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Mercado está tranquilo com reformas

O diretor de política monetária do Banco Central, Reinaldo Le Grazie, mostra-se relativamente tranquilo com as idas e vindas da aguardada reforma da Previdência no Congresso. Questionado sobre o quanto a demora em aprová-la ou um texto excessivamente desidratado pode comprometer o processo de alívio monetário ora conduzido pelo BC, Le Grazie recorre a um expediente que conhece bem.
“Gosto de olhar preço de mercado. E o mercado está relativamente tranquilo com o andar das reformas. Se essa expectativa mudar, os preços vão refletir isso”, afirmou ao Valor, na primeira entrevista exclusiva desde que assumiu a função, em julho do ano passado, a convite do presidente da autoridade, Ilan Goldfajn. Sobre o risco de o mercado estar sendo muito benevolente, ponderou: “Isso às vezes acontece. Vamos ver, estamos monitorando.”

Le Grazie é essencialmente um profissional de mercado, de formação distinta de seus colegas de colegiado. Hoje com 54 anos, o administrador de empresas foi por muito tempo diretor de tesouraria do Lloyd´s Bank no Brasil. Antes de se juntar ao BC, comandava a gestora de recursos do Bradesco, a Bram, e era vice-presidente da Anbima. Na gestão de Henrique Meirelles no BC, chegou a ser sondado para ocupar uma diretoria na autoridade monetária, o que só veio a acontecer agora.

Nos últimos meses, o diretor esteve à frente das discussões com os bancos que resultaram na modificação das regras do rotativo do cartão de crédito. “Acreditamos que a taxa [de juro] do novo rotativo deve ficar em torno da metade do atual para o bom pagador, que paga pelo menos o mínimo exigido em dia”, disse.

Na entrevista, concedida na sede do Banco Central em São Paulo, Le Grazie falou ainda sobre como deve funcionar o depósito voluntário remunerado, novo instrumento de política monetária a ser criado pelo BC, da necessidade de se reduzir o peso do crédito direcionado na economia e de política cambial.

Valor: O BC identificou sinais de acomodação da economia, segundo a ata. Já existem sinais de retomada do crescimento?

Reinaldo Le Grazie: Acho que já. Teve uma frustração com relação ao terceiro trimestre do ano passado. Pelo crescimento da confiança, todos os analistas acharam que a retomada da atividade seria mais rápida. Hoje, a gente viu que não é tão rápida. Os sinais de estabilização são fortes, porém a retomada parece ser lenta e gradual. O Banco Central está vendo a mesma coisa que o mercado está vendo. Em 2017, até por uma questão de estatística, a base é baixa, o PIB deve ser o que está sendo falado [a mediana das projeções para o PIB este ano na pesquisa Focus é de crescimento de 0,47%]. A questão é que, quando se olha para o que está posto na mesa, as propostas, a forma como se está estudando as finanças públicas, o crescimento vai poder ser consistente e sustentável. Isso é muito bom. Alguns setores estão indo bem – agricultura, petróleo, energia. Outros sofrem mais, têm estoque maior. Mas aparentemente a atividade está dando sinais.

Valor: O quanto o andamento da reforma da Previdência está preocupando e pode comprometer esse cenário de alívio monetário?

Le Grazie: Eu gosto de olhar preço de mercado. E o mercado está relativamente tranquilo com o andar das reformas. O governo foi muito eficiente na aprovação da PEC dos gastos. E a reforma da Previdência está caminhando. Se essa expectativa mudar, os preços vão refletir isso.

Valor: Tem gente que acha que há uma excessiva benevolência do mercado com essa questão.

Le Grazie: Isso às vezes acontece. Vamos ver, estamos monitorando.

Valor: O Banco Central e os bancos entraram em um acordo para mudar o funcionamento do rotativo dos cartões de crédito. Que efeito vocês esperam em termos de taxa de juros?

Le Grazie: A discussão foi prudencial. Esse é um produto cuja taxa de inadimplência vem subindo muito fortemente nos últimos anos. Junto com a inadimplência, subia também a taxa de juros. Então, apesar dos volumes não serem expressivos no rotativo, ele ganhou uma dinâmica ruim. Conversamos com a indústria e acertamos fazer uma limitação no prazo do produto. A expectativa é que a inadimplência seja muito menor e que a taxa caia em função disso.

Valor: Quanto a taxa deve cair?

Le Grazie: Acreditamos que a taxa do novo rotativo deve ficar em torno da metade do atual para o bom pagador, que paga pelo menos o mínimo exigido em dia, em função da norma editada. O parcelado migrado do rotativo (depois de 30 dias) deve ficar em patamares próximos ao parcelado normal. Para quem não paga nem o mínimo exigido e entra em atraso, a taxa deverá ser maior que a taxa do rotativo normal.

Valor: Quando a conversa com o setor começou, era em torno do prazo de pagamento aos lojistas. O que se pode esperar em seguida nessa área? Vocês pretendem mexer em subsídios cruzados?

Le Grazie: A discussão do prazo se mostrou uma questão mais complexa do que parecia. É uma particularidade do mercado brasileiro ter esse “grace period” com o qual o consumidor está acostumado, de pagar a fatura em 30 dias. Por outro lado, o lojista também recebe com prazo de 30 dias, apesar de ter a alternativa de receber em prazo mais curto também. Pode fazer a antecipação de recebíveis em qualquer prazo, mas paga uma taxa por isso. Quando nos aprofundamos nessa discussão, nós vimos que havia muitos novos entrantes que estão trazendo produtos interessantes baseados nesse modelo, fazendo antecipação de recebíveis, fazendo float. Entre outras coisas, a gente iria tirar muitos novos entrantes do mercado, o que não parecia uma boa decisão. Sobre o prazo, precisamos entender melhor o modelo. Se chegarmos à conclusão de que o caminho é esse, fazer isso de uma maneira gradual de forma a manter o equilíbrio da indústria. Hoje, a indústria está em equilíbrio, mas com subsídio cruzado. Na hora de mexer, tem que ser com parcimônia. Outras iniciativas estão sendo tomadas.

Valor: Na agenda microeconômica, a questão do spread é um tema bem central. O que, efetivamente, está sendo feito para conseguir reduzi-lo?

Le Grazie: A agenda de infraestrutura mutualizada é um caminho. São iniciativas que, ao longo do tempo, trazem mais segurança. A gente precisa insistir nesses caminhos. E com a situação econômica voltando ao normal, novos empreendedores vão aparecer oferecendo novas alternativas. É importante que a gente consiga criar um ambiente de negócios positivo, eficiente, para que esses novos empreendedores ofereçam esses novos produtos. O mercado de capitais, que hoje é insipiente, mas pode voltar a crescer, é um excelente caminho para aumentar o prazo dos empréstimos e a piscina de recursos à disposição dos empresários.

Valor: O funcionamento do mercado de capitais vai melhorar com a queda dos juros ou tem alguma medida que precise ser adotada?

Le Grazie: Eu diria que o mercado de capitais sofreu pela brusca oscilação de juros no Brasil. A taxa [Selic] foi de 7% para 14% em poucos anos, isso fez com que o mercado se encolhesse. Então, o ambiente macro é muito importante. O que poderia ajudar é a harmonização tributária. Hoje os produtos de investimento têm um emaranhado de tributos diferentes, de características diferentes, liquidez regulatória diferente. Isso dificulta a alocação de recursos de investimento.

Valor: Crédito direcionado é um tema sobre o qual tem se falado bastante. De que forma se pretende diminuir o peso do direcionado na economia?

Le Grazie: O crédito direcionado realmente traz uma distorção que eleva a necessidade da taxa média. É preciso reduzir a dispersão de taxas de juros na economia. E aí cada caso do crédito direcionado é um caso. A grande questão é compreender que o ideal é ter taxa de juros baixa para todos. Mas não tem uma medida que atinja todo o direcionado.

Valor: A inflação baixa também abre a possibilidade de redução da meta de inflação?

Le Grazie: O que eu posso falar sobre meta de inflação é: nós não tivemos essa discussão dentro do Banco Central. Discute-se muito esse assunto, mas a primeira vez que discutimos isso dentro do Banco Central foi quando apareceu no jornal. Acho que a discussão foi um pouco antecipada, pelo menos para a nossa rotina. E essa é uma decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN). Mas acho que vai ser decidido a seu tempo. Realmente não acho que estejamos atrasados nessa discussão. Vai chegar a hora certa.

Valor: O BC tem dito que não está na hora de mexer em alíquota de compulsório, embora os bancos sempre peçam isso. Dá para explicar melhor por que não é a hora?

Le Grazie: O sistema bancário hoje está líquido, capitalizado, provisionado e, ainda assim, com alguma boa rentabilidade. Quando se olha para o resto do mundo, o retorno que os bancos têm no Brasil é razoável. Não é uniforme, mas o sistema financeiro se mostrou muito resiliente. Sobre a oferta de crédito, o que a gente ouve é que não há muita demanda. Não é falta de liquidez. Parece até que esse cenário está começando a mudar. A conversa é que bons projetos estão sendo colocados na mesa e a oferta de crédito existe. Não é uma questão de volume, de liquidez. Então, liberação de compulsório hoje não traria nenhum benefício, isso é muito claro. Além do que, os recursos depositados no compulsório são dos maiores bancos, que são os mais líquidos.

Valor: E a discussão sobre depósito voluntário?

Le Grazie: Estamos trabalhando. Demora um pouco para essas medidas estarem prontas. A ideia é que seja mais um instrumento de política monetária. Essa é uma amostra de que o BC não está olhando apenas para o curto prazo. Nós não precisamos de depósito voluntário hoje. Mas podemos precisar daqui a três anos. Desde a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Banco Central não pode emitir títulos. Então, num limite, o BC pode ter incapacidade de fazer gestão de política monetária. A diferença em relação à compromissada é que o depósito voluntário não tem lastro. Se um dia o Tesouro não puder emitir, o BC fica sem papel. A gente não vislumbra esse quadro, mas faz sentido que um BC que não possa emitir tenha outra alternativa.

Valor: Mas é algo que vai ser implementado logo?

Le Grazie: Precisa estar previsto em lei. A ideia é colocar no ar dentro em breve. Já estamos trabalhando para formatar as regras, explicar para o mercado, apresentar aos dealers do Banco Central. Essa operação só estará disponível aos dealers. Mas deve começar com um volume muito pequeno, porque será de prazo curto. Hoje, o que tem de liquidez em prazo curto é algo com R$ 100 bilhões. O depósito voluntário teria que ser uma fração disso agora. A ideia é que haja um equilíbrio entre os dois instrumentos, que as taxas sejam as mesmas. Se, no futuro, houver outro interesse, será possível recalibrar essas condições.

Valor: O volume menor de estoque de swap cambial reduz o poder de fogo do BC agir no mercado?

Le Grazie: Começamos o ano passado com estoque de US$ 110 bilhões. Era um volume que não era confortável. Vamos terminar o mês com US$ 18 bilhões, é um volume bem mais confortável.

Valor: Voltar a usar swap é uma possibilidade? Em que circunstância o BC voltaria a atuar?

Le Grazie: É uma possibilidade, vamos discutir quando chegar a hora. Eu não consigo prever uma situação como essa. Mas o que eu vejo é que o real teve uma grande valorização em 2016, seguido de uma grande desvalorização em 2015. E quando faço outras avaliações, não vejo o real descolado de outras moedas. Ele andou junto com seus fundamentos nos últimos trimestres, junto com a evolução do CDS, que se valorizou, andou junto com moedas emergentes. As commodities subiram também, o que é bom para os termos de troca, e o real andou nessa direção. Vamos continuar atuando nesse sentido, preservando a tendência, deixando o câmbio flutuar com a nossa participação.

Valor: O BC vai criar um comitê de câmbio. Do que se trata?

Le Grazie: No âmbito do BIS, há dois anos, se iniciou um trabalho para criar esse código, chamado Global FX Code, que deve ser lançado em maio. Esse é um código não regulatório, é um código de condutas, que tenta uniformizar sistemas operacionais. Alguns mercados têm modus operandi diferentes. A tentativa é uniformizar esses conceitos e fazer com que os mercados possam se desenvolver ao longo do tempo de maneiras mais suaves. Nós e mais oito bancos centrais seremos signatários e vamos implantar o comitê regional. O Banco Central vai ser o “sponsor”. Vão participar do comitê os atores principais ligados ao mercado de moedas: os bancos, plataformas eletrônicas, infraestrutura de mercado, corretora, grandes compradores ou vendedores de moedas, ou seja, setor corporate.

 

 

Fonte: Valor

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