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No limite do Atacama, a nova fronteira vitícola do Chile

O Vale do Limari foi onde nasceu a vitivinicultura chilena, por volta do século XVI, mas só nos anos 90 desabrochou
Durante dezenas e dezenas de anos, desde que o Chile iniciou sua verdadeira história vitivinícola, implantando mudas européias em meados do século XIX, a produção de vinhos no país foi se desenvolvendo na planície central, uma faixa espremida entre a imponente Cordilheira dos Andes, a leste, e a Cordilheira da Costa, a oeste, proporcionalmente mais modesta, mas o suficiente para servir de proteção às influências marítimas emanadas do Pacífico. As condições climáticas favoreciam a elaboração de tintos, e explicam a predominância desse gênero no consumo interno e na exportação. Mais do que isso, aliás, aproveitando as facilidades que a natureza pródiga lhes propiciava, os produtores chilenos abusavam da quantidade, o que resultava em vinhos tintos baratos, sem personalidade.
O cenário começou a mudar na década de 90 quando ficou comprovado o potencial de Casablanca, região situada a nordeste de Santiago, “descoberta” pelo enólogo Pablo Morandé em 1982. Por não ter a proteção da Cordilheira da Costa e estar bem mais próxima do mar ela recebe a brisa fresca que vem das águas frias do Pacífico. A temperatura média mais baixa, aliada à grande amplitude térmica diária, abriu caminho para vinhos brancos elegantes e de qualidade, em particular Chardonnays e Sauvignons Blancs, padrão até então inusitado no país. O sucesso, ou mesmo as razões do sucesso de Casablanca, encorajou projetos em áreas que ninguém imaginaria alguns anos antes.
O primeiro deles, já reconhecido, é o desenvolvido no Vale de San Antonio, distante 80 km a oeste de Santiago e um pouco mais ao sul de Casablanca, que ampliou sobremaneira a oferta de vinhos chilenos de qualidade em castas onde eles tinham deficiência. É de lá, por exemplo, que provém o EQ Matetic Syrah (trazido pela Casa do Porto). Com um padrão bastante semelhante aos melhores Crozes Hermitage franceses – tem mais frescor, o que lhe dá mais equilíbrio – virou referência no Chile.
Mal vão sendo desenvolvidas e melhor exploradas essas áreas, uma frente nova e inusitada – fica a 400 quilômetros ao norte da capital, no limite verde do deserto de Atacama -, vai despontando: o Vale do Limari. A despeito do que sua posição geográfica possa de início indicar, o Limari é igualmente influenciado pelos ventos frios do Pacífico, que deixa as temperaturas frescas durante o dia e frias à noite, e é beneficiado por um micro-clima todo particular, com baixíssimo índice pluviométrico -apenas 90 mm por ano.
Cheia de misticismo e rica em história – a área foi dominada durante 400 séculos pela cultura Molle, a mais importantes da região, conforme comprovam petróglifos e pictografias encontradas -, Limari foi também onde nasceu a vitiviniculrura chilena, por volta do século XVI. Isso, no entanto, foi sendo abandonada e trocada pelo cultivo de uvas de mesa e frutas tropicais, além da produção de pisco.
Nos anos 90, timidamente e com descrença por parte das vinícolas implantadas nas áreas tradicionais, nasceram os primeiros vinhedos destinados a vinhos finos. Hoje várias vinícolas importantes estão ali instaladas, a começar pela Tabali (importado pela Grand Cru), palavra indígena que significa “casa de pedra”, pertencente à Viña San Pedro, o segundo maior grupo vinícola do Chile e que, talvez, tenha dado o grande empurrão para o reconhecimento do local.
Nesse caso não foi premonição ou decisões com base em estudos técnicos. A ordem veio de cima, mais especificamente de Guillermo Luksic, proprietário da Viña San Pedro e um dos mais importantes empresários chilenos. Por razões mais singelas: era a terra natal de sua mãe. Ele resolveu comprar a área para homenageá-la, sem ter, num primeiro momento, a produção de vinhos como objetivo. Isso veio com o tempo, ao perceber que as parreiras ali plantadas para consumo próprio resultaram num vinho acima das expectativas.
Atualmente o projeto ganhou outra dimensão com uma cantina moderna, funcional e espaçosa, que está capacitada para vinificar os 180 hectares de vinhedos em produção, mais os 150 hectares em vias de serem implantados. Uma nova equipe técnica foi contratada, tendo à frente o enólogo Felipe Muller, vindo da De Martino, do responsável de campo, Hector Rojas, que passou pela Casa Lapostolle, e do conceituado consultor Pedro Parra.
Rojas e Parra, supervisionados por Muller, estão empenhados num profundo estudo de campo para eleger parcelas, as melhores castas e clones. A tendência é reforçar a área destinada a Syrah, Chardonnay, Sauvignon Blanc e Pinot Noir, que já representam 75% da área plantada, reduzindo o cultivo de Cabernet Sauvignon, Merlot e Carmenère, que, para o local onde se encontram, oferecem resultados não tão interessantes.
Outra vinícola visitada, com uma gama de vinhos bem interessantes e representativos do melhor que o Vale do Limari está oferecendo, é a Casa Tamaya (representada Del Maipo). A entrada em 2006 de José Pablo Martin, um competente enólogo com apenas 32 anos, deu novo alento e padrão aos rótulos da vinícola, provenientes de 110 hectares plantados em 1997 (a parcela de Merlot, casta que não se mostrou bem adaptada à região, foi arrancada). Os vinhos à base de variedades como Syrah e Viognier merecem atenção, vindo logo atrás dos belos exemplares de Chardonnay e Carmenère, pontos altos da degustação.
Nomes de peso dentro do cenário vinícola do Chile estão se instalando nessa nova fronteira do país atraídos pela qualidade e pela característica diferenciada de seus vinhos. Prova disso é a Concha y Toro que comprou em 2005 a Viña Francisco de Aguirre, a mais antiga e tradicional da região. Se algo mais fosse necessário para que o nome Vale do Limari, inscrito no rótulo, seja uma garantia a mais de qualidade, vale lembrar que o melhor vinho branco da degustação realizada em outubro do ano passado em Mendoza, reunindo os cem melhores do Chile e da Argentina – publicado nesta coluna – foi o De Martino Single Vineyard Chardonnay 2006 (à venda na Decanter), elaborado com uvas provenientes de lá. Não foi só o melhor branco, foi o quarto na classificação geral.

Fonte: Valor

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