Neuroeconomia e comportamento: um novo olhar
Entre os inúmeros desafios que o crescimento da poupança previdenciária reserva aos gestores e reguladores dos fundos de pensão em todo o mundo está o de provocar uma significativa mudança de rota na compreensão das pessoas em relação ao seu próprio futuro financeiro. As novas teorias econômicas, fundamentadas na economia comportamental e nos estudos de neuroeconomia, tendem a ganhar espaço crescente no dia a dia da gestão de planos de previdência complementar.
O objetivo é utilizar as mais novas constatações científicas nesse campo para aprimorar o processo de tomada de decisões, que será determinante para o equilíbrio econômico dos participantes dos planos de benefícios a partir do momento em que se tornarem aposentados. O tema será abordado durante o 36º Congresso Nacional dos Fundos de Pensão, que ocorrerá em Brasília entre os próximos dias sete e nove de outubro, pelo especialista Diego Valero Carreras, professor da Universidade de Barcelona e presidente da Novaster, consultoria previdenciária líder na Espanha.
A ideia é analisar a economia comportamental aplicada ao sistema de fundos de pensão e a sua interface com a neuroeconomia, para compreender quais são as bases psicológicas para o comportamento humano e como elas afetam o processo de tomada de decisões financeiras de tão longo prazo , afirma Carreras.
Estímulos neuronais – A teoria que está na origem da economia comportamental revela que há percepções distintas dos seres humanos sobre ganhos e perdas, o que está muito longe de representar um comportamento pura e simplesmente racional. Nos termos da teoria econômica convencional, as pessoas obedeceriam à lógica dos mercados perfeitos, recebendo toda informação disponível para entendê-los, mas não é assim que funciona na prática , enfatiza o especialista. É preciso identificar o contraponto entre o pensamento racional e o pensamento automático, impulsivo, que acaba prevalecendo na maioria das decisões.
As escolhas referentes à previdência envolvem decisões particularmente complexas e é preciso descobrir, à luz da neuroeconomia, como ajudar as pessoas a poupar a longo prazo e poupar melhor para sua aposentadoria , diz Carreras.
O comportamento psicológico tem uma base neuronal, ou seja, ele está estreitamente relacionado aos estímulos cerebrais e neuronais das pessoas, uma teoria que tem sido desenvolvida ao longo dos últimos dez a quinze anos por especialistas em todo o mundo, mas que ainda prevê diversos estudos futuros. De acordo com Carreras, o comportamento psicológico diante da necessidade de tomar decisões econômicas é sustentado por questões neuronais, ligadas ao funcionamento dos centros de prazer e de dor no cérebro humano . Todo esse conjunto de correlações precisa ser analisado com foco nas escolhas previdenciárias, com suas inúmeras variáveis. Os estudos nesse sentido estão mais desenvolvidos nos Estados Unidos, diz Carreras, mas também já contam com experiências na Suécia e em outros países europeus.
Arquitetura das decisões – Entre as principais pautas envolvidas na aplicação das novas teorias, há alguns aspectos-chave que precisam ser considerados pelos fundos de pensão. O primeiro deles e o mais básico ensina que as decisões têm que ser poucas, compreensíveis e fáceis de tomar . Se, ao contrário, forem apresentadas questões complexas, com muitas opções diante do indivíduo, o mais provável é que ele não eleja nenhuma ou, se eleger, tomará uma decisão equivocada. A arquitetura das decisões deve ser simples e é preciso que tanto os gestores dos fundos de pensão como os reguladores compreendam a necessidade de tornar as coisas o mais simples possível , pondera o especialista.
Como consequência, a informação que chega às pessoas deve ser clara, transparente, simplificada e útil. Um dos erros mais comuns é o de fornecer informações de difícil entendimento e na ordem inadequada, porque a ordem em que elas são oferecidas também é fundamental . Oferecer em primeiro lugar a informação que tem maior utilidade, ou seja, mostrar à pessoa quanto ela poupou até um determinado momento e qual o benefício que ela poderá receber graças a essa poupança. Se começarmos por falar em percentuais de ativos nos quais o dinheiro foi aplicado e detalhar retornos obtidos pelas carteiras de investimento, a maioria das pessoas não entenderá e, como resultado, desanimará. A informação deve ser compreensível para as pessoas normais, ou seja, para todos nós , enfatiza Carreras. Nesse sentido, os sistemas mai s interligados são os que seguem o modelo ciclo de vida que, ao contrário dos perfis de investimento, exigem pouquíssimas tomadas de decisões.
Envelhecimento O aumento do envelhecimento das populações dos planos previdenciários, já incorporado à realidade de outros países e que começa a ser uma preocupação cada vez mais presente no Brasil, tem um papel fundamental nos estudos de economia comportamental. É preciso saber se somos capazes de nos enxergarmos como pessoas mais velhas, em idade de aposentadoria, essa é uma questão clara ao longo da história da humanidade mas que as pessoas ainda têm dificuldade para compreender , lembra Carreras. O desafio, portanto, é colocar as pessoas jovens em situação de enxergar seu futuro, ver-se como mais velhos e compreender o que acontecerá nessa fase de suas vidas. Há aqui um gap de identidade, uma dificuldade do ser humano que ainda não é bem tratada por ninguém, mas que é fundamental no que diz respeito aos sistemas de previdê ncia .
Há um grande esforço a ser feito, portanto, para que realmente sejamos capazes de compreender a situação e enxergar o envelhecimento não como uma coisa má e sim como uma consequência natural da evolução da humanidade. Devemos ser capazes de dar uma resposta a essa questão, seja individualmente, seja coletivamente, mas todos tendem a tomar decisões de curto prazo, principalmente os governos, já que eles pensam apenas em sua própria reeleição , ressalta Carreras. Num mundo ideal, todas os agentes envolvidos com os sistemas de previdência precisam compreender a importância de pensar a longo prazo mas esse, reconhece o especialista, ainda é um caminho a ser percorrido.
Fonte: ABRAPP