MP TENTA GARANTIR SEGURO DE VIDA DA SUL AMÉRICA
O Ministério Público de São Paulo entrou com Ação Civil Pública na Justiça para garantir a manutenção de seguros de vida de clientes da Sul América. Segundo o MP, aumento das mensalidades pode fazer com que muitos consumidores percam seu seguro.
A ação foi ajuizada pela promotora Deborah Pierri, da 2ª Promotoria de Justiça do Consumidor, e distribuída para a 39ª Vara Cível de São Paulo. Deborah pede a manutenção do contrato de seguro firmado com um número expressivo de consumidores na década de 70.
De acordo com ela, para manter o contrato, muitos dos consumidores terão de pagar em cinco anos prêmios (mensalidades) que se elevam até 1.000%, o que torna a renovação tão onerosa que pode implicar em expulsão de consumidores, muitos deles idosos.
Excelentíssimo Juiz de Direito da _ Vara Cível da Capital.
A 2ª. Promotora de Justiça do Consumidor, calcada no que dispõe os artigos 129, III da Constituição Federal, Lei 7.347/85, Código de Defesa do Consumidor e ainda no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), vem, perante, Vossa Excelência apresentar a AÇAO CIVIL PÚBLICA, com pedido de LIMINAR, em face de SUL AMERICA SEGUROS DE VIDA E PREVIDENCIA S/A, CNPJ no.01. 704.513/0001-46, domiciliada à Rua Pedro Avancine, no. 73-parte, Jardim Panorama, Caixa postal no.42.338-6, CEP 04218-970, São Paulo, SP, pelas razões de fato e de direito que se seguem.
I ? Da legitimidade e interesse de agir:
A missão constitucional do Ministério Público é agir em defesa dos interesses difusos e coletivos (art. 129, III da Constituição Federal). Essa também é a política adotada pelo CDC, pois a combinação dos arts. 81/82, permite o ajuizamento de ação civil de qualquer natureza para tutela dos interesses dos consumidores, pleiteando quando necessário o provimento provisório em defesa da coletividade.
No caso em questão a legitimidade relaciona-se ao objeto da ação, pois a ré, fornecedora de serviços nos termos do art. 3º, §2º do CDC, mantém na sua carteira de segurados, milhares de contratos firmados pelos consumidores desde a década de 70.[1][1]
Esses consumidores estão dispersos nos locais mais distantes desse país, o que dá à causa maior amplitude, pois uma única decisão, deixará milhares de pessoas, principalmente os idosos, em situação mais confortável.
O traço coletivo da presente demanda é que os contratantes mantêm com a ré contrato de seguro de vida, ao que se sabe denominado Programa de Vida – CLUBE DOS EXECUTIVOS (fls. 42). Ocorre, que com esse ou outro nome, os contratos estão embasados nas mesmas cláusulas contratuais padronizadas (CDC, art. 81, II).
Além disso, os interesses dos consumidores têm contornos de homogeneidade (CDC, artigo 81, III), na medida em que, o reconhecimento da demanda, acarretará para a ré o dever de restituir o que tenha sido indevidamente recebido a título de prêmio, bem como, a de responder pelos prejuízos patrimoniais e morais, que sua conduta abusiva e ilícita tenha causado aos consumidores.
O interesse de agir segue na mesma trilha, pois a relação entre os segurados e a seguradora é reconhecida como típica relação de consumo e o exame dos fatos e dos fundamentos, por si só, ensejam o reconhecimento de que há necessidade do ajuizamento da ação civil para a proteção dos segurados, especialmente, porque muitos já em idade considerável e ajustada aos princípios e normas do Estatuto do Idoso.
II ? Histórico:
O referido procedimento administrativo foi instaurado a partir de representação feita por segurados, preocupados com a conduta da ré, que em carta padronizada (fls. 03), desde fevereiro de 2006, conclamou milhares de segurados a ajustarem os termos do contrato de seguro de vida.
Vale dizer também, inúmeras reportagens foram juntadas aos autos e expressam a preocupação em torno do tema, perplexidade da sociedade com o trato dado pela seguradora aos mais vulneráveis, pois parte dos segurados são considerados idosos à luz do que dispõe a Lei 10.741/2003.
Apenas para guiar a compreensão deste Juízo, vale a pena fazer um pequeno histórico sobre o mercado de seguro de vida em nosso país.
O ramo do seguro no Brasil foi capitaneado de modo expressivo pelo seguro de vida individual. Entretanto, nas décadas 60 e 70, o seguro de vida em grupo ganhou muita força.
A princípio, implantado para atender grupos formalmente constituídos, particularmente os decorrentes do vínculo de contrato de trabalho, por isso no interesse e com a interveniência do próprio empregador, espalhou-se pelo país por meio dos clubes de seguros, o que abriu espaço para a participação individual nos denominados grupos abertos.
Ressalte-se, a ré, também várias seguradoras, adotavam o regime financeiro da ?repartição simples?. Nesse regime não há formação de fundos ou provisões, isto é, o montante dos prêmios arrecadados servem para liquidação dos sinistros, pagamento de despesas administrativas etc.[2][2]
Veremos mais à frente, que a falta de qualquer reserva facilitou a vida das companhias, basta lembrar que a década de 70, foi marcada pela massiva especulação onde as aplicações financeiras no mercado financeiro é que ditavam os negócios das seguradoras.
Arrecadar montantes consideráveis de prêmios exigiu muitas vendas, muitas delas sem critérios rigorosos, nos quais deveriam ser levados em conta, aspectos peculiares das vidas seguradas, valores e outros itens. Esses e outros fatores deram início à crise que se avizinhava e foram jogadas no colo de milhares de vida seguradas.[3][3]
III ? Dos fatos:
As soluções das crises e dos descuidos empresariais, quase sempre deságuam no consumidor, basta que se examinem as mirabolantes propostas ofertadas pela ré.
Como já foi dito, a ré, em carta padronizada datada de 22 de fevereiro de 2006, remeteu aos segurados consumidores o “PROGRAMA DE READEQUAÇÃO DA CARTEIRA DE SEGUROS DE PESSOAS”, (fls. 03/205), atendendo às determinações da SUSEP; também “em função do atual contexto econômico e legal, que é avesso à manutenção dos produtos sem atualização monetária ou cláusula de reenquadramento do prêmio de acordo com a faixa etária do segurado”.
Situação parecida com essa foi enfrentada por vários segurados de planos de saúde, que, felizmente, não aceitaram passivamente os desmandos de algumas empresas e tratamento indevido dado por elas aos contratos de longa duração.
Essas situações se revelam no inconformismo dos consumidores dos planos de seguros de vida (Programa de Vida ? Clube dos Executivos).
Vejamos, a missiva dirigida ao consumidor ?W.B.C?, revelarem as propostas de renovação feita pela ré e propõem (impõem) três opções. Diferem umas das outras especialmente nos itens: cobertura (morte), capital segurado e prêmio:
Opção 1(fls.24):
Situação atual
Capital Segurado – Prêmio
R$ 67.615,00 – R$ 66,21
Situação proposta
(1º. Ano)R$ 67.615,00 – R$ 66,21
(2º. Ano)idem – R$ 66,21
(3º. Ano)idem – R$ 264,02
(****)
(6º Ano)[4][4]idem – R$ 479,78
Opção 2 (fls.25):
Situação atual:
Capital segurado – Prêmio
R$ 67.615,00 – R$ 66,21
Situação proposta:
(1º. Ano)R$ 33.807,50 – R$ 66,21
(2º. Ano)R$ 33.807,50 – R$ 108,84
(3º. Ano)idem – R$ 151,48
(****)
(6º. Ano)[5][5]idem – R$ 256,58
Opção 3 (fls.26):
Situação atual:
Capital segurado – Prêmio
R$ 67.615,00 – R$ 66,21
Situação proposta:
(1º. Ano)R$ 50.000,00 – R$ 66,21
(2º. Ano)idem – R$ 135,81
(3º. Ano)idem – R$ 205,38
(***)
(6º. Ano)[6][6]idem – R$ 363,48
As três supostas opções revelam iniqüidade de tratamento, pois são na verdade imposições aos segurados.
Com efeito, o segurado ou paga os prêmios com reajustes insuportáveis, solução única para a manutenção do capital; ou reduz o capital e pagam-se os prêmios, que em seis anos se elevam em alguns casos em até 1000%, consoante noticias extraídas de vários jornais (fls. 32/41, 65, 89/96).
Pretensamente preocupada com a situação de seus parceiros contratuais, a ré remeteu juntamente com as cartas, o GUIA GERAL – CLIENTES (fls. 56), documento necessário para que se compreenda o problema e a falta de perspectiva dos segurados .
Tome-se, por exemplo, a opção no. 1 e confiram-se os detalhes:
“Os segurados contarão com, praticamente, as mesmas coberturas existentes no contrato atual e os mesmos valores de capitais segurados. É importante notar que, particularmente no caso das coberturas de invalidez, há algumas mudanças importantes em relação às definições, devidas às novas regras, conforme abordado no item “Nova Regulamentação”. Essa Opção é a que melhor se adequa aos segurados que mantém as mesmas necessidades, desde a época da contratação do seguro atual.” (grifos originais).[7][7]
O reajuste do prêmio, levando-se em conta os 5 anos após a aceitação da proposta, é chamado pela ré como melhor opção ou “a que melhor se adequa aos segurados”.
Claro que para a seguradora, cujos resultados no primeiro trimestre apresentaram expressivo crescimento (lucro líquido de R$ 46,5 milhões – segundo balanço enviado à Bolsa), não haveria, fosse o caso, qualquer problema em assumir reajustes contratuais que projetassem elevação em mais de 600% (fls. 69).
Deixando-se de lado outras impressões, verdade é que a leitura do item 10.6.1 de fls. 79, demonstra de forma cabal que, em nosso país envelhecer ainda é um problema sério, mesmo após os direitos dos idosos terem sido especialmente consagrados na Lei 10.741/03.[8][8]
Com efeito, a ré, após 20 ou 30 anos de contratação, criou faixas etárias que não foram estabelecidas pela autarquia federal, mas disciplinadas por ela (fls. 79); ainda sim, a aberração é mais perceptível quando se examinam as duas últimas faixas de idade.
Observem-se os percentuais por faixa etária:
Faixa etária
% Mudança por faixa etária
56-60 = 52,44%
61-65 = 45,93%
66 = 27,28%
Vale dizer, embora tenha criado a faixa etária para atender ao (SENHOR) mercado, também não deixou de destacar que, após o segurado completar 66 anos, os anos que se seguirão representarão acréscimos de 10% a cada ano (fls. 80, item 10.6.2).[9][9]
A mesma iniqüidade na opção 2, mas nessa (imposição) o consumidor, verá reduzido o capital pela metade. Risível também é a opção 3, levando-se em conta a carteira de segurados já existentes, pois muitos já superaram a idade limite de 65 anos e conseqüentemente não poderiam usufruir seus direitos; reduzindo-se o capital nos cinco anos seguintes, projetam reajustes dos prêmios em percentuais superiores a 400% para o exemplo do consumidor (WBC), mas que pode ser aproveitado para compreender-se o estrago criado pelas manobras da ré.
Prosseguindo na interpretação desse pacote contratual, vale lembrar, que muitos dos segurados, que haviam optado pela cobertura de invalidez por doença (IPD), perderão essa cobertura, embora o réu diga para o desesperado consumidor, que – ?praticamente, as mesmas coberturas do contrato atual?. Tal cobertura, obviamente, é mais do que desejada pelos consumidores, especialmente após o acúmulo de primaveras como é o caso do consumidor “D.A.A”, (fls. 29).
III ? Fundamentos jurídicos:
As normas da SUSEP, referidas pela ré também em sua resposta de fls. 103/105, foram editadas para regularização do mercado de seguros de pessoas[10][10], mas, longe disso, não estabeleceram obrigatoriamente as faixas ou percentuais por faixa etárias, nem tampouco os percentuais de reajustes dos prêmios e sua relação com o capital.[11][11]
As faixas e os reajustes por faixas não podem ser aceitos como solução para um problema, que foi criado pela própria ré, especialmente quando essas imposições se constituem em excessiva onerosidade para o consumidor.
Se no longo tempo de existência do contrato havia razão para a revisão dos prêmios, porque a seguradora não cuidou de esclarecer os segurados sobre suas necessidades e sobre os riscos a que seus direitos estavam submetidos.[12][12]
Com efeito, a SUSEP, órgão fiscalizador, pretendendo regularizar os contratos de seguro, exigiu das seguradoras, o que já deveria há muito ter sido feito, real projeção das necessidades das carteiras em longo prazo, mas, abriu brechas para que agora imponham aos segurados prêmios impagáveis ou vergonhosa redução de capital.
Vale lembrar, as novas condições criadas pela SUSEP já são obrigatórias para os novos produtos e disso não tratamos, pois a base são os contratos já em vigor e que precisam a bem da verdade ser adaptados, a despeito de não se concordar com o que está sendo proposto, o que torna a carteira do Clube dos Executivos ? Plano Vida numa situação delicada, tendo em vista que o prazo se esgota em 1 de junho de 2006 (fls. 103).
Na hora do desespero os consumidores não têm como se socorrer senão do Poder Judiciário, pois a própria SUSEP se esquiva do problema ao dizer que não controla preços, mas alude que sua gestão às seguradoras para que os reajustes fossem graduais.
O que há de gradual num prêmio que em 5 anos eleva-se mais de 600% como no caso do consumidor “WBC” ?
Isso sensibilizou e ainda sensibiliza não somente os que serão prejudicados pela atitude desairosa da ré, infelizmente agindo de modo similar a outras seguradoras [13][13], mas também vários setores da vida social.
Aliás, apesar de tudo, há boa dose de indignação no povo brasileiro, que repudia o notório enriquecimento ilícito feito nas propostas aos segurados do Clube dos Executivos; bem como, repudia o mau uso da confiança[14][14], depositada pelos consumidores ao longo dos anos. Isso porque, sem a intervenção do Poder Judiciário, os segurados serão injusta e inexoravelmente expulsos da carteira, mesmo após 30 anos de contribuições[15][15].
Mesmo os especialistas na área de seguros concordam que há algo de indevido na conduta das seguradoras. Com efeito, as justificativas dadas aos segurados não são nada convincentes, pois as circulares 302, 316 e 317 da SUSEP não alicerçam os reajustes abusivos dos prêmios.
Isso porque, as variações nos prêmios podem se elevar entre 300% a 1000% sobre o valor contratado no ano de 2006, não é preciso muito para se concluir que os ganhos dos consumidores não chegarão nem perto dessa evolução.
Também custa a acreditar que o cuidado da seguradora seja sincero quando também propõe a redução à metade das coberturas contratadas[16][16].
Ademais, pelo fato dos idosos ? maioria dos segurados – encontrarem-se em idade tal que, presumidamente, será improvável a realização de novos planos com outras seguradoras, e, ainda que assim ocorra, tais planos implicaram altos custos. [17][17]
Sabemos que desde 2003 temos uma lei própria de proteção aos idosos (Lei 10.741/2003), mas isso não conseguiu, como de resto não tem sido outra a sorte das leis em nosso país, modificar a cultura jurídica e social sobre a necessidade efetiva, concreta e de se considerar os idosos e outras categorias de consumidores, não mais como simples grupos vulneráveis, mas sim, reconhecer que certos grupos de pessoas estão em situação de hipervulnerabilidade na expressão de H. Benjamin.[18][18]
Mesmo os socialmente privilegiados muitas vezes têm suas finanças comprometidas com situações de envelhecimento, doenças, enfim, simples fatos naturais da vida.
De modo irônico, o jornalista Gaspari sugere aos interessados que os consumidores façam seguro contra companhias de seguros, para que não sejam abandonados no meio do caminho.
Ironias à parte.
Não há porque discordar do fato de que as peculiaridades do segurado são fatores importantes na composição do valor do prêmio. Entretanto, impor prêmios cuja elevação ano a ano tornam-se invencíveis equivale expulsar os segurados de modo brutal.
Utilizar-se de cláusula contratual (renovação e rescisão anunciada) que por mais de 30 anos nunca foi invocada, apenas para impor preços inexplicáveis é exagerado e à luz do Código de Defesa do Consumidor não pode ser acolhida na medida em que se constitui em prática exagerada, adotada em face de quem se encontra em situação de fraqueza ou vulnerabilidade (art. 39, IV, V, art. 51, X, parágrafo 1º).
Com efeito, a ré, deixou sua carteira desequilibrar-se, com certeza não por incompetência, dada a posição ocupada pela empresa no mercado de seguros, mas muito mais pela falta de cuidado com os interesses dos segurados.
Trinta anos atrás, os segurados estavam com saúde, vigor e em pleno desempenho de sua capacidade laborativa. Pagavam prêmios menores, mas sua expectativa de vida era alta.
Isso era muito bom para a seguradora, pois custeada por uma massa de clientes que pouco davam despesas.
Mas onde está a reconhecida competência empresarial da ré, quando a massa de segurados de sua carteira envelheceu?
As seguradoras abordam – oferta e publicidade ? de modo a seduzir o consumidor, a fim de não permitir que o mais desconfiado dos segurados imaginasse o abismo que viria a se avizinhar no momento da realização do plano.
Volta e meia a vida sempre surpreende, mesmo os mais experientes não explicam porque a própria seguradora ao invés de impor reajustes absorvíveis pelas finanças aos consumidores, preferiu impor algo que expulse os segurados, escondendo-se sob o manto de pseudo exigências.
Se os segurados pertenciam ao Clube de Executivos, que espécie de associação é essa em que somente os déficits são socializados, mesmo entre aqueles que nunca viram qualquer sinal de desgaste ou insuficiência no valor dos prêmios?
Como esperar que as pessoas joguem anos de confiança no incinerador e que aplaudam a competência da seguradora em não lhes propor nada possível?
Quantos não prefeririam ter morrido e não estar na iminência de perder todas as expectativas?
Essa é a tragédia anunciada, pois os percentuais de reajustes propostos, amargam ainda mais o senso de falta de proteção, desamparo e de impunidade.
Fonte: Agência Estado