Obras raras furtadas em São Paulo não têm seguro
Foram levadas mais de cem obras da Biblioteca Mário de Andrade; diretor diz não ter dúvidas do envolvimento de funcionários no furto
MARIO CESAR CARVALHO
Nenhuma gravura ou livro furtado do setor de obras raras da Biblioteca Mário de Andrade tinha seguro. Se as mais de cem obras não forem localizadas pela polícia, a Prefeitura de São Paulo, da qual a biblioteca é um departamento, terá um prejuízo que pode ultrapassar R$ 400 mil, quando se considera a estimativa mais alta do valor das obras.
O furto privilegiou gravuras de pintores viajantes do século 19, como as do francês Debret (1768-1848) e dos alemães Rugendas (1802-1858) e Steinmann (1800-1844). Mas foi levado também um livro de orações de 1501.
O diretor da biblioteca, Luís Francisco Carvalho Filho, diz que planeja fazer seguro do acervo após a reforma do prédio, uma obra orçada em R$ 16 milhões prevista para começar em novembro.
O seguro de obra por obra, na avaliação de Carvalho Filho, tem dois problemas: é virtualmente impossível conseguir uma seguradora que aceite esse tipo de apólice e o preço pode alcançar a ordem dos bilhões, o que o tornaria inviável.
Na década de 40, a Mário de Andrade tinha seguro do seu acervo, como mostra uma apólice exposta na biblioteca. Por causa do feriado de ontem, não foi possível apurar quando a instituição interrompeu esse tipo de prática.
O prefeito Gilberto Kassab (PFL) disse que a prefeitura estuda um plano para aumentar a segurança do setor de obras raras, sem dar detalhes do plano nem quando ele seria colocado em prática.
Não há câmeras de vídeo na biblioteca nem são feitas fotos digitais dos freqüentadores. O setor de obras raras é protegido por um cadeado na porta; os dois armários de aço onde as obras estavam guardadas são trancadas por chave do tipo tetra. Só três funcionários têm acesso ao setor. A polícia já ouviu um deles e deve interrogar outro hoje. Carvalho Filho diz não ter dúvidas de que funcionários da biblioteca ajudaram no furto, mas ressaltou que as suspeitas não recaem sobre os que trabalham com obras raras.
O valor do seguro faz com que museus e bibliotecas brasileiros não assegurem seu acervo. Muitas vezes, o valor é mais elevado do que o orçamento anual da instituição.
Essa prática não é uma exclusividade brasileira: o museu norueguês do qual foi roubado `O Grito`, de Edvard Munch (1863-1944) também não tinha seguro da obra. O raciocínio por trás dessa ausência é o de que não adianta gastar com seguro em uma obra única, impossível de ser reposta por mais dinheiro que se tenha.
Com livros, porém, o raciocínio não vale, já que é possível, em tese, comprar outro exemplar do título furtado.
A mais valiosa das obras furtadas é um livro de horas impresso sobre pergaminho em 1501 em Paris. O valor de mercado dessa obra pode variar de US$ 10 mil a US$ 100 mil (R$ 21,5 mil a R$ 215 mil), de acordo com a estimativa de dois especialistas ouvidos pela Folha (veja no quadro ao lado a avaliação das obras furtadas).
A variação de preço é grande porque a avaliação depende do estado da obra e da riqueza das ilustrações. O exemplar furtado tinha as letras que iniciam cada capítulo pintadas a mão.[1]
A Biblioteca Nacional, no Rio, também não tinha seguro das 949 peças furtadas entre abril e junho de 2005, avaliadas em R$ 7,5 milhões.
Fonte: Folha de São Paulo