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País começa a criar cultura de longo prazo

Com R$ 90 bilhões em ativos, os fundos abertos de previdência privada têm hoje cacife para dar um bom suporte ao esperado crescimento econômico. Num país de recursos minguados e com visão de curto prazo, esse tipo de aplicação pode se comprometer com investimentos de maior maturação. Com a redução dos juros, os fundos cada vez mais tendem a aplicar em títulos do governo de prazos mais longos e aumentar a parcela de renda variável e papéis privados em carteira. “O montante de R$ 90 bilhões tem muita relevância, é quase uma Previ”, diz Marcel Pereira, economista-chefe da RC Consultores. “Sobretudo porque o Brasil carece muito de investidores para financiar o alongamento de sua dívida.”
Até o final do ano, diz Osvaldo do Nascimento, presidente da Associação Nacional da Previdência Privada (Anapp), haverá R$ 100 bilhões acumulados na previdência aberta, o que equivale a quase um terço dos R$ 350 bilhões em poder dos fundos de pensão. Nada mal para um tipo de investimento, que, há dez anos, tinha reservas de apenas R$ 3 bilhões e, em 2002, de R$ 30 bilhões. “É um sinal de que se começa a criar uma cultura de longo prazo no Brasil”, afirma Edson Franco, diretor-presidente da Real Tokio Marine Vida e Previdência.
O dinheiro que entra nos fundos de previdência vem, em boa parte, dos salários. Ou seja, é dinheiro novo, que deixa de ir para o consumo ou para outras aplicações. Os poupadores começam a olhar mais à frente. Uma parcela recente dos recursos, diz Nascimento, vem da venda de imóveis. Apenas 30% têm como origem a diversificação de portfólio de um fundo de investimento tradicional para um PGBL ou VGBL.
Um dos grandes estímulos para esse crescimento da previdência é a possibilidade de pagar menos imposto – e só no futuro. Se o investidor estiver enquadrado na alíquota de 27,5% de Imposto de Renda hoje e aplicar no PGBL por mais de dez anos, fica com a sua carga tributária reduzida a 10% quando resgatar seus recursos. Para o investidor, é um benefício. Para a sociedade, uma renúncia, em prol da acumulação de poupança que beneficia a economia como um todo, dizem os administradores.
O principal destino dos fundos ainda é – e será por um bom tempo – financiar a dívida pública. Atualmente, em média, 80% da carteira são compostos por renda fixa – basicamente, papéis do Tesouro. Além do fato de os juros nacionais estarem entre os mais altos do planeta, conta para tal concentração em títulos do governo o perfil conservador do investidor em produtos de previdência. “São as pessoas mais planejadoras que decidem aplicar nesses fundos”, diz Franco. Não querem correr qualquer risco e, muitas vezes, ainda não estão acostumadas a pensar no futuro. “O investidor tem muito receio da volatilidade, ainda olha todo o mês para a sua aplicação”, diz Marcelo Guterman, professor de finanças no Ibmec São Paulo.
Ao menos os fundos de previdência contam com a possibilidade de aplicar em títulos da dívida pública de 15 ou 20 anos, sem causar grandes emoções, em geral, nos seus cotistas. Como parte dos seus papéis é carregada até o vencimento, acabam não sendo tão afetados pelas altas e baixas nos juros. O rendimento dos títulos levados a termo será sempre o mesmo se não houver necessidade de vendê-los antecipadamente. Em prazos de 15 ou 20 anos, encontram-se papéis que pagam 9% ao ano acima do IGP. “É um rendimento excelente, considerando que, pelas previsões de mercado, a taxa de juros estará abaixo dos 10% antes de 2008”, diz Nascimento, da Anapp.
“Procuramos casar nossos ativos com os passivos”, diz Franco. Uma parcela dos títulos nas reservas da Real Tokio Marine Vida e Previdência é levada até o vencimento, mas outra acaba sendo vendida antes, para dar conta dos resgates previstos ou imprevistos dos clientes, ou então, de realocamento da carteira, tendo em vista melhores oportunidades de investimentos. Nesses casos, há marcação a mercado, ou seja, o valor dos ativos varia a cada dia, de acordo com a taxa de juros do momento. “O difícil é lidar com os resgates antes da aposentadoria”, afirma Franco. “Por isso, sempre temos que manter uma margem de liquidez”.
Com a queda dos juros, espera-se que essas retiradas inesperadas sejam cada vez menores. Além da mudança cultural, se vierem tempos de prosperidade, haverá, espera-se, menos desemprego e menos apertos no orçamento que levem ao resgate antes do tempo. E, assim, espera-se que os fundos de previdência privada apostem mais na renda variável. Isso, aliás, já vem acontecendo. Segundo dados da Anapp, há dois anos a participação das aplicações em ações era de 5% da carteira. Hoje, é de 20%. “Em planos para os mais jovens, que podem deixar seu dinheiro por longos períodos, a proporção da renda variável pode chegar a 40%”, afirma Nascimento.
Os fundos abertos contam com vantagem em relação aos fundos de pensão fechados, diz o presidente da Anapp. Como os últimos existem há muito tempo, seus participantes estão já em fase de usufruir dos benefícios. Portanto, precisam se manter mais líquidos. Nos últimos dez anos, a participação dos fundos de investimento em renda fixa dos fundos de pensão subiu de 19,3% para 47,5% e dos títulos públicos, comprados diretamente, de 3,7% para 12,6%, afirma Ângela de Souza Menezes, professora do Ibmec São Paulo.
“Os fundos abertos estão em fase de acumulação de capital, e, portanto, podem montar uma carteira de prazo mais longo e com maior proporção de renda variável”, afirma Nascimento. Mas tudo depende da visão do administrador dos fundos e também do investidor. Nos fundos PGBL e VGBL, o cliente escolhe, entre tantas opções do mercado, aquela que mais lhe agrada. Pode preferir um fundo com mais renda fixa.
“Hoje Brasil não tem um mercado de capitais muito desenvolvido”, diz Nascimento. Há poucas opções para a escolha de papéis. Um critério que conta, com certeza, é um alto grau de governança corporativa. “Num relacionamento de longo prazo, é importante garantir que os direitos dos investidores serão respeitados”, afirma. Há potencial para os fundos de previdência privada financiarem o setor privado, em especial, projetos de infra-estrutura. Para isso, os projetos precisam ser bem desenhados, de forma a se visualizar o retorno do investimento. Hoje, há muita insegurança nesse sentido, acreditam os administradores.
“Os fundos de previdência têm especial importância no desenvolvimento econômico, por disporem de um volume alto de capital e manterem uma relação de longo prazo com seus clientes”, afirma Ângela Menezes. “Mas a contrapartida é a existência de um mercado de capitais que ofereça cada vez mais alternativas de investimentos em papéis de longo prazo.” Nos Estados Unidos, 70% dos recursos são aplicados em ações, dada a maturidade do mercado.[1]
Não basta ter produtos se a situação do Brasil não mudar. “O governo tem que fazer seu papel para reduzir o risco sistêmico e gerar boas condições para que essa demanda potencial por investimento de longo prazo seja verdadeiramente efetiva”, diz Pereira.

Fonte: CQCS

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