Moedas virtuais ganham espaço entre brasileiros
A tecnologia promete revolucionar os meios de pagamento. Moedas virtuais são cada vez mais utilizadas ao redor do mundo e ganham terreno também no Brasil. Por meio de uma carteira eletrônica de dinheiro digital, consumidores podem comprar produtos ou serviços de empresas ou pessoas que aceitem essas divisas. Em um futuro no qual a inovação estará presente em praticamente tudo na vida das pessoas, não é estranho imaginar o consumo baseado em opções mais arrojadas que o real ou mesmo o dólar.
No mundo, existem pelo menos 100 moedas digitais. Esse é o número de divisas com cotação monitorada pelo Coinmarketcap, site que acompanha as variações das chamadas criptomoedas. A mais conhecida é o bitcoin, criado em 2009. A ideia é atribuída a Satoshi Nakamoto, um personagem que nunca se revelou. Muitos consideram que se trata do pseudônimo de uma pessoa ou de um grupo responsável pela inovação. O anonimato, no entanto, não preocupa as pessoas que negociam a moeda, que vem se valorizando cada vez mais.
Em 19 de novembro de 2011, quando atingiu a mínima histórica, um bitcoin valia US$ 2,06. Ontem, ele era cotado a US$ 908,36 – uma alta de 43.995% no período. Tamanha valorização é explicada pelo aumento da demanda e pelo fato de que a moeda foi criada sob uma propriedade de escassez. Tal como o ouro, um dia a divisa deixará de ser gerada – mais precisamente, em 2033, quando a última de 21 milhões de moedas previstas será emitida. A determinação está embutida no próprio software que criou o bitocoin e a rede na qual ele é negociado. Alcançada essa quantidade de moeda, o próprio software se encarregará de impedir a emissão de qualquer unidade adicional.
Demanda
Devido à valorização, o bitcoin não é mais visto apenas como um instrumento para transações comerciais, mas também como ativo financeiro. Especialistas acreditam que a moeda possa atingir US$ 2 mil até o fim de 2017. As causas podem ser diversas, como a intenção do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, de aumentar o deficit fiscal do país, o que pode elevar a inflação em dólares. Por ser imune à política monetária dos governos, o bitcoin pode ser um porto seguro para investimentos. Outro motivo é a possibilidade de a moeda virtual ser negociada em bolsas de valores dos EUA. Há também a expectativa de aumento da demanda em países em que as divisas locais passam por crises, como na Venezuela.
A demanda pela moeda virtual tem crescido na Índia, onde o governo retirou do mercado cédulas de valores mais altos da rúpia. Na China, intervenções do Estado têm endurecido o controle de capitais e levado as pessoas a demandarem bitcoins. No mundo, são processadas cerca de 200 mil transações por dia, das quais 80% na China, onde os investidores compram a moeda para se protegerem da desvalorização do yuan ou usá-la para obter divisas mais fortes, como o dólar.
No Brasil, a demanda também é crescente e pode se acelerar, a depender de um aprofundamento da crise política e de uma reviravolta na prevista recuperação econômica, avalia Rodrigo Batista, presidente do Mercado Bitcoin, site que viabiliza a compra e venda da moeda virtual. “A moeda pode ser vista como uma proteção em tempos de incerteza”, destaca. Em 2015, foram negociados R$ 35 milhões no país. Em 2016, o total saltou para R$ 90 milhões.
O bitcoin é aceito como meio de pagamento para serviços, como os de turismo e de hospedagem, e também em parte do comércio de vinhos, roupas, calçados e alimentos. Os consumidores podem, inclusive, carregar cartões pré-pagos com bitcoins. Esse é o método utilizado pelo servidor público Tiago Almeida, 30 anos. “Já usei para pagar contas e para comer”, conta ele, que também já comprou outras moedas, como o lightcoin e o dodgecoin. As criptomoedas caíram de vez no gosto dele. “São moedas que tendem a se valorizar”, acredita.
Segurança
Embora o bitcoin esteja ganhando adeptos no Brasil, Rodrigo Batista admite que ainda é cedo para imaginar as principais redes de varejo aceitando moedas digitais como pagamento. Por ora, a divisa é mais aceita por empresas de software que precisam pagar programadores no exterior. “São serviços em que as pessoas preferem usar o bitcoin a moedas tradicionais. É um pagamento seguro, praticamente instantâneo e não tem chances de fraude”, avalia. As operações são validadas por “mineradores”, softwares que reconhecem a transação entre uma pessoa e outra em uma cadeia de blocos na internet. O conceito por trás disso é o blockchain. É um registo distribuído de transações e de outros dados, mantidos por uma rede de computadores, sem a necessidade de aprovação de uma autoridade central.
O investidor e minerador de moedas digitais Márcio Antônio Simas destaca que nunca houve registro oficial de fraude por quebra do algoritmo ou criptografia do sistema bictoin. “O máximo que ocorreu foi o roubo de senha do endereço de carteira, algo equivalente ao roubo de senha do e-mail. Mas já se encontraram soluções práticas, com senhas em dois níveis, usando confirmação por token, como ocorre com os sistemas bancários atuais”, diz.
Economia
A segurança com o uso da tecnologia de blockchain pode gerar uma economia de até US$ 12 bilhões por ano, até 2025, a bancos de investimento em despesas com infraestrutura, de acordo com relatório da Accenture, empresa global de consultoria em gestão e tecnologia da informação (TI). O levantamento leva em consideração dados de custo de oito das 10 maiores instituições financeiras de fomento do mundo. Por permitir a criação de um banco de dados praticamente à prova de fraudes, a tecnologia eliminaria a exigência de reconciliação, podendo ser um recurso útil para auditorias.
Liberdade monetária
Especialistas avaliam que a ideia por trás do bitcoin e de outras criptomoedas vai além das transações e da utilização delas como ativos financeiros. Para o economista Fernando Ulrich, autor do livro Bitcoin – A moeda na era digital, as divisas apresentam alternativas viáveis de moedas que não são controladas por Estado algum. “Não há maior poder na terra que o de imprimir moeda. Com o bitcoin, felizmente, o buraco é mais embaixo. Não tem como barrar, tentar proibir ou obstruir por completo o funcionamento do sistema, o que é virtualmente impossível”, destaca.
A maioria dos economistas avalia como heresia a possibilidade de o dinheiro ser provido pelo mercado. Para Ulrich, é uma visão equivocada. “Quem pensa assim defende um sistema em que os indivíduos não devem ter liberdade para escolher a moeda que querem usar. Sustenta que o Estado deve ser o responsável por prover a moeda. Mas estamos repletos de exemplos de que nenhum conseguiu ser bom nessa tarefa”, diz.
Por isso, Ulrich avalia a produção e escolha de moedas virtuais como tão relevante “O desenvolvimento das criptomoedas expressa a real liberdade monetária. A liberdade de produção e escolha das moedas virtuais, de modo que o mercado defina a melhor moeda. A que será sustentável e mais vantajosa para a sociedade. Aonde isso vai dar, não sabemos. Mas é uma ideia bastante interessante”, avalia.
Diferentemente do que ocorre com moedas controladas pelos bancos centrais, Ulrich acredita que uma sociedade sem inflação poderia ser real com o uso de bitcoin. “Não tem como ter inflação da moeda ou mesmo ser surpreendido com isso”, diz. Como o bitcoin tem a criação limitada, e a regra não pode ser burlada, ele tenderia a se apreciar ao longo do tempo, uma vez que o limite de 21 milhões de unidades torna a moeda deflacionária por natureza.
Educação
Para a advogada especialista Rosine Kadamani, cofundadora da Blockchain Academy, falta mais informação e educação para que a ideia das criptomedas seja mais bem difundida no Brasil. “É uma mudança de paradigmas. Temos que saber que elas estão no mercado e têm que continuar sendo exploradas, como já acontece. Na hora em que mais pessoas conhecerem, se encantarem e começarem a perceber o tamanho do potencial das moeda virtuais, o número de pessoas que as utilizam vai aumentar naturalmente”, avalia.
Cartório virtual
A tecnologia blockchain permite não apenas transferir valores financeiros, como bitcoins, mas também informações. É possível transformar um documento em um endereço eletrônico, de forma que a rede se converta em uma espécie de cartório. No entanto, no Brasil, a ideia de criar um banco de dados para bancos, por exemplo, pode encontrar resistência, diz Rosine Kadamani. “A tecnologia abriu muitas possibilidades, como o registro de dados na rede. Mas há problemas concretos, como a situação atual de cartórios. O blockchain se dispõe a resolvê-los, mas a legislação precisa evoluir para aceitar isso”, diz.
Fonte: Correio Braziliense