O uso da arbitragem em conflitos trabalhistas
Em meio a este quadro caótico e moroso, iniciou-se forte debate em torno da utilização de métodos alternativos para a resolução de conflitos. A Lei n° 9.307, de 1996, acendeu a discussão sobre a aplicabilidade da arbitragem às relações individuais de trabalho.
De início, surge a dúvida acerca da possibilidade de empregado e empregador resolverem definitivamente qualquer litígio decorrente da relação de emprego por meio da arbitragem, método alternativo de resolução de controvérsias.
A Constituição Federal de 1988, ao tratar da negociação coletiva, previu a possibilidade de as partes elegerem árbitros para porem fim às suas controvérsias, mas manteve-se silente quanto à sua aplicabilidade em relação ao direito individual do trabalho.
Por sua vez, a Lei n° 9.307, de 1996, que rege a arbitragem, em seu artigo 1°, impõe que ela seja utilizada somente para “dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”, o que gera intensas divergências tanto na doutrina, quanto na jurisprudência trabalhistas, tendo em vista a discussão em torno da natureza dos créditos trabalhistas, que, em regra, são considerados indisponíveis, por expressa imposição legal.
A arbitragem é o meio pelo qual uma ou mais pessoas recebem atribuições jurisdicionais semelhantes às da jurisdição estatal, fruto de uma convenção privada das partes – daí ser considerada jurisdição privada – resultando em uma decisão que possuirá a mesma eficácia de uma sentença judicial.
A Justiça do Trabalho, no entanto, tem rechaçado a utilização da arbitragem para resolução de conflitos individuais trabalhistas, o que deve sempre ser observado pelos empregados e, principalmente, pelos empregadores.
Indagação de grande relevo surge quanto ao momento da instituição da arbitragem no contrato de trabalho – antes, durante ou após a rescisão do contrato, pois, dependendo do momento em que ela é estabelecida, pode-se vislumbrar renúncia pelo trabalhador do seu direito de ação constitucionalmente assegurado e, conseqüentemente, ser nula de pleno direito.
Isso porque, uma vez convencionada a arbitragem, torna-se inescusável para qualquer das partes e a sua instituição acarreta necessariamente o afastamento da jurisdição estatal, operando-se o que se chama de “efeito negativo da convenção de arbitragem”.
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A arbitragem no contrato de trabalho do empregado pode ser a porta de entrada de uma série de fraudes
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Outro óbice relevante e muito salientado pela jurisprudência especializada quanto à aplicação da arbitragem no direito laboral é a importante previsão do artigo 9°, da CLT, que estabelece a nulidade de pleno direito dos atos praticados com objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na consolidação.
Ora, não há como se negar que a instituição de arbitragem no contrato de trabalho do empregado pode ser a porta de entrada de uma série de fraudes perpetradas pelo seu empregador, no sentido de que o árbitro pode não aplicar direitos e princípios de cunho protetivo previstos na legislação trabalhista, e o recurso a fim de reformar a decisão ficaria prejudicado, por inexistir esta previsão na Lei de Arbitragem. No máximo, é concedida às partes a possibilidade de se utilizarem de expediente semelhante aos embargos de declaração, para corrigir erros materiais, omissão, contradição ou obscuridade da sentença arbitral.
É difícil imaginar que o empregado terá condições de escolher o árbitro e o procedimento quando da instauração da arbitragem, conforme a própria Lei nº 9.307 prevê, tendo em vista que em muitos casos não se abre sequer a possibilidade de o empregado negociar as condições de trabalho a qual será submetido.
Ressalte-se, ainda, que há previsões expressas no texto consolidado que não admitem a modificação do contrato em prejuízo ao empregado, ou que contravenham as disposições de proteção ao trabalho. É a hipótese dos artigos 444 e 468, da CLT.
Na extensa lista de impeditivos legais à aplicação da arbitragem em sede de dissídios trabalhistas individuais, a jurisprudência também aponta para a previsão do artigo 477, parágrafo 2°, da CLT, que só admite quitação das parcelas discriminadas no instrumento de rescisão ou recibo de quitação. A quitação geral aposta no termo de rescisão do contrato de trabalho do empregado, com a finalidade de impedir o acesso do trabalhador ao Judiciário, agride frontalmente a referida previsão consolidada.
Por último, deve-se ressaltar que não se admite a utilização da arbitragem para homologar o pagamento de verbas rescisórias. A assistência na rescisão do contrato de trabalho deverá ser feita na delegacia regional do trabalho ou no sindicato da categoria profissional do trabalhador.
Pela breve análise dos institutos, dos princípios e das normas que regem o direito do trabalho, bem como do exame da jurisprudência desta Justiça especializada, resulta evidente a impossibilidade de as partes elegerem a arbitragem como meio para a resolução de eventual conflito individual trabalhista, sob pena e risco de a Justiça do Trabalho retirar a eficácia da sentença arbitral, principalmente no tocante ao seu efeito intrínseco de fazer coisa julgada.
Fonte: Valor