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O STJ e a tributação de lucros no exterior

Em mais um round sobre a legitimidade da tributação dos lucros de coligadas e controladas de empresas brasileiras no exterior, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se pronunciou recentemente no sentido de que o enunciado do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158, de 2001, não viola o conceito material de renda estabelecido no artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN). Resumidamente, a decisão do STJ se deu no sentido de que o critério estabelecido pela medida provisória atende a exigência do pressuposto aquisição de disponibilidade, pelo fato simplesmente de haver lucro da controlada ou coligada no exterior. Sem querer adentrar no mérito da decisão, até porque ao que parece da leitura da ementa houve uma imprecisão quanto ao que seja uma e outra – aquisição de disponibilidade jurídica ou econômica -, o que salta aos olhos é a simplicidade com que se quer resolver um tema tão complexo. De fato, desde a alteração do artigo 43 do CTN, introduzindo-se um parágrafo segundo pelo qual a lei irá estabelecer o momento da aquisição da disponibilidade, a discussão sobre a tributação de lucros no exterior tem sido reduzida a um debate para se dizer se a simplória redação do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158 é ou não compatível com o CTN e com a Constituição Federal. A decisão do STJ, sem dúvida, reforça esta impressão. O fato de uma empresa no exterior ter lucro não significa dizer que a detentora da participação no Brasil tenha disponibilidade jurídica ou econômica. Tal aferição, na ausência de uma norma condizente, dependerá das condições inerentes ao caso concreto – por exemplo, se a controladora ou detentora de participação tem ingerência na deliberação, se a cláusula estatutária impõe a distribuição, se o ato de deliberação prevê a capitalização ou distribuição dos dividendos quando e onde, entre outras. Há que se reconhecer que uma decisão como a que ora estamos nos referindo é fruto da dificuldade em se decidir a partir de uma disposição de péssimo conteúdo normativo como é o artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158, o qual acaba albergando situações distintas. Em outras jurisdições que adotam a tributação universal, suas respectivas legislações estabelecem parâmetros compatíveis com o que venha a efetivamente se constituir em uma aquisição de disponibilidade. Entre estas pautas, dispor que só há aquisição de disponibilidade quando exista poder de controle; que haja preponderância na deliberação da matéria; que exista um percentual x de participação; que preveja a exclusão de parcelas capitalizadas, entre outros. Para se ter uma idéia, no caso da Espanha, a legislação do Imposto de Renda – a Lei nº 43, de 1995 – trata da tributação de controladas e coligadas em mais de uma dezena de enunciados. Os Estados Unidos cuidam da matéria em um complexo e específico arcabouço normativo. Além de se coadunar com o fato gerador “aquisição de disponibilidade”, evitando-se tributação sem renda, nestes países as disposições sobre a tributação no exterior servem ainda para delinear uma política fiscal de estímulo às empresas nacionais e de combate à fraude. No Brasil a Medida Provisória nº 2.158 tenta resolver tudo isso em apenas um dispositivo. Outros dois pontos geram ainda certa perplexidade no trato da matéria. O primeiro deles é a ausência de busca de um sentido valorativo na norma posta a exame dentro de um conceito mais sistêmico de direito. O que visa o artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158? Evitar a elisão fiscal internacional ou simplesmente adequar a legislação brasileira a normas de repartição de receita? O tema foi amplamente discutido na doutrina, contando, inclusive, com uma importante produção nacional que toma como referência exemplos do exterior. O segundo ponto diz respeito a esta fundamental referência ao direito comparado. A matéria é sobejamente discutida em outros ordenamentos. Não são poucas as manifestações de órgãos judiciários de outros países e que poderiam servir de importante substrato para a fundamentação. Trata-se de um tema onde o direito se harmoniza em base universal, até pelo fato de se analisar um tributo que materialmente é o mesmo em outras jurisdições. Afeta diretamente tratados bilaterais. Assim, também sob esta ótica não se pode querer fazer uma hermenêutica isolada e sob o prisma único do direito brasileiro, tendo como referência apenas uma modificação no texto do CTN, quando a discussão é latente em todas as partes do mundo. Ou seja, a comparação doutrinária, normativa e jurisprudencial é indispensável neste caso. Dentro desta perspectiva, o que nos parece é que o Poder Judiciário tem diante de si duas opções: ou afasta a disposição da medida provisória por sua incompletude normativa ou efetua uma interpretação conforme. Nesta última hipótese, competiria ao Judiciário estabelecer, então, os tais parâmetros que restaram minimamente ausentes na norma, o que, “per se”, poderia desafiar a legalidade. Por tudo isto, uma decisão simplista a partir de uma norma equivocada só trará maiores problemas de iniqüidade. Potencializará, ainda, futuros remendos jurisprudenciais e dificuldades na sua aplicação, a exemplo do que aconteceu no julgamento do Imposto sobre o Lucro Líquido no passado. Em um momento de afirmação da economia e das empresas brasileiras no cenário internacional, pior do que uma má-legislação sobre a tributação dos lucros no exterior é uma decisão que, ao não examinar o tema de forma substantiva, venha gerar mais insegurança e desigualdade.

Fonte: Valor

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