O controle da internet sobre coisas cotidianas
Com um único deslizar do dedo no tablet, o servidor público Henrique Barros Pereira Ramos, 48 anos, fecha as cortinas, apaga as luzes, regula o ar condicionado e aciona o telão, o projetor – ambos retráteis – e o equipamento da tevê a cabo, escondido em um belo armário. Em questão de segundos, a sala de estar do apartamento, em uma superquadra do Sudoeste, em Brasília, está pronta para uma sessão de cinema. Um conforto possível graças à automação sem fio, tecnologia que é apenas o começo do que a internet das coisas (IoT, internet of things, na sigla em inglês) poderá oferecer no futuro que nos aguarda.
Apesar de já estar ao nosso redor no roteador de wi-fi, nas câmeras de segurança acessíveis pelo celular e em aparelhos de televisão, relógios, telefones e óculos inteligentes e seus milhares de aplicativos, a IoT promete muito mais do que ligar e desligar aparelhos a distância por meio da internet. “A internet das coisas terá a capacidade de simplificar e transformar a maneira como vivemos hoje. Mas não adianta termos informações se não analisarmos a quantidade enorme de dados gerados”, afirma Fabio Rua, diretor da IBM na América Latina.
Com o devido processamento dos dados, a IoT terá aplicações no campo, com drones conectados a sensores de solo para medir composição e umidade, qualidade do ar e temperatura e, nas cidades, em carros autônomos com recursos de telemetria. Estará presente no varejo, nas aplicações em supermercados, com informações nutricionais e receitas quando um produto é retirado da prateleira, ou nas araras das lojas, que permitirão ver tamanhos e cores das roupas. Na indústria 4.0, a IoT está presente em sensores de vibração que monitoram todos os equipamentos em tempo real e nas redes inteligentes de energia, nas quais garante eficiência.
Economia
A tecnologia da IoT, agora, começa a chegar na casa das pessoas, como a de Henrique Barros. Formado em engenharia eletrônica, o servidor público tem paixão por inovações. Com dois filhos, um de 10 e outro de 4 anos, a automação sem fio do home theater e das luzes é um luxo que, garante ele, traz também economia. “Se eu fizer um programa no shopping com toda a família, vou gastar mais de R$ 200 por fim de semana. Com o conforto em casa, a gente monta acampamento na sala e se diverte sem custos. Com a dimerização (controle de intensidade da iluminação), ainda gasto menos em energia”, explica.
Além dos equipamentos do home theater, as cortinas, todas as lâmpadas da casa, o aparelho de som e o videogame das crianças, as televisões de todos os quartos e o ar-condicionado em todos os cômodos são automatizados e acessados por um tablet ou pelo celular. Quando decidiu que investiria na IoT em casa, Henrique pesquisou muito. Descobriu que para o mesmo serviço havia preços para todos os bolsos. “Ainda é caro, mas, se procurar bastante, é possível encontrar orçamentos caibam no bolso da classe média”, revela.
Evolução
O sócio da empresa Onda Z, Ronaldo Fernandes, explica que a IoT é uma evolução da automação estruturada, que necessita de cabeamento e acaba sendo muito mais cara. O custo da automação sem fio varia de R$ 3 mil a R$ 30 mil, dependendo do tamanho da casa e do número de aparelhos conectados, ressalta o especialista. “A procura é maior para sonorização e home theater. As pessoas não gostam de usar três, quatro controles remotos. Além do mais, é possível deixar os aparelhos todos guardados em armários porque a conexão não é mais por infravermelho e, sim, pela internet, por meio do celular ou de um tablet”, explica. Dessa forma, é possível acessar os aparelhos a qualquer distância.
Fernandes conta que 65% da procura na Onda Z ainda é para equipamentos de som e imagem, mas já existe como conectar banheiras e eletrodomésticos de cozinha. “Hoje em dia, se for elétrico ou eletrônico, eu consigo automatizar e ligar à internet”, assinala. Antes da crise, o crescimento da empresa era de 150% ao ano. “Em 2016, caiu 70% porque a primeira coisa que as pessoas cortam em tempos de recessão são os luxos”, lamenta. Pelo movimento no fim de 2016 e início deste ano, Fernandes está mais otimista.
A aposta da empresa de tecnologia Cisco é que 50 bilhões de dispositivos estarão conectados à internet até 2020 em todo o planeta. Para o IDC Analyze the Future, mais conservador, as bases instaladas de IoT crescerão de 13 bilhões de unidades em 2015 para 30 bilhões em 2020.
Já a empresa de pesquisa em tecnologia Gartner estima que, até 2020, mais de 250 milhões de veículos estarão conectados à internet. A grande evolução, na garagem, será a conexão à internet. Chips nos carros e em vagas de estacionamento informarão qual é o local disponível mais próximo. Sensores poderão detectar defeitos mecânicos e comunicá-los a centros de reparos.
Dentro do que existe, as empresas de tecnologia prometem surpresas. As chamadas Smart TVs logo serão o centro de conectividade da casa, tornando-se o grande controle remoto que vai reger os demais dispositivos, como alarmes, portões, eletrodomésticos. A Samsung assegura que, até 2020, todos os seus produtos terão conexão com internet e conversarão entre si.
Área de serviço
Nem a cozinha nem a lavanderia vão ficar de fora dessa revolução digital. Exemplos pelo mundo mostram que, num futuro próximo, vamos interagir de forma diferente com as coisas. Na Coreia do Sul, geladeiras inteligentes, com telas de LCD, câmeras e aplicativos como calendários para sincronizar os compromissos dos membros da família, possibilitam baixar receitas, têm sensores que controlam o consumo dos alimentos armazenados e montam listas de compras com base no que está faltando. No Brasil já está disponível no mercado uma máquina de lavar roupa da LG com conexão à internet, que manda mensagens para o celular quando o ciclo muda e termina, ou se a máquina tem algum problema.
Sem padrão de conexão
A internet das coisas (IoT) depende de uma boa conexão com a rede, embora utilize pouca banda e gaste infinitamente menos do que as aplicações mais comuns de um smartphone. Na questão de infraestrutura, a discussão no país passa pela padronização da conectividade. Como o plano nacional do setor ainda é incipiente e está na fase de consulta pública, a tecnologia foi caminhando sem um padrão.
O presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia, Eduardo Levy, alerta para o perigo de o país inventar uma nova tomada de três pinos. “Para o Brasil mergulhar de cabeça em ser um país digital, precisa priorizar certas coisas. A China estabeleceu que IoT é prioridade. Nós precisamos acompanhar a tendência mundial”, explica.
Como o consumo é baixo, a IoT só vai dar retorno para as operadoras quando houver ganho de escala. E isso só será possível com uma padronização que acompanhe as tendências globais, na opinião de Levy. “Temos que estar preparados. Países mais atrasados, sem infraestrutura de cabos, precisam investir em wireless para atender as demandas do futuro”, ressalta.
Plano
De olho no aumento desse mercado de IoT, a Oi garante que 2017 será o ano em que vai se consolidar na tecnologia. O diretor de Negócios de Tecnologia da Informação da operadora, Luiz Carlos Faray, diz que, apesar do desafio do padrão de conectividade, a Oi realizou testes em laboratório de IoT no fim de 2016. Ao longo deste ano, Faray garante que a Oi estará se preparando para oferecer a conexão pelos pontos wi-fi da rede de internet fixa.
O Plano Nacional de Internet das Coisas, que norteará as políticas públicas do governo federal entre 2018 e 2023, vai priorizar a atuação em um grupo de três a cinco setores, que ainda serão escolhidas após uma primeira fase de diagnóstico do contexto brasileiro para IoT, atualmente em consulta pública. Alguns dos assuntos tratados são: regulamentação; fomento a pesquisa e desenvolvimento; adaptação de recursos humanos para essa nova realidade; gerenciamento de infraestrutura; segurança e privacidade de dados etc.
Os setores serão anunciadas em março, durante o Mobile World Congress, em Barcelona, junto com uma primeira versão do plano brasileiro, que também vai tratar de regulamentação, modelos de financiamento, segurança digital e interoperabilidade. A versão final só será divulgada em setembro de 2017.
Fonte: Correio Braziliense