Meta de inflação menor beneficia juro longo
Na semana da decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) sobre a meta de inflação de 2019, os preços de ativos de renda fixa não só confirmam expectativas de redução para 4,25%, como também sinalizam haver espaço para um movimento mais ousado. A inflação implícita para 2019 já opera em torno de 4%, enquanto as projeções do Focus para os anos seguintes recentemente testaram esse patamar, numa indicação de que, para o mercado, a atual conjuntura permite trabalhar com taxas mais baixas de inflação.
Uma surpresa com a redução da meta para 4% teria impacto imediato nos juros nominais de prazos longos, mais sensíveis aos cenários estruturais para a economia. Isso porque, indiretamente, o choque de credibilidade dado com um corte mais intenso trabalharia no sentido de reduzir o juro estrutural. Com isso, a Selic poderia ser sustentada em patamares mais baixos sem gerar inflação ou pressões sobre a atividade econômica.
Algumas contas no mercado indicam que as taxas com vencimentos até 2024 poderiam cair a um dígito. Atualmente, os DIs entre janeiro de 2021 e janeiro de 2024 operam entre 10,2% ao ano e 10,8%. Assim, as taxas reduziriam a distância dos patamares registrados antes da turbulência política de meados de maio, que colocou em xeque o cenário para a aprovação da agenda reformista.
Nos títulos atrelados à inflação, o cenário mais provável seria de queda apenas moderada do juro real, devido aos riscos que ainda envolvem as reformas. Com isso, investimentos em taxas prefixadas de prazos longos teriam resultado mais positivo, aumentando a atratividade de papéis como as NTN-F.
Se os vértices longos da curva de juros mostrariam reação mais positiva, há menos consenso em relação ao comportamento dos vencimentos mais curtos. Maurício Patini, gestor de renda fixa da Absolute Investimentos, calcula que a Selic ao longo de 2019 não poderia ficar abaixo de 8,5% para que a inflação convergisse a 4%. “No trecho da curva até esse vencimento, haveria grande chance de abertura [alta] das taxas”, diz o gestor, citando a taxa calculada em exercício econométrico que busca replicar o modelo de reação do BC.
A expectativa é que o CMN ainda seja conservador na decisão do dia 29 de junho por levar em conta o cenário doméstico mais incerto, ditado especialmente pela persistente instabilidade política. Contudo, a fortalecida credibilidade da política monetária, o cenário prospectivo de inflação em queda e a perspectiva, ainda que abalada, de encaminhamento da agenda de reformas serviriam de apoio a um eventual corte da meta em 0,5 ponto percentual, para 4%.
“Se o CMN reduzisse a meta para 4%, em uma semana ou duas as projeções da Focus estariam nesse patamar”, diz Gustavo Arruda, economista do BNP Paribas. Segundo ele, o que tem sido percebido é que as expectativas para o CMN mexem com as projeções do mercado, e não o contrário, o que corrobora o cenário de convergência das apostas dos analistas se o CMN optasse por uma redução mais intensa da meta de inflação.
Entre março e abril, quando os debates em torno da possibilidade de redução da meta de inflação ganharam força, a pesquisa Focus mostrou redução das estimativas do mercado para o IPCA de 2019. Até 17 de março, a mediana das estimativas ainda estava em 4,5%, mas caiu a 4,45% no dia 20. Em 29 de março, a projeção já estava em 4,3%, cedendo a 4,28% no dia 30 e atingindo 4,25% em 3 de abril – patamar no qual se encontra hoje.
Nesse período, o acaloramento dos debates em torno de metas de inflação mais baixas permitiu que o mercado reduzisse o prognóstico para a alta dos preços mesmo para prazos mais longos. Em meados de abril, o mercado passou a ver IPCA de 4% para 2021, estimativa que perdurou até a semana seguinte à eclosão da mais recente crise política doméstica. Em 22 de maio, a projeção já estava de volta a 4,25%.
O Banco Safra espera que o CMN reduza a meta nesta semana para 4,25%, mas reconhece que não “dá para descartar” um corte para 4%. Mantido o êxito da política monetária no combate à inflação, o CMN poderia no ano que vem determinar meta ainda mais baixa para a inflação de 2020, de 4%, segundo o banco.
“Hoje, o custo desse processo é baixo. E com isso poderíamos aproveitar a oportunidade para finalmente aproximar nossa meta de inflação à da média dos emergentes, de 3%”, diz Carlos Kawall, economista-chefe do Safra. Ele vê como “desejável” uma meta de 4% para 2020 e classifica como “jabuticaba” a meta atual, de 4,5%.
Fonte: Valor