando de 50 mil ou 60 mil barris abaixo disso. A meta para 2017 é 2,07 milhões de barris por dia.
A estatal vai atingir a meta de venda de ativos?
Estamos trabalhando fortemente para concluir a meta dos US$ 15,1 bilhões (2015-2016). Vocês sabem que a gente não está no controle de tudo, às vezes tem Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), tem um caso como o da Petrobras Distribuidora (BR), em que a gente mudou o processo no meio do caminho porque as propostas não estavam valorizando adequadamente o ativo. A gente está trabalhando para confirmar transações até o fim do ano para chegar a esse valor.
O TCU suspendeu a venda de ativos, mas abriu exceções. O que ainda podem vender?
A gente tem uma combinação com o TCU que há cinco ativos que a gente pode concluir: o complexo químico de Suape, os campos de Baúna/Tartaruga Verde, dois ativos de biocombustíveis e um ativo na área de águas profundas fora do Brasil. E como fica a venda da BR? Ela não vai sair neste ano. Está fora por causa do TCU e de liminar. O processo está suspenso. Temos 25 propostas. Como vai a negociação com o TCU? O que precisamos fazer é trabalhar com rapidez com o TCU. Evidentemente, se a gente não trabalhar com a urgência necessária com o TCU, isso pode atrapalhar a meta de (venda de ativos) de 2017. Mas as conversas estão bastante avançadas.
O TCU apontou favorecimento e direcionamento. O que a Petrobras vinha fazendo mal e terá de adaptar?
Evidentemente, temos uma percepção diferente da do TCU. Só que quem tem a última palavra nesse assunto é o TCU. Por que nossa percepção é diferente? Porque o TCU faz a sua avaliação de acordo com os princípios que regem a administração pública e ele, por exemplo, entende que deveria ser feito edital para atrair o maior número possível de interessados. Vemos que, em determinadas situações, não seria necessário esse edital, porque a gente consegue a concorrência necessária, com um processo competitivo amplo que, por uma razão ou outra, pode valorizar mais o ativo do que num processo aberto. Mas é por meio de carta-convite? No fundo é uma carta-convite, a gente convida os interessados. A gente manda o teaser (prospecto). O que a Petrobras pretende fazer? Há questões que já aceitaram em relação ao nosso programa e há questões que eles gostariam que a gente mudasse. Vamos fazer essa discussão. O tema do edital é uma questão que, para eles, seria importante. O conteúdo dos teasers enviados aos investidores será publicado na internet. Não se pretende fazer um edital público, mas, ao fim do processo, as condições negociadas com o melhor proponente poderão ser apresentadas aos concorrentes classificados nessa fase final para que decidam se desejam rever sua proposta. Com isso, garante-se mais competição e, eventualmente, melhores preços. Em decisões tomadas ao longo do processo, por exemplo: as empresas que serão convidadas eram antes aprovadas pelo diretor financeiro e pelo diretor da área. Passarão a ser aprovadas pela diretoria colegiada. O aumento dos trâmites dificulta? Não, porque a diretoria já acompanhava informalmente. As decisões formais é que eram colocadas só quando vinha a proposta final, aprovada pela diretoria e pelo conselho. Mas a gente faz, mensalmente, uma reunião de acompanhamento do plano de parcerias e desinvestimento. O desejo do TCU é que haja participação formal mais intensa da diretoria executiva.
Ainda tem investigação da Lava-Jato? O que já foi feito é suficiente para evitar que se repita o que aconteceu?
Havia um canal interno de denúncia. Havia a preocupação ou parecia haver a preocupação de que a confidencialidade do denunciante não fosse preservada. Aí passamos a um canal completamente externo, no qual o anonimato do denunciante sequer será pesquisado. Houve aumento de denúncias. Temos um ouvidorgeral contratado por headhunter, que se reporta ao conselho. O que posso dizer é que a gente tomou medidas, de compliance, de integridade, acabamos com as decisões individuais, criamos os comitês estatutários, ressuscitamos comitês no conselho exatamente para tornar mais difícil a ocorrência das coisas que aconteceram. Como disse um procurador que se reuniu conosco, há certos crimes que as empresas não dispõem de instrumentos para detectar, como conluio feito fora da empresa, sem telefone ou e-mail da empresa. Daí a importância do canal de denúncia. As baixas contábeis foram concluídas? Existem situações que podem determinar novos impairments, como mudanças de variáveis. Qualquer empresa tem que reavaliar o resultado futuro que seus ativos podem trazer. E, se aquele valor for inferior ao registro contábil, tem que fazer uma reavaliação. Não são esperados para os próximos trimestres valores como os que aconteceram. Sobre a Lava-Jato, esperamos que os impactos sejam positivos, como fui recentemente a Curitiba receber R$ 200 milhões de recursos recuperados. No total, já recebemos R$ 660 milhões. É importante ressarcir a vítima, que foi a Petrobras. Há potencial de ressarcimento de R$ 5,5 bilhões.
O acordo dos maiores exportadores de petróleo, reunidos na Opep, para redução da produção de petróleo, anunciado este mês, muda algo?
Não muda nada. As empresas embarcaram num processo de desinvestimentos, parcerias, otimização do quadro de pessoal e redução de custos. O fato de sair da faixa de US$ 40 a US$ 50 para entre US$ 50 e US$ 60 não é o mesmo que os US$ 100 ou US$ 120 de antigamente. Muitos projetos foram desenhados levando em conta esse valor. Temos de reduzir o tamanho da dívida para uma coisa mais razoável, temos meta de reduzir à metade até o fim de 2018. Passaria a corresponder a 2,5 vezes a geração operacional de caixa. A gente tem de ter dívida em torno de 1,5 vez a geração operacional de caixa no fim do plano de cinco anos (2021).
Qual é a expectativa do preço do petróleo com a decisão da Opep?
O número de sondas nos EUA está aumentando. Triplicou recentemente. Isso significa que haverá aumento de produção do shale gas e vai funcionar como um freio à subida de preço. Qual o seu sonho na empresa? Recuperar o orgulho de nossos petroleiros e o orgulho do país com a empresa, porque ela merece. No cargo há seis meses, Pedro Parente diz que se a redução de preços dos combustíveis nas refinarias não chega ao consumidor, não é um problema da Petrobras, mas de outros órgãos, que devem fiscalizar. E garante que controlar a inflação não é missão da companhia. Parente também se diz a favor de mudança na regra de conteúdo local para equipamentos do setor petrolífero, de modo que a indústria ganhe competitividade ao longo do tempo, sem reserva de mercado, e resume: “Por que a Petrobras tem de pagar pela ineficiência?” Com a nova política de preços de combustíveis, a Petrobras vai reajustar seus preços sempre que o valor do petróleo subir no exterior?
O que a sociedade precisa entender é que nós reagimos a um fato externo. Nós não criamos esse fato. Quando você vê que outras commodities sobem de preço, como soja e trigo, produtos como macarrão e pão sobem. Não temos alternativa, não é uma questão de escolha da empresa. O produto com o qual ela trabalha subiu de preço, ela tem de reconhecer a subida de preço. O produto com o qual trabalha cai de preço, ela tem de reconhecer essa queda. Se o preço do petróleo subir, a gente tem de reagir a esse evento, que é o aumento do preço da commodity, sim. Se sobe, sobe; se desce, desce.
Mas é possível manter essa variação mensal? O Brasil é diferente dos EUA, pois lá o preço cai na bomba e aqui não ocorre isso…
A gente fixa preço na refinaria. A gente não fixa preço para o consumidor. É uma política que já provou que quando cai, cai. Já fizemos isso.
Como isso vai ser percebido pelo consumidor, se a queda não chega até ele?
Aí tem de se buscar os instrumentos previstos legalmente para lidar com eventuais situações em que não existe uma concorrência perfeita. Não é a Petrobras que pode cuidar disso. O que me preocupa e me causa um pouco de incômodo é achar que a gente teria o poder de resolver essa situação. Não temos esse poder. Ele é atribuído, no marco legal brasileiro, a instituições que têm de olhar essa questão. Não é a Petrobras.
Mas, no mercado, diz-se que a BR não estaria repassando a queda. Procede?
A BR tem suas instâncias de governança, que a gente respeita. A BR Distribuidora também sofre os mesmos impactos de custo que as demais distribuidoras quando o etanol sobe de preço. Ela tem de misturar o etanol. Não estou justificando, nem concordando ou discordando, porque não sei o que ela fez. O presidente Michel Temer está preocupado com o efeito dessa política na inflação? Ele nunca me falou nada sobre isso. O senhor mantém conversas periódicas com o presidente? Periódica é uma palavra um pouco forte. Uma vez a cada 15 dias, ou a cada três semanas.
A Petrobras se preocupa com a inflação?
Não. Se você olhar as missões e as responsabilidades legais da Petrobras, não está o controle da inflação.
Quais são as variáveis que compõem a política de preços?
A gente tem de olhar o preço do combustível em reais, o preço lá fora, a taxa de câmbio, a margem e os impostos. E essa margem tem de levar em conta que, entre um aumento e outro, há uma volatilidade de preço. E tem o tema do marketshare, que é importante.
Qual será o volume de investimento para este ano?
A previsão de investimentos para 2016 era de cerca de US$ 19 bilhões, e devemos executar este ano cerca de US$ 14 bilhões. Vai ficar menor por causa de atrasos de produção. Houve atrasos em plataformas.
Na avaliação da Petrobras, qual seria o percentual de conteúdo local ideal?
Uma boa política de conteúdo local tem de ser uma política que emancipe os fornecedores locais. Ou seja, que dê a eles a condição de competir em igualdade com fornecedores de qualquer parte do mundo. Isso a gente consegue em equipamentos para poços, nos chamados equipamentos submarinos, mas nós não temos condições de fazer para cascos, porque ninguém consegue ganhar dos asiáticos.
Mas que mudanças a Petrobras defende?
Você não pode ter uma política de conteúdo local com percentuais crescentes para uma determinada indústria, porque isso é o contrário de emancipar. Você está criando mecanismos de acomodação para as empresas, quando a gente precisa buscar produtividade. A Petrobras é a favor de uma política de conteúdo local e tem poder de escala muito importante para ajudar nisso. Mas que seja uma política que não tenha os problemas da política atual, que é muito problemática. Hoje, você tem um edital que tem conteúdo local item a item. E isso quase direciona para quem você tem de encomendar.
O ideal seria ter um conteúdo local geral?
Acho que uma coisa no meiotermo pode funcionar, desde que seja um percentual decrescente. Em vez de fazer linha a linha, faz por grupos de equipamentos. Por hipótese, começar com 55%, daqui a três anos cai para 50%, daqui a mais três anos cai a 45%, até acabar . Porque se o percentual for crescente, está se criando reserva de mercado. E quando é que reserva de mercado funcionou no Brasil, ou em qualquer lugar do mundo? Você gera ineficiência. Por que a Petrobras e seus acionistas têm de pagar por ineficiências? Não concordo e não vou concordar.
Como estão as conversas com a Sete Brasil?
Nós tentamos conversar com eles. Quisemos colocar mediador e arbitragem, e eles não aceitaram. Fazer o quê? O caminho de uma conversa para entendimento, eles preferiram não seguir. No presente momento, as coisas estão suspensas.
Mas a Petrobras não vai precisar de algumas dessas sondas, pelo menos as que estão quase prontas?
Temos, na prática, liberado sondas. A Petrobras não se nega a olhar, mas dizer que a gente está precisando de sondas, como se pensou no passado, naquele programa megalomaníaco de sondas (28), não é o caso.
Dentro da política de desinvestimento, como está o processo de venda da Braskem?
Temos um acordo de acionistas que precisa ser bem trabalhado para fazer uma venda que valorize o nosso ativo. Temos direitos, apesar de sermos minoritários, que são importantes. Esse acordo de acionistas não se transfere automaticamente para o comprador, o que diminui o valor. Nós temos que trabalhar. Só vamos vender de maneira a dar o valor correto ao nosso ativo. Nós temos de conversar com os sócios, e vocês sabem que o sócio (a Odebrecht) tem passado por momentos bastante difíceis, não apenas sob o ponto de vista de toda a discussão ligada à Lava-Jato, mas também de natureza financeira.
E como está a busca de sócios para as refinarias?
É de interesse do país que o setor de refino possa ter parcerias, e da Petrobras também. Não é bom que um setor tão relevante da cadeia de óleo e gás esteja quase 100% na mão de uma única companhia. Porque, quando essa companhia vai mal, o setor todo vai mal. A discussão do modelo não está pronta. O projeto das refinarias Premium pode voltar? Pode voltar, mas não conosco de sócios.
O valor de mercado da Petrobras se recuperou. Para o investidor, a crise foi superada?
Temos de trabalhar para gerar o maior valor possível para nossos acionistas, sendo que o principal acionista é a sociedade brasileira. Não trabalho mirando o preço da ação. O preço da ação é consequência do trabalho que a gente faz. O trabalho de recuperação de credibilidade leva tempo. É uma sucessão de promessas feitas e cumpridas que garante o retorno da credibilidade. Temos tido uma ação coerente com o discurso.
Mas a economia mundial poderia ajudar?
Temos um plano de ação, e a crise tem de ficar de fora. Temos de trabalhar esse plano de ação. Não posso me abater nem me preocupar com a crise. É preciso ter foco e disciplina de execução. O mais difícil não é botar um plano de pé, e sim executar o plano numa empresa com mais de 70 mil funcionários. (Ramona Ordoñez, Bruno Rosa, Flávia Barbosa e Janaina Lage)
“O Estado do Rio tem possibilidade de atrair investimentos extraordinários no setor de óleo e gás e, no entanto, esse setor tem sido maltratado pelas autoridades estaduais” “Sobre a Lava-Jato, esperamos que o impacto seja positivo. Fui a Curitiba receber R$ 200 milhões recuperados. Já recebemos R$ 660 milhões. É importante ressarcir a vítima, que foi a Petrobras”
Fonte: O Globo