O Remédio é a Transparência
EMPRESAS QUE ATUAM NA ÁREA DE SAÚDE PROCURAM LEVAR MAIS INFORMAÇÃO PARA O CONSUMIDOR NO MOMENTO DA VENDA DOS PLANOS. NO ENTANTO, A EXPECTATIVA ELEVADA DO CLIENTE EM RELAÇÃO A ESSE SERVIÇO MUITAS VEZES NÃO É ATENDIDA.Contratar um plano de saúde é algo que gera tranquilidade. Afinal, em determinados casos, pode assegurar o maior bem do ser humano: a própria vida. A expectativa do consumidor com esse serviço é grande, mas ele ainda se depara com problemas em reembolsos e coberturas, longa espera para ser atendido no contact center e nas unidades de saúde, além de baixa qualidade de informações, demora e burocracia na liberação de exames necessários.
O tema esteve em pauta durante o encontro “A Era do Diálogo – Saúde e Previdência”, realizado pela revista Consumidor Moderno, no intuito de aperfeiçoar a relação das empresas participantes com os clientes. “Esse quadro movimenta toda a relação de consumo. As empresas não possuem a integração necessária de departamentos para resolver o problema do cliente. Isso passa para a sociedade a percepção de que o serviço é ruim”, considera Roberto Meir, publisher da Consumidor Moderno. “Criar expectativas que não serão cumpridas é complicado”, completa.
“À medida que o cliente precisa de um serviço, ele quer ser atendido com qualidade. Quando se trata de saúde, a situação é reforçada, pois pode ser colocada em risco. O consumidor não olha somente os benefícios que um plano contratado oferece, por exemplo, mas também está atento ao que deseja obter daquele serviço. Isso gera um conflito”, explica Osvaldo do Nascimento, vice-presidente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi). “O cliente tem uma expectativa muito alta e, consequentemente, fica insatisfeito com o que comprou”, concorda Flávio Galeano, gerente de atendimento ao cliente da Omint.
Um levantamento efetuado no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) com as principais empresas que atuam no mercado de saúde e previdência (Brasilprev, Amil, Bradesco Saúde, Diagnósticos da América – Dasa -, Golden Cross, Unimed Seguros, Unimed Paulistana, Unimed Rio, Unimed BH e Central Unimed) aponta que problemas com contratos, negativa de cobertura e recusa de atendimento são os mais demandados pelos consumidores nesses setores (ver quadro).
Em vista do cenário de redução na demanda, com queda de 26% nas reclamações que chegam ao Sindec, as empresas desse setor garimparam melhorias no último ano, mas ainda precisam aperfeiçoar a comunicação e a transparência com os clientes. Em 2010, durante o ciclo de debates promovido pela Consumidor Moderno com as empresas de saúde e previdência, uma solução proposta foi a de exatamente ter maior atenção e cuidado na comunicação, principalmente com a nova classe que se insere no mercado.”A comunicação só se completa quando o receptor a entende”, provoca Marcos Diegues, assessor técnico da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo (Procon-SP).
“Como órgão de defesa, a nossa relação com as companhias é a mais amistosa possível.Acreditamos que parte
dos problemas pode ser resolvida com a melhoria do relacionamento das empresas com o consumidor. E é isso que temos buscado por meio de acordos de metas para a redução de reclamações”, explica Diegues.
COMUNICAÇÃO REFORÇADA
As empresas de saúde e previdência adotaram novas maneiras de reforçar a comunicação e a transparência em todas as etapas dos contatos com os clientes. Nesse sentido, a Bradesco Seguros criou canais para estreitar a relação com a clientela. Além do Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) e da ouvidoria, o segurado da bandeira pode recorrer às centrais de relacionamento específicas dos produtos, enviar manifestações por meio do site ou e-mail e também recorrer à comunicação pelas mídias sociais, tais como Twitter e Facebook. Esses canais são habilitados para receber dúvidas, reclamações, sugestões ou elogios.
Já a Amil criou recentemente uma central de serviços por SMS, que manda até mesmo a fatura pelo canal. Caso o pagamento esteja em atraso, a mensagem já chega com o cálculo dos encargos.”Isso já deu certo. Só no primeiro dia do serviço tivemos cem solicitações de boletos sem ter feito uma ampla divulgação”, relata Cristiane Prado, diretora de atendimento da companhia. Um das preocupações do cliente é se certificar de que o profissional que irá atendê-lo é capacitado. Para facilitar essa busca, no portal da Omint há um minicurrículo de cada um dos médicos da rede credenciada.As demais empresas de saúde, como a Amil, indicam por meio do teleatendimento profissionais na região desejada.
DADOS IMPRECISOS
Mesmo com os avanços apresentados, ainda há muito a ser feito para acertar no momento de passar dados aos segurados. Segundo os participantes, os problemas relacionados ao reembolso de serviços e à falta de atendimento, por exemplo, estão vinculados a informações imprecisas trocadas entre os usuários, prestadores e operadoras de saúde.
Flávio Galeano, gerente de atendimento ao cliente da Omint, relata que o reembolso gera reclamação quando o cliente quer fazer o orçamento de determinado procedimento por não ter acesso à tabela de preços.”Essa informação poderia ser dada ao cliente por meio de um canal eletrônico, mas o problema é que não ficaria com ele, iria também ao prestador de serviços, que passaria a cobrar o valor máximo. Ficamos em um dilema, pois sofreríamos o ânus”, expõe. Luiz Celso Lopes, superintendente de relações com órgãos reguladores da SulAmérica Seguros, acredita que informação demais pode gerar desinformação, mas que é importante que o consumidor tenha à disposição dados prévios sobre esse serviço.”O reembolso não depende do preço cobrado pelo prestador, mas de tudo o que está embutido nessa conta. Na maioria dos casos não é integral e, quando o consumidor o recebe, fica frustrado”, assinala.
A Bradesco Seguros passa o orçamento para os segurados.”As vezes, o consumidor reclama, pois compara o plano com o de outra pessoa.Precisamos educar o corretor, no sentido de fazer com que ele informe melhor ao cliente as condições do plano”, diz Guilherme Callado, superintendente da ouvidoria da empresa.
Outro entrave da comunicação assertiva seria o extenso contrato de prestação de serviços. “Atualmente, ninguém tem tempo para ler um documento longo. E preciso destacar algumas das principais cláusulas”, reforça Meir. “A nova classe média demanda informações mais simplificadas”, concorda Callado, da Bradesco Seguros.
Márcia Flores Reche, gestora da central de relacionamento da Diagnósticos da América (Dasa), aponta que o cliente que conhece
bem o contrato faz parte de uma minoria. “Quando nos ligam, muitas vezes, não sabem informar qual plano possuem e investigamos questionando qual a cor e o número da carteirinha.
O CUSTO DA VIDA
Uma cirurgia realizada por um médico para uma pessoa tem um custo, para outra, de um convênio diferente, o mesmo procedimento pode ser mais caro. Naquele em que o plano reembolsava o maior valor, o profissional cobrou mais. Não há uma tabela ou legislação que defina quanto um médico pode cobrar por determinadas ações.”Fico em dúvida sobre a liberdade que o médico tem para cobrar. Se isso, de fato, é um problema para as empresas, vocês devem atacar esse ponto. Eu não posso admitir que um médico cobre mais de um plano do que de outro para efetuar o mesmo procedimento”, coloca Diegues, do Procon-SP
“Não existe ilegalidade na hora de cobrar o trabalho médico. A expectativa do cliente é que o convênio reembolse o valor. O vilão é sempre o provedor do serviço” diz Cristiane Prado, diretora de atendimento da Amil. Wilson Pedreira Junior, diretor-executivo do Grupo Fleury, já atuou como médico e defendeu a categoria. “A vontade do cliente somente é frustrada por falta de esclarecimento e informações. Existem questões técnicas em uma cirurgia que tornam difícil precificá-la”, exemplifica.”Não acho errado o médico dar desconto em uma cirurgia, por exemplo, cobrando exatamente o valor do reembolso”, aponta Lopes, da SulAmérica.
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As empresas desse setor garimpara melhorias no último ano, mas ainda precisam aperfeiçoar a comunicação com os clientes
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Callado, do Bradesco, lembra que o cliente tem direito ao retorno gratuito dentro de 30 dias para revisão da consulta. “Se cobrar em duplicidade, vamos avisar ao cliente o procedimento errôneo e não vamos reembolsar”, certifica.
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COMPROMISSOS
As empresas que trabalham com a oferta de planos de saúde e previdência propuseram melhorias para esse mercado. Confira as principais:
A troca de experiências bem-sucedidas entre as empresas e os órgãos reguladores pode contribuir para reduzir a quantidade de reclamações do setor
As empresas devem estar atentas às solicitações e sugestões dos clientes. E preciso ouvi-los e analisar as suas ideias e sugestões, desenvolvendo ações para melhorar o relacionamento
Os canais devem atuar de maneira integrada, possibilitando o conhecimento e o envolvimento de diversas áreas com as demandas
A presença de uma ouvidoria atuante é determinante para sanar problemas. Essa área identifica as principais insatisfações dos clientes, com análises isentas
Para as empresas que trabalham com reembolso, uma das saídas seria a criação de um SMS para avisar ao cliente sobre a cobrança da consulta e, caso o paciente não tenha comparecido à consulta, solicitar explicações. Essa ação também pode combater a fraude
Auxiliar o atendimento do cliente nas redes prestadoras de saúde, tirando suas dúvidas e dando apoio, seja nos hospitais da rede credenciada ou em laboratórios próprios
Treinar os corretores para que a informação passada no momento da venda seja a mais transparente possível
Gerar um guia prático sobre como utilizar o serviço de reembolsos
O envio de SMS com a cobrança pode evitar que o cliente não receba a conta, já que a fatura impressa corre o risco de ser extraviada
Criar uma espécie de ranking em que o consumidor pode ter acesso a qualidade de atendimento hospitalar ou do médico
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DEMORA SEM ESCOLHA
No hospital ou pronto-socorro particular, muitas vezes o cliente aguarda o atendimento sem uma previsão do tempo de espera.”A demora no agendamento de exames e consultas é um gargalo na oferta de planos de saúde, na medida em que há mais clientes e poucos hospitais e laboratórios para atender”, ressalta Meir.
“Cada operadora tem a responsabilidade de dimensionar a rede de acordo com a demanda. Mesmo com os novos hospitais em São Paulo, a capacidade de atender toda essa gente não é completada”, diz Lopes, da SulAmérica.
Não há uma classificação no País voltada para clientes sobre a qualidade, a atenção dos profissionais ou mesmo sobre a estrutura dos hospitais particulares.”Acredito que está na hora de desenvolver uma espécie de ranking em que o consumidor poderia ter acesso à qualidade de atendimento hospitalar ou do médico”, aponta Meir.
Visando a estreitar a relação com o consumidor, o Grupo Fleury, que contempla uma rede de laboratórios de referência, mensura todas as etapas do atendimento, desde o tempo de espera até a qualidade dos serviços prestados.”Realizamos uma pesquisa via web sobre o atendimento e, a partir disso, fazemos um mapeamento da satisfação”, conta Simone Lotufo, gerente da ouvidoria.
Já a Omint está lançando um aplicativo para dispositivos móveis, pelo qual o paciente pode classificar se gostou ou não do atendimento do credenciado.”Fazemos isso para melhorar o relacionamento e não para criar uma lista negra de médicos”, coloca Galeano.
CLIENTES VERSUS EMPRESAS
O mercado de planos de saúde está aquecido. Já são 47 milhões de brasileiros com planos de saúde, sendo que 21% são individuais e 67% empresariais, e 12% são planos familiares e coletivos por adesão, para profissionais liberais. Nesse cenário, Rubens Araújo, ouvidor da Marítima Seguros, lembra que a área de Relações Humanas (RH) atua como intermediária entre empresas e clientes.
Na Amil, são 1,2 milhão de beneficiados pessoa fisica, que representam 28% da base de clientes. No último mês, conta Cristiane Prado, 46% das queixas eram de pessoa física. Nos meses anteriores, chegavam a 52%. “Acreditávamos que as reclamações vinham mais de pessoas físicas, por conta da falta de representatividade dos RHs, e hoje sabemos que, na verdade, entrar em contato com os órgãos reguladores ou de defesa está mais fácil. Na era multicanal, quando o consumidor acredita que está sendo
lesado, seja ele de um plano corporativo ou individual, expõe o problema, tanto nas redes sociais quanto nos órgãos de defesa”, completa.
TRANQUILIDADE FINANCEIRA
A hora de se aposentar, para muitos, é também tempo de descansar, viajar, relaxar. E nesse momento que o cidadão brasileiro recorre à previdência, um direito de quem trabalhou anos a fio. Osvaldo do Nascimento, da Fenaprevi, esclarece que a área possui menos problemas do que a de saúde, pois o País trabalha com um sistema universal.”A previdência social no Brasil garante um dos maiores tetos desse serviço no mundo, chegando a quase R$ 4 mil. Se vai ou não ter condições de suprir toda a população é uma discussão que vai rolar ao longo do tempo”,relata Nascimento.
Já a previdência complementar é opcional, o cidadão escolhe ter um futuro com mais qualidade de vida e faz uma poupança de longo prazo. “Na previdência complementar há mais transparência em relação à cobrança das taxas.É uma área compatível com os anseios do cidadão” avalia o executivo da Fenaprevi.
Fonte: Revista Consumidor Moderno