Novas formas de luta de classe (Artigo)
Na noite de 14 de abril de 1912, dois anos antes da eclosão da Primeira Grande Guerra, o Titanic, orgulho do capitalismo inglês da época, bateu num iceberg do Atlântico Norte e afundou. No anoitecer de 6 de maio de 1937, dois anos antes da eclosão da Segunda Grande Guerra, o Zepellin, orgulho da tecnologia alemã, ao descer em Nova Jersey, Estados Unidos, pegou fogo e se destruiu. Sina ou mera coincidência?
O Titanic transportava 2.234 pessoas, entre tripulantes, funcionários e passageiros de diversas classes sociais. No desastre, viram-se comportamentos míticos de um romantismo ocidental ainda sobrevivente dentro do capitalismo: a orquestra foi ao fundo continuando a tocar, o milionário Benjamin Guggenheim cedeu seu lugar a uma jovem no bote salva-vida, um casal milionário preferiu permanecer no camarote para morrerem juntos, e o capitão Smith foi o último a afundar com o navio.
O Brasil, como o Titanic, fez água, mas, ao que parece, está se salvando. Contudo, os seus tripulantes e passageiros já pertencem a uma nova estrutura de classe, e com menos romantismo. A antiga divisão entre capitalistas e assalariados foi substituída pela introdução de uma terceira, na terminologia de Michal Kalecki, a dos capitalistas assalariados. Predicados e qualidades (no conceito de Gilles Deleuze) desta nova classe seriam o fato de seus membros serem, simultaneamente, empregados e gestores do capital, e o seu poder de definir os salários dos empregados, inclusive os próprios. Como tripulante, quando a classe ocupa postos de governo, ela tem a qualidade de definir valores, como o dos juros básicos da Selic, ou o do salário mínimo. A salvação do Brasil está entregue à presteza desta classe.
Os mitos românticos, porém, já se foram, e na crise brasileira atual, vê-se um “salve-se quem puder”, “a guerra de todos contra rodos” de Thomas Hobbes. Nela se digladia um número enorme de setores inter e intraclasse, de setores de ocupação e de setores de atividades, formando uma Torre de Babel. Esta pulverização do setor social do trabalho, em meio ao avanço tecnocibernético, criou maior dispersão de posicionamentos ideológicos partidários e de formas de luta de classe. Regra geral, veem-se capitalistas assalariados procurando manter seus privilégios e ganhos, além da opressão sobre o setor de assalariados simples. Por exemplo, o setor jurídico brasileiro, colocado em alta, e com justiça, pelo processo da Lava-Jato, originado por jovens juízes, se garante em receber os seus salários altos em dia e se concede aumentos. Enquanto isso, a fim de manter a ordem pública e a defesa da economia privada, é evocado a impedir greves de soldados de PMs estaduais por melhorias de proventos e pagamentos em dia, quando suas famílias não conseguem manter o consumo básico e evitar a inadimplência.
A violência urbana registrada recentemente em Vitória indica na fala do professor Leandro Karnal uma “favelização”, uma situação na cidade marcada pela retração do Estado, e que mobiliza atenções. Porém, a questão central presente no Brasil, como no mundo, são as novas formas de luta de classes.
A antiga divisão entre capitalistas e assalariados foi substituída pela introdução de uma terceira, na terminologia de Michal Kalecki, a dos capitalistas assalariados.
Fonte: O Globo