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Mediação no Mercado de Seguros

Segundo as últimas pesquisas realizadas pelo CNJ, apenas 3.887.226 dos casos judicializados foram resolvidos por métodos alternativos de disputa. Está certo que esse número vem crescendo ano após ano, mas ainda assim representa uma quantia ínfima perante os 77,1 milhões de casos que tramitam no Judiciário Brasileiro .


Muito embora o marco legal da mediação em nosso ordenamento jurídico seja recente, é importante enaltecer que a matéria vem ganhando espaço antes mesmo do advento da Lei 13.140/15 e do Novo Código de Processo Civil, por meio dos programas de incentivo do Conselho Nacional de Justiça, como a Resolução nº 125/2010, a Recomendação nº 50/2014 e a Resolução 198/2014.


Especificamente no setor securitário, por meio da Resolução CNSP nº 108/2004, a SUSEP previa em seu processo administrativo sancionador o uso da mediação na fase inicial do procedimento (art. 42). Entretanto, tal Resolução foi revogada e a Resolução 393/2020, que atualmente dispõe sobre o assunto, não traz em seu texto o uso da mediação.


A Resolução CNSP nº 382/2020, que versa sobre os princípios a serem observados pelos entes regulamentados no trato com o cliente e sobre o uso de cliente oculto, ainda timidamente dispõe em seu art. 7º, VI, que a mediação deve ser usada na solução de conflitos da ouvidoria.


Por sua vez, de maneira inovadora e incentivadora, a recentíssima Resolução CNSP nº 407/2021, que versa sobre os contratos de seguro de danos para cobertura de grandes riscos, retoma o assunto com mais veemência e traz em seu artigo 27 a possibilidade de que as cláusulas dos contratos de seguro já prevejam “se utilizarão mediação, a arbitragem ou outra forma de resolução de litígios”. 


Tal como ocorre na arbitragem, em razão da inserção da cláusula de mediação, eventual conflito advindo do contrato securitário será solucionado por esse método alternativo de resolução de conflitos. Referida cláusula pode ser cheia, se prever a forma de instituição da mediação com a indicação da Câmara, ou vazia, não contemplando os elementos mínimos necessários para instituição da mediação . 


Entretanto, de nada adianta a criação de incentivos à mediação sem a consolidação da cultura da resolução pacífica de conflitos. Ana Cândida Menezes Marcato e Fernanda Tartuce já alertam que a mudança deve vir da base, com a reformulação das grades de ensino das faculdades de direito, para que reconheçam e incentivem os métodos alternativos de resolução de conflitos. 


Me curvo à tal entendimento, pois somente com a mudança da mentalidade é que as partes se abrirão e se permitirão utilizar a mediação, que é uma alternativa menos custosa e burocrática, mais célere e que permite preservar a relação de confiança entre as partes. Muitas vezes um processo judicial leva muito mais do que o dinheiro e o tempo, mas também a confiança e a parceria que existia entre os litigantes – que são elementos essenciais ao mundo securitário.


Apesar de a mediação ser o meio mais adequado para a solução de inúmeros conflitos no ramo dos seguros, é muito pouco usada no Brasil. Em pesquisa realizada pelo CNJ, os principais processos em primeira instância se referem aos seguintes assuntos: “plano de saúde” (34,05%), “seguro” (23,77%), “saúde” (13,23%) e “tratamento médico-hospitalar e/ou fornecimento de medicamentos” (8,76%). A matéria securitária, portanto, ocupa a segunda colocação do ranking, o que denota a relevância da questão. 


Na reunião realizada em 24 de agosto de 2020 pelo Grupo Nacional de Trabalho de Solução de Conflitos, da Associação Internacional do Direito do Seguro – AIDA Brasil, o presidente do Grupo Internacional de Trabalho de Solução de Conflitos da AIDA Mundial, Christopher Rood, falando sobre sua experiência, disse que em seu país – a Austrália -, a mediação vem sendo usada desde meados dos anos 80, e que tal método não é uma exceção, mas sim uma regra. Ele registrou que “a mediação é um processo muito importante em todos os Estados da Austrália. Sem ela estaríamos em colapso” .


Ao contrário do cenário australiano, o mercado brasileiro ainda resiste à utilização da mediação para conflitos securitários, mas está em processo de transformação. Segundo informa o Centro de Mediadores Instituto do Ensino, 75% de quem busca a carreira de mediação são mulheres . Me parece que somos nós que vamos transformar o Brasil em uma Austrália. 

Ana Carmo

Atuação voltada para a área de contencioso cível e consultivo, com experiência na gestão de carteiras cíveis e de consumidor. Atualmente, atua no âmbito do Direito Aeronáutico, Seguros e Resseguros, prestando assessoria para empresas nacionais e internacionais em litígios deflagrados perante todos os Tribunais brasileiros. Está diretamente envolvida no gerenciamento de crise e regulação de diversos sinistros aeronáuticos ocorridos no país.

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