Origens e desenvolvimento da Responsabilidade Social das Empresas
O modelo de desenvolvimento capitalista focado apenas no aspecto econômico esgotou-se. O imenso contingente de pessoas vivendo em extrema pobreza em vários locais do mundo, aliada à degradação ambiental, levou os representantes de diferentes países, nos vários continentes, a repensar, a partir das últimas décadas do século XX, esse modelo de desenvolvimento.
Esse processo tornou-se mais evidente a partir da década de 1980, com a intensificação do processo de internacionalização das economias capitalistas, a que se convencionou chamar de globalização. Os recursos tecnológicos e a mobilidade do capital tornaram possível a produção em qualquer lugar do mundo, levando muitas organizações a se dedicarem apenas às funções básicas de planejamento, pesquisa e desenvolvimento, e a transferirem suas atividades produtivas para qualquer local que ofereça vantagens em insumos, mão-de-obra e normas legais. Simultaneamente, essa moderna forma de produção convive com processos intensivos em trabalho não-qualificado ou semi-qualificado e com a eliminação de milhares de postos de trabalho, o chamado desemprego estrutural.
Somando-se as estas características do capitalismo neoliberal, o Estado passou a enfrentar dificuldades de responder à crescente demanda por benefícios sociais. É neste contexto sócio-econômico que começou a despontar no Brasil, a partir dos anos 1990, um movimento crescente de envolvimento de empresas privadas na área social. A segunda edição da Pesquisa Ação Social das Empresas, realizada pelo Ipea, mostra que 69% das empresas brasileiras desenvolvem ações em benefício da comunidade. São cerca de 600 mil empresas, com um ou mais empregados, que dão sua contribuição, seja fazendo doações eventuais a pessoas de baixa renda ou desenvolvendo projetos mais estruturados. Em 2004, o investimento realizado atingiu R$ 4,7 bilhões.
As chamadas empresas cidadãs estão substituindo a postura passiva, de repassar ao governo toda a responsabilidade pelos problemas sociais, por uma atitude proativa, de integração dos valores éticos e do compromisso social a sua estratégia de negócio.
Origem do Termo Responsabilidade Social
A primeira publicação a abordar o tema da responsabilidade social foi o livro Responsibilities of the Businessman, de Howard Bowen, editado em 1953 e traduzido para diversos idiomas. A partir de então, o tema se difundiu, primeiro na Europa Ocidental e depois em outros continentes. Na década de 60, o surgimento de campanhas pela melhoria da qualidade de vida nos Estados Unidos foi outro fator que ajudou a disseminar a idéia.
A eclosão da Guerra do Vietnã, nesta época, também levou as empresas americanas a começarem a se preocupar em prestar informações ao público sobre suas ações na área social. As organizações que, de alguma forma, eram identificadas com o conflito passaram a sofrer boicotes dos consumidores, que deixavam de comprar seus produtos. Um dos fatores que mais despertava revolta na população era a produção e o uso de armas químicas, que poderiam levar ao extermínio de muitas vidas e colocar em risco a sobrevivência do planeta. Como resposta a essas pressões, e numa tentativa de melhorar sua imagem corporativa, muitas organizações passaram a se preocupar em explicar o objetivo de suas ações.
Nos anos 70, multiplicaram-se os estudos acadêmicos sobre o tema responsabilidade social e surgiu, pela primeira vez, a obrigatoriedade de publicação do balanço social. A Lei francesa 77.769, de 12 de julho de 1977, ainda em vigor, passou a exigir que as empresas instaladas na França fizessem balanços periódicos de seu desempenho social. Paralelamente, as pressões sobre as empresas aumentavam em todo o mundo.
Já nos anos 80, surgiram nos Estados Unidos outras cobranças. Dessa vez, o foco foi o comportamento das empresas em relação aos seus funcionários. Os programas de reengenharia, que incentivaram a redução indiscriminada de custos e a eliminação de postos de trabalho, colocaram novamente as empresas na alça de mira da sociedade. O empresário Howard Schultz, CEO da Starbucks, ilustra bem o espírito daquela época: “nos anos 80, a generosidade do empregador estava irremediavelmente fora de moda. Os custos elevados com planos de saúde e encargos corporativos haviam forçado muitos executivos americanos a reduzirem os benefícios concedidos aos seus empregados. Seguindo o mantra “maximizar valor acionário”, os CEOs recebiam aplausos de Wall Street ao reduzirem os custos e dispensarem milhares de pessoas. As empresas que realmente valorizavam seus funcionários mais do que os acionistas eram chamadas de paternalistas e não-competitivas”.
Mas já nessa época surgiam algumas vozes dissonantes. Jerry Welsh, empreendedor da campanha de levantamento de fundos para reforma da Estátua da Liberdade, realizada pela American Express, em 1983, já antecipava que “no final do século, as empresas serão reconhecidas tanto pelas causas que elas promoverão quanto pelos produtos que venderão”.
O aumento das pressões dos empregados, por meio de seus sindicatos, especialmente nos anos 80, forçou muitas empresas a reverem suas práticas. Nesta época também começaram a se fortalecer os movimentos em defesa do meio ambiente. Organizações que não adotavam uma política ambientalmente responsável passaram a ser discriminadas pelos consumidores. A princípio, as restrições se limitaram aos países desenvolvidos. Mas com a globalização da economia e o aumento do fluxo comercial internacional, intensificados nos anos 1990, começaram a proliferar as chamadas barreiras ambientais. Hoje, a empresa que deseja competir no mercado mundial tem de estar atenta às normas ambientais e já tem de comprovar também um comportamento socialmente responsável. As empresas que, por exemplo, têm se valido de mão-de-obra infantil ou escrava em seus processos produtivos ou que têm direcionado sua produção para países mais pobres, onde exploram a força de trabalho local em troca de salários minguados, estão sendo alvo de boicotes promovidos ou incentivados por grupos ativistas e também por legislações nacionais.
No Brasil, diversos fatores se somaram no início dos anos 1990 levando a uma disseminação do conceito e de algumas práticas de responsabilidade social corporativa. Entre as mudanças político-econômicas que contribuem para isso estão a abertura da economia, a privatização das estatais, a crise política com o impechment do presidente Fernando Collor de Mello; o crescimento da informalidade e do desemprego, e a dificuldade do Estado em atender as crescentes demandas na área social. É neste cenário de agravamento das condições sociais e econômicas, que a sociedade civil começa a se mobilizar e surgem movimentos como a da Ética na Política e a Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida, e as empresas começam a ter uma atuação mais significativa na área social.
Mas o que significa Responsabilidade Social?
O termo responsabilidade social das empresas já integra o vocabulário de grande parte dos executivos e profissionais de Administração e Recursos Humanos. Mas o que significa? Na verdade, ainda não existe um consenso sobre este conceito, nem sobre as idéias a ele relacionadas, como empresa-cidadã, filantropia empresarial, marketing social e terceiro setor. Responsabilidade Social não tem o mesmo significado para todo mundo. Para alguns soa como obrigação legal, uma imposição. Para outros, significa ter um comportamento ético. Há ainda quem o interprete como uma contribuição caridosa.
Apesar da diversidade de opiniões, no livro Responsabilidade Social: A Empresa Hoje, José Dias e Gleuso Duarte (1986) identificaram um conjunto de idéias comuns em torno do assunto, destacando três pontos citados por diferentes autores:
1. “a ampliação do alcance da responsabilidade da empresa, que não mais se limita ao círculo dos acionistas”;
2. “a mudança na natureza das responsabilidades, sendo que essas ultrapassam o âmbito da prescrição legal, envolvendo, também, obrigações morais ditadas pela ética”; e
3. “adequação às demandas sociais, num dado contexto socioeconômico”.
Portanto, existe certo consenso de que a empresa que apenas cumpre as obrigações legais previamente determinadas pela sociedade não está tendo um comportamento socialmente responsável. Ela está apenas cumprindo sua obrigação social. Da mesma forma, apoiar o desenvolvimento da comunidade e preservar o meio ambiente não são suficientes para atribuir a uma empresa a condição de socialmente responsável.
A disseminação, no Brasil, de conceitos sobre a Responsabilidade Social corporativa por entidades como Instituto Ethos e o Instituto de Grupos, Fundações e Empresas (GIFE) tem consolidado o entendimento de que, para ser considerada socialmente responsável, a empresa deve levar em conta as conseqüências de suas ações para a comunidade e sentir-se responsável por todos aqueles com quem mantém intercâmbio, como acionistas, empregados, fornecedores, clientes, concorrentes, governo e a comunidade.
Os professores Francisco Paulo de Melo Neto e César Fróes afirmam que “os principais vetores da responsabilidade social de uma empresa são: apoio ao desenvolvimento da comunidade onde atua; preservação do meio ambiente; investimento no bem-estar dos funcionários e de seus dependentes; promoção de um ambiente de trabalho agradável; comunicações transparentes; sinergia com os parceiros; e satisfação dos clientes e/ou consumidores”. Em outras palavras, a responsabilidade social é um compromisso da empresa em relação à sociedade e à humanidade.
Francisco Paulo e César Fróes também ressaltam que o exercício da cidadania empresarial pressupõe uma atuação eficaz da empresa em duas dimensões: a gestão da responsabilidade social interna e a gestão da responsabilidade social externa. A interna, segundo eles, está relacionada ao público-interno da empresa, ou seja, os empregados e seus dependentes. A externa está voltada para a comunidade mais próxima da empresa ou o local onde está situada. “A cidadania empresarial só ocorre quando uma empresa assegura o bem-estar de seus funcionários e dependentes e contribui para o desenvolvimento da comunidade”, observam. E concluem afirmando que, quando há alto grau de responsabilidade social externa e baixo grau de responsabilidade interna, as empresas geralmente utilizam o marketing social como estratégia para encobrir sua má gestão de recursos humanos e, normalmente, os resultados são desanimadores. Acaba-se provocando descontentamento, conflitos, ansiedades e falta de motivação entre os empregados.
O compromisso das empresas com a construção de um novo cenário na área social deve começar dentro de seus muros. Entre as muitas responsabilidades das organizações destaca-se o desenvolvimento dos seus empregados, que devem passar a ser vistos como parceiros. Muitos empreendedores estão descobrindo que oferecer qualidade de vida, salário e desenvolvimento profissional e manter um ambiente motivador pode ser seu principal diferencial competitivo, além de aumentar a produtividade e o nível de satisfação dos funcionários. E se tudo isso for combinado com uma atitude ética em relação aos consumidores, à comunidade e ao meio ambiente, esse retorno será maximizado.
É preciso destacar também a diferença entre ação social ou investimento social privado e responsabilidade social. Usualmente, classifica-se empresas que promovem ações sociais para a comunidade como socialmente responsáveis, o que é um equívoco. Investir em projetos sociais é apenas uma parte da responsabilidade social. Não basta desenvolver projetos sociais, por mais bem estruturados que sejam, é preciso um compromisso ético em relação a todos os públicos com os quais a empresa se relaciona., os chamados stakeholders: empregados, prestadores de serviços, terceirizados, comunidade, fornecedores, consumidores, governo, meio ambiente. Percebe-se portanto que a responsabilidade social é um processo permanente de aperfeiçoamento e compromisso com valores éticos, justiça social, responsabilidade econômica e conservação ambiental.
Bibliografia:
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MELO NETO, Francisco Paulo e FRÓES, César. Responsabilidade Social & Cidadania Empresarial, Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999.
OFICINA SOCIAL. Compromisso Social: um novo desafio para as organizações. Rio de Janeiro: Oficina Social, 1999. (Cadernos da Oficina Social, nº 1)
PELIANO, Anna Maria. Bondade ou Interesse? Como e porque as empresas atuam na área social. Brasília: Ipea, 2001.
PELIANO, A e BEGHIN, N. A iniciativa privada e o espírito público – um retrato da ação social das empresas no Brasil. Brasília, Ipea, 2003.
SCHULTZ, Howard. Dedique-se de Coração – Como a Starbucks se tornou uma grande empresa de xícara em xícara. São Paulo: Negócio Editora, 1998.