O que não falta é motivo para protestar, diz manifestante
As
manifestações que se espalham pelo Brasil entram na sua segunda semana
com um discurso que vai muito além das críticas ao aumento das tarifas
de ônibus e extrapolam questões políticas e partidárias. A
quinta manifestação no Rio de Janeiro acontece nesta segunda-feira, na
Candelária.
Quase 5 mil pessoas estiveram nos protestos da última quinta-feira,
e cerca de 3 mil tiveram confronto com a Tropa de Choque na
manifestação antes do jogo entre México e Itália, neste domingo, no Maracanã.
Um dos articuladores das manifestações no Rio de Janeiro, que prefere se manter
anônimo, é claro em dizer que a perspectiva é muito objetiva: O Estado não se
tornará menos violento e menos corrupto. A repressão não vai parar. Mas nós
também não.
Segundo o militante, a violenta repressão das forças policiais nos
protestos em Brasília, São Paulo e Rio
de Janeiro na última semana acabam dando mais força ao movimento. Repressão é o melhor instrumento de consciência de classe.
Indubitavelmente, quem está sofrendo a repressão nas ruas hoje sabe que está
vivendo uma ditadura, analisa, dando sua opinião sobre o que levou as
manifestações a tal ponto:
O que leva as pessoas às
ruas é um somatório de coisas, desde roubos descarados nas obras da Copa e das
Olimpíadas até o Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos. E não há
muita diferença do que está acontecendo aqui para a Turquia atualmente ou para
o Occupy Wall Street, de 2011. Em todo o mundo, o Estado está a serviço do
poder econômico, dos lobbies, das máfias, em que o poder econômico faz o que bem
entende e ninguém faz nada. Esse é um fenômeno global, e as pessoas estão
cansadas.
Um dos grandes impulsionadores das manifestações ao redor do mundo, segundo o
ativista, é a internet. Mesmo não estando no Rio, eu posso me conectar com o
que está acontecendo ai. E a internet é uma grande ferramenta, no mundo todo.
Eu posso conversar com gente da Turquia, dos Estados Unidos, de São Paulo, para
falar sobre o processo revolucionário. Tudo isso se refletiu na rápida
nacionalização do movimento. E não custa lembrar: não, definitivamente não são
só R$ 0,20, diz, referindo-se ao valor do aumento da tarifa dos ônibus.
A repressão policial, para o militante, poderia ser menor se os movimentos
sociais tivessem encampado a luta dos bombeiros por melhores condições de
trabalho, em 2011, e a greve dos policiais militares durante o carnaval de
2012.
Também estão confirmados protestos hoje em Recife (PE),
Goiânia (GO), Campinas (SP), Florianópolis (SC), Cascavel (PR), Belém
(PA), Vitória (ES), Niterói (RJ), Sorocaba (SP), Viçosa (MG), entre
outras cidades. No exterior, brasileiros se mobilizam para atos de apoio
em pelo menos 44 cidades, a grande maioria deles marcado para esta
terça-feira (dia 18). E ao menos cinco cidades já registraram
manifestações: Berlim (Alemanha), Dublin (Irlanda), Montreal (Canadá),
Boston (Estados Unidos) e San Diego (EUA).
Praça pública
O professor Carlos Vainer, de 65, dá aula no Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ),
analisa que a participação dos jovens protestando no espaço urbano é
fundamental em uma democracia, e usa como exemplo a cidade do Rio de Janeiro na
questão do transporte.
Os empresários dos meios de transporte público estão envolvidos com o governo.
As cidades estão subordinadas a um punhado de empresários gananciosos, e não se
respeita a necessidade da população. Os que estão se manifestando querem uma
cidade viva, pertencente ao povo, e não uma cidade entregue a mega
especuladores como Eike Batista e pessoas ligadas ao empresariado. E é impressionante como a questão urbana
ganha uma enorme vigência. O estado, para evitar a mancha na imagem de que está
tudo lindo no Brasil, quer deter o monopólio do espaço público. E é na praça
pública que se demonstra a insatisfação, isso no mundo todo, disparou.
Organizadora refuta ação partidária
Gabriela de Mattos Machado, de apenas 17
anos, é uma das organizadoras do Fórum de Lutas contra o Aumento das Passagens,
que organizou os primeiros protestos. A estudante de teatro e ativista conta
que está surpresa com a nacionalização e a força que o movimento ganhou nas
últimas duas semanas.
Todo mundo que está no movimento desde o ano
passado ficou perplexo com a quantidade de pessoas no último ato. Foi realmente
emocionante. Já é uma vitória para nós ver o Rio acordando dessa maneira,
disse ela. Apesar de preocupada com uma possível radicalização da violência
policial no ato de hoje, ela garante que não faz diferença para o movimento.
Muitas notícias chegaram até nós nos avisando a respeito de como a polícia
pode atuar hoje. Já disseram que teria a cavalaria e até cachorros, que a
polícia já estaria na Candelária antes, tentando impedir a concentração das
pessoas. Então, estamos nos preparando para o pior, mas isso não diminui a
nossa vontade de lutar, disse ela.
A estudante afirma categoricamente que não existe vinculação partidária ao
movimento:
É ridículo porque não é nem um pouco verdade. O Fórum de Lutas Contra o
Aumento da Passagem é um movimento totalmente independente e horizontal, dos
cariocas, sem ligação com nenhum partido. Temos partidários, apartidários,
anarquistas e até gente que não é nem do Brasil, mas se identificou com o
movimento! Todos são bem-vindos para ajudar na construção do Fórum, finalizou.
Fonte: Jornal do Brasil