Onde a indústria da saúde não é prioridade
O Brasil configura-se entre os países com a mais alta carga tributária do mundo. Só em 2008, ela representou nada mais, nada menos, que 37,58% do PIB, um aumento de dez pontos percentuais nos últimos onze anos – em 1997, ela totalizava 27,44% de toda a riqueza produzida no País. Pela lógica, os impostos arrecadados deveriam ser revertidos em benefícios à população. Mas, nesse sentido, o Brasil deixa muito a desejar.
Enquanto a arrecadação de tributos só cresce, na contramão a área de saúde pública está praticamente estagnada nos últimos 15 anos, contando com investimentos inferiores a 4% do PIB. Os maiores aportes nesta área provêm da iniciativa privada (na ordem de 4,5% do PIB), a que apenas uma pequena parcela da população tem acesso. Segundo estatísticas, 21,4% dos habitantes têm algum tipo de plano de saúde, coletivo ou individual. Os demais 160 milhões de brasileiros são totalmente dependentes da iniciativa pública.
Os países com os melhores modelos de saúde são os que contam com a maior participação do governo. Na Alemanha, por exemplo, são investidos em saúde 10,7% do PIB, sendo que a participação governamental é de 76,9%. No Canadá, o percentual é de 9,7% do PIB e o governo é ativo com 70,3% dos investimentos.
Na Constituição Federal de 1988, a saúde foi legitimada como um direito de cidadania, com base nos princípios da universalidade. Mas, fora do papel, o que se vê é uma realidade bem distante da instituída pelo conjunto das leis fundamentais que regem a vida do Brasil. Saúde é para poucos e quem depende dela sofre nas filas do SUS. Um quadro que tende a se agravar se nada for feito. Mas há muito a ser feito, na visão de Silvio Corrêa da Fonseca, presidente da Lincx Serviços de Saúde, em entrevista ao Giro Business.
Investimentos em saúde
Totalizando os aportes públicos e privados na área de saúde, no Brasil eles não chegam a 7,8% do PIB. Proporcionalmente aos gastos, a discrepância é maior ainda entre o serviço público e o privado. Segundo estatísticas da Abramge/Fenaseg, enquanto que para 35 milhões de beneficiados com planos particulares as operadoras gastam R$ 31 bilhões, o governo gasta a mesma quantia para atender mais de 145 milhões de brasileiros. “O investimento público em saúde deveria ser, no mínimo, o dobro do atual. Além da pouca iniciativa, o governo dificulta, com normas e regras, o acesso da população à saúde complementar”, diz Fonseca, acrescentando que o que deveria haver é uma parceria público-privada (PPP) para aumentar a participação da população no sistema privado e reduzir a sobrecarga no SUS.
Carências latentes
Mundialmente, a recomendação da ONU é para que haja uma média entre 2,5 e 3 leitos para cada grupo de mil habitantes. O Brasil também peca neste quesito, com uma média de 2,4, sendo que, em algumas regiões do País, a situação é ainda mais drástica, uma vez que a rede hospitalar prevalece nos estados do Sul e Sudeste.
A região Centro-Oeste, por exemplo, responde por apenas 6,6% do total de hospitais do País, seguida pelo Norte com uma participação de 6,7%. Também há uma concentração da classe médica nas regiões mais ricas do País e, atualmente, mais de 400 municípios no Brasil não contam com um único médico disponível à população. Para reverter esse cenário, comenta o presidente da Lincx, mais uma vez o governo tem de cumprir o seu papel. “Deveria haver um incentivo monetário para que os médicos ficassem em suas regiões ou se deslocassem para esses municípios. O que acontece é que, em cidades grandes como São Paulo, por exemplo, é que se ganha dinheiro e, portanto, são elas que são mais atrativas profissionalmente”.
No Brasil, a média é de um médico para cada 900 habitantes. Mas há localidades em que a realidade é bem diferente. No Maranhão, a média é de um médico para 1,5 mil habitantes, enquanto essa proporção é de um para 275 no Rio de Janeiro e de um para cerca de 400 em São Paulo.
Mercado de planos de saúde
Atualmente, menos de 22% da população tem algum tipo de plano de saúde e, segundo as previsões de Fonseca, não deverá haver grandes mudanças nesse sentido. No ano passado, o crescimento de novas adesões aos planos de saúde foi de 4,7% em comparação a 2007, e nos últimos anos ficou na casa dos 4,5%. “Em 2009, o crescimento deve ser menor ainda em função da crise econômica. Mas, mesmo assim, o patamar de crescimento dos anos anteriores é ínfimo diante do aumento da população e do potencial de mercado”.
Em relação à portabilidade das operadoras de saúde, Fonseca defende que uma atitude populista é que vai acirrar a disputa de um segmento cujas margens são pequenas. “Para não perder clientes, as empresas de saúde tenderão a baixar preços, o que dificultará não apenas a sua subsistência como também a manutenção de planos individuais”.
Longevidade
No início do século XX, a expectativa de vida dos brasileiros era de menos de 35 anos; já na virada do século chegava aos 68 anos e, agora, ganhamos mais quatro anos. Estima-se que em 2020, 17% da população brasileira tenha idades acima de 60 anos – e a grande problemática será, cada vez mais, o acesso à saúde. Isso porque a maioria dos usuários atuais são de planos coletivos (73%), atuantes no mercado de trabalho, que perderão o benefício ao se aposentarem. Para o presidente da Lincx, mais uma vez o governo não tem incentivado a adesão de novos usuários para que o caos não se instaure na saúde pública. “De acordo com as regras atuais de ajuste de preço da Agência Nacional de Saúde (ANS), não é permitido reajuste nos planos para pessoas com idades acima de 59 anos. A população está envelhecendo, o custo com saúde aumenta e a postura da ANS faz com que as operadoras tenham como alternativa vender mais caro para as pessoas mais jovens, o que dificulta a entrada de novas pessoas no sistema. Seria necessária uma flexibilidade maior, pelo menos com aumentos gradativos aos usuários de até 70 anos de idade, como era antigamente”.
Enquanto medidas governamentais não são postas em prática para promover a saúde no País, para a grande maioria da população ter um plano de saúde continuará a ser um sonho.
Fonte: Gazeta Mercantil