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Novo modelo para financiar plano de saúde

A união dos diversos segmentos que participam do setor de saúde suplementar aparece como o único caminho para que o Brasil consiga adotar um modelo de financiamento sustentável para esse segmento. A solução não depende apenas de um consenso desse mercado — que inclui empresas de saúde, a agência reguladora, os prestadores de serviços, médicos, clínicas e hospitais — e tampouco se resume a discutir custos. É preciso incluir consumidores e empregadores no processo e transferir o foco do debate para a qualidade assistencial, defendem especialistas.

— É preciso engajar todas as partes, sociedade, parlamento, consumidor e empresas, nessa discussão. É um desafio parecido com o da Previdência. O lado positivo da crise é que as partes estão sentando à mesa para repactuarem um novo modelo assistencial, mais para que traga uma melhor saúde para o beneficiário e menos por efeitos e reflexos em termos de redução decustos — afirmou Leandro Fonseca, diretor-presidente substituto da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Fonseca participou ontem do terceiro e último seminário do ciclo de debates sobre “Novos modelos para a saúde”, realizado pelo GLOBO, com apoio da Revista Época e patrocínio da Amil, no Museu de Arte do Rio (MAR).

As discussões, mediadas pela editora de Economia do GLOBO, Flávia Barbosa, tiveram como foco novos formatos e modalidades de pagamento de planos de saúde, e contaram ainda com a participação deMaria Inês Dolci, advogada especializada em defesa do consumidor e vice-presidente da Proteste — Associação de Consumidores; José Cechin, diretor-executivo da FenaSaúde (que representa as maiores empresas do setor), e Paulo Jorge Rascão, diretor de Produto da Amil.

Não há dúvida entre os especialistas sobre o diagnóstico: é preciso mudar o modelo deremuneração e de assistência do setor, atualmente balizado pelo pagamento por serviços que giram em torno da doença, para outro voltado para prevenção e promoção de saúde.

— A mudança do modelo assistencial pode ser muito mais célere com a entrada do empregador nessa discussão. Pois quem paga é que diz o serviço que quer receber. Hoje, os grandes empregadores ficam muito à margem dessa discussão sobre gestão de saúde, quando poderiam ser agente propulsor dessa mudança — sustentou Fonseca.

O protagonismo das empresas nesse debate não é à toa. O Brasil tem 47,4 milhões deusuários na saúde suplementar, ou um em cada quatro brasileiros. Uma fatia de 67% desse total é de planos coletivos empresariais, havendo ainda outra de 14% de planos coletivos por adesão — totalizando 81%. O restante é de planos individuais, que têm o reajuste das mensalidades regulado pela ANS.

Para além da crise — que retirou desse mercado cerca de três milhões de pessoas nos últimos dois anos e meio —, as discussões se intensificam em torno da revisão do principal marco regulatório do setor, a Lei dos Planos de Saúde (9.656/98). Uma comissão especial vai apresentar um substitutivo a mais de 140 propostas para o setor na Câmara dos Deputados. Apesar de ainda não haver relatório do novo projeto de lei, mudanças como a criação dos chamados planos de saúde acessíveis ou populares — com preços mais baixos e cobertura reduzidas — ou ainda a autorização a planos com cobertura regionalizada estão no centro dos debates. É modelo que preocupa Maria Inês, da Proteste:

— A proposta de baixa cobertura por planos de saúde acessíveis é preocupante. É uma forma de maquiar um problema que temos de saúde pública, transferindo a responsabilidade para a iniciativa privada. A mudança no rol de cobertura dos planos de saúde é para excluir tratamentos e procedimentos mais caros e complexos, que o consumidor teria de buscar no SUS. Não é boa ideia. E pode ampliar o buraco financeiro da rede pública de saúde e privada e incrementar a judicialização — diz a especialista.

Rascão, da Amil, destaca que é importante que o consumidor compreenda que saúde não é gratuita, nem no SUS, que é financiado por impostos:

— A Constituição de 1988 diz que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Mas não coloca que a saúde é responsabilidade de todos. Temos que ter uma visão deresponsabilização. O desafio é dar tudo, a todos, o tempo todo, mas isso não é possível. Diante disso, é melhor não oferecer nada? Essa é uma discussão que teremos que fazer de forma amadurecida.

A discussão esquenta ainda com o posicionamento do ministro da Saúde, Ricardo Barros, defensor do modelo de planos populares, que, no primeiro seminário do ciclo de debates, em agosto, sustentou que o aumento do número de pessoas atendidas pela saúde suplementar seria uma ferramenta para aliviar a demanda ao SUS. Barros afirmou que o mercado de saúdesuplementar deveria ser livre, incluindo o reajuste das mensalidades dos planos individuais, atualmente regulado pelo governo. “Defendo que as pessoas possam acessar o que têm capacidade de pagar”, observou o ministro.

Cechin, da FenaSaúde — que reúne 23 operadoras de saúde no país com quase 29 milhões de beneficiários —, chama atenção para o aumento das despesas dessas empresas, que subiram 12,2% em 2016, para R$ 161,5 bilhões, enquanto a receita cresceu 11,7%, para R$ 160,5 bilhões.

— A despesa assistencial per capita subiu 19,2% em 2016, enquanto a inflação geral, medida pelo IPCA, avançou 7%,e o reajuste autorizado pela ANS (aos planos individuais) foi de 13,6%. A questão é que o número de beneficiários caiu e a sinistralidade (incidência de uso) subiu.

O diretor-presidente da ANS reconhece a pressão da inflação médica:

— O custo médico hospitalar das operadoras vem crescendo de 10% a 15% nos últimos 5 anos. É uma tendência inexorável e um desafio mundial.

Fonseca ressalta, no entanto, que a discussão não pode se restringir a custo, é preciso rever o modelo assistencial. Rascão concorda e aposta na atenção primária como novo modelo:

— A medicina de família contribui para a redução de custos e melhora na saúde do usuário. Esse é o modelo de futuro, que foca na redução dos fatores de risco e no estímulo a hábitos saudáveis.

Envelhecimento e tecnologia são os maiores pesos nos custos do setor

Coparticipação e capitalização podem ser opções para viabilizar planos

Despesa com assistência subirá 14,2%, em dez anos, com aumento no número de idosos

O envelhecimento da população e a incorporação de novas tecnologias pelos planos de saúde são apontados como os principais vetores de aumentos de custos do setor.

— O alto custo da medicina tem de estar no centro da discussão sobre como melhorar a qualidade do serviço prestado pela iniciativa privada. Temos de encontrar respostas rápidas aos desafios trazidos pelo envelhecimento da população. Não aproveitamos o bônus etário para ajustar o modelo. É bom viver, mas custa caro — admite Maria Inês Dolci, da Proteste.

O custo das despesas per capita das operadoras de saúde vai subir 14,2% nos próximos dez anos em consequência do envelhecimento da população, segundo dados da FenaSaúde.

— Quanto mais idosa a população, maiores os cuidados com doenças crônicas — explica José Cechin, da entidade.

Em 2013, o custo médio de assistência à saúde para uma pessoa com 59 a 64 anos — na última faixa de reajuste previsto pela ANS — foi de R$ 4.217. Já para os idosos com 80 anos ou mais, o valor saltava para R$ 13.291.

A cada dois anos, a ANS atualiza o rol de cobertura conforme novas tecnologias se tornam disponíveis para diagnóstico e tratamento. Na última atualização, com a inclusão de 16 itens, num valor equivalente a R$ 5,4 bilhões, de acordo com a FenaSaúde, a alta em despesas para as operadoras foi de 4%.

Leandro Fonseca, à frente da ANS, diz que os critérios para a incorporação de novas tecnologias no rol estão sendo revistos, mas acrescenta que há também uma questão de escala:

— Temos 780 operadoras no mercado, sendo que 125 delas respondem por 80% dos usuários. Para lidar com os riscos, é preciso ter capital ou escala.

Paulo Jorge Rascão, diretor de Produto da Amil, frisa que é preciso atrair mais usuários:

— Se pusermos mais gente nos planos, reduziremos custos. Não é trazer de volta quem saiu, mas atrair 70 milhões a mais.

Outra via, diz Rascão, seria a ênfase na venda de planos com pagamento de coparticipação ou franquia pelo beneficiário:

— O copagamento reduz em 20% o preço da mensalidade. Mas, no Rio, só 18% das pessoas optam por esse modelo de plano. Se agarram à sensação de que, pelo modelo tradicional, terão tudo de “graça”.

Para os idosos, uma opção é a criação de planos de previdência ou capitalização direcionadas a cuidados com a saúde.

— Durante a vida ativa, quando se tem menos problemas de saúde e a empresa arca com plano, se faria a Poupança para a velhice — explica Cechin.

Fonte: O Globo

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