Multas com equilíbrio
A recente discussão sobre o projeto de lei que estabelece o perdão parcial de multas devidas pelas operadoras de planos de saúde à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem passado ao largo de um tema mais amplo e, sem dúvida, mais relevante para a sociedade do que o simples e insistente maniqueísmo desinformado, que vê em tudo mera artimanha para beneficiar grandes empresas.
O preconceito contra qualquer benefício concedido pelo Congresso Nacional a pessoas jurídicas acaba gerando uma sensação de ilegitimidade que leva ao repúdio automático. Nada disso, porém, nos livra da obrigação de examinar a questão de forma um pouco mais detida, compreendendo melhor o seu alcance e as suas motivações, principalmente quando envolve um assunto tão relevante quanto a prestação de serviços de saúde.
É evidente e inegável que as multas são um importante instrumento de regulação. Em toda e qualquer atividade humana, o temor de sofrer penalidades tem o condão de estimular as pessoas e empresas a andarem na linha.
Porém, embora criadas para fomentar e regular setores importantes da economia, as agências reguladoras têm se transformado em organismos de arrecadação do governo federal, através da imposição de penalidades exageradas e fundamentadas em critérios pouco claros. E isto leva, inegavelmente, a distorções e injustiças.
Como o objetivo das multas é regulatório e não arrecadatório, a sua imposição pelas agências reguladoras deve ser realizada com redobrada atenção. Se elas forem tímidas demais, perdem a função pedagógica que justifica a sua existência. Mas se forem exageradas, como tem acontecido, acabam por comprometer a saúde financeira das empresas reguladas – principalmente as de menor porte – e por via de consequência o próprio serviço prestado, o que naturalmente é um enorme contrassenso.
Esses excessos não ficam claros para a opinião pública. Assim, iniciativas que, no fundo, buscam corrigir distorções são recebidas indevidamente como benesses.
Os recursos que compõem o sistema de saúde suplementar saem do bolso do consumidor e se destinam a financiar sua assistência. Por esta razão, a manutenção de um mercado equilibrado – com empresas sólidas, capitalizadas e com capacidade de investimento – é interesse da própria sociedade, verdadeira financiadora e destinatária final dos serviços.
Antes, portanto, de concluirmos se as multas impostas pela ANS às operadoras de planos de saúde devem ser mantidas ou atenuadas, é prudente apurar, sem preconceitos, se a medida se justifica, levando em conta principalmente o interesse dos consumidores.
Fonte: O Globo