Pela liberdade de expressão
McCloskey, que até os 53 anos era Donald, um professor casado e pai de dois filhos. Em 1995, surgiu Deirdre. A transição implicou cirurgia para mudar de sexo, em 1996, e resultou no afastamento dos filhos
O pensamento de Deirdre McCloskey escapa a classificações fáceis. Professora da Universidade de Illinois, em Chicago, ela se dedica a temas normalmente negligenciados pelos economistas, como a retórica e a importância da linguagem na economia. Defensora de uma abordagem humanista da ciência econômica, nem por isso se deixa seduzir pelas idéias de esquerda. McCloskey se diz adepta do livre mercado, ressaltando que não “quer dar conforto a humanistas que detestam matemática e estatística”. Em “The Bourgeois Virtues”, livro publicado no ano passado, ela faz um elogio do capitalismo. “O capitalismo nos faz ricos, mas também nos faz morais e éticos”, afirma.
Entusiasta do “professor de filosofia moral” Adam Smith – McCloskey ataca a visão utilitarista que passou a dominar a economia. Para ela, essa abordagem trata de um ser humano irreal, norteado apenas pela prudência, um monstro egoísta sempre em busca da “maximização de seu bem-estar”. É fundamental que os economistas passem a levar em conta todas as virtudes humanas – “a prudência, sim, mas também a justiça, a temperança, a coragem, a fé, a esperança e o amor, além dos vícios correspondentes”, diz McCloskey. A professora de economia, história, inglês e comunicação faz questão de dizer que não vê nada de utópico em sua proposta.
McCloskey também vai contra a corrente na sua vida pessoal. Até os 53 anos, ela era Donald, um professor casado, pai de dois filhos. Em 1995, surgiu Deirdre. A transição de Donald para Deirdre, que passou por uma cirurgia para mudar de sexo em 1996, está relatada no livro “Crossing: a Memory”.
McCloskey conta que, desde os 11 anos, se vestia de mulher secretamente, “algumas vezes por semana”. Desde o primeiro ano de casamento, a sua mulher sabia do fato, encarando-o com naturalidade. Em 1994, aos 52 anos, McCloskey decidiu passar a se vestir de mulher com mais freqüência. Foi quando começou a transição. Com ela, o casamento de 30 anos acabou. Há 12 anos, a economista não tem contato com os seus filhos. Em sua travessia, contou com o apoio de sua mãe e a oposição ferrenha da irmã, com quem posteriormente se reconciliou.
Uma bem-humorada Deirdre conversou com o Valor na terça-feira. Ela está no Brasil a convite da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec), da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP) e da Escola de Economia de São Paulo (Eesp) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Nesta semana, fez palestras em algumas universidades. Na semana que vem, participará do encontro da Anpec, no Recife.
Ph.D. em economia pela Universidade de Harvard, McCloskey deu aula na Universidade de Chicago, o templo da ortodoxia econômica, de 1968 a 1980. Um de seus temas preferidos é a questão da retórica na economia e o fato de que os economistas negligenciam a importância da linguagem, como deixa claro no artigo “How to Buy, Sell, Make, Manage, Produce, Transact, Consume with Words”. Para ela, uma das explicações para essa negligência é que a linguagem se baseia muito na cooperação, ao passo que os economistas hoje vêem a economia sob o prisma da competição. Num quadro em que a visão dominante é utilitarista, um aspecto fundamental como a linguagem não é valorizado.
“A questão é que, ao negligenciar a linguagem, os economistas perdem algo equivalente a um quarto da renda nacional”, afirma ela. Segundo suas estimativas, a persuasão é responsável por 25% da renda americana. Numa sociedade livre, atividades de gerenciamento e supervisão são em grande parte baseadas no convencimento, diz McCloskey. No caso de advogados, juízes e especialistas em relações públicas, parece-lhe razoável atribuir 100% do tempo empregado ao ato de persuadir ou ser persuadido.
A professora vê com maus olhos a trilha utilitarista aberta por filósofos como Jeremy Bentham e seguida por muitos economistas, como os ganhadores do Nobel Paul Samuelson e Gary Becker. Um “homo economicus”, movido apenas por interesse próprio, focado exclusivamente em maximizar os seus ganhos, não lhe agrada nem um pouco. É uma figura irreal, segundo ela. “Nós queremos ser prudentes, mas também queremos ser justos, amorosos, corajosos”, exemplifica.
Fonte: Valor